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A cultura sem a Lei Rouanet

Fonte: O Tempo
Por Gustavo Rocha

Artistas falam sobre o que poderia acarretar a extinção do principal instrumento federal de incentivo às artes

Um dos temas mais polêmicos quando se fala em cultura no Brasil, a Lei Rouanet volta ao centro das discussões agora, na iminência da entrada de um novo governo. Certo é que, apesar das críticas, grande parte de importantes agentes culturais do país dependem dela para a sua sobrevivência. E muitos desses ataques são fruto de desconhecimento.

Crédito das imagens: Guto Muniz / Angelo Petinati / André Fossati / José Luiz Perdeneiras

Uma rápida pesquisa em sites de busca dá a dimensão real da desinformação sobre o principal instrumento federal de incentivo às artes. Com a possibilidade de corte e/ou achatamento do Ministério da Cultura, o que aconteceria se a Rouanet fosse extinta? O TEMPO ouviu pessoas diretamente ligadas à lei, de 1991. Mas antes é importante destacar que o novo governo federal herdará, no mínimo, 800 projetos aprovados e autorizados a captar verbas por meio da Lei Rouanet.

O levantamento é do site VerSalic. “Na verdade, existe um mito sobre a Rouanet e sobre seu real funcionamento. Os escândalos que aconteceram com a lei são isolados e, infelizmente, desvios de recursos públicos ocorrem em todas as áreas no Brasil. A maior parte dos recursos da Rouanet é, sim, destinado à área: instituições sem fins lucrativos e produtores independentes”, pontua Cristiane Olivieri, advogada especialista em arte e cultura, ligada ao Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais.

Outro integrante do Fórum, o mineiro Afonso Borges, é taxativo: “Se acabar a Lei Rouanet, acaba a cultura brasileira”, afirma. Borges é idealizador do Sempre Um Papo, projeto de literatura que existe há 32 anos e que sempre contou com recursos das leis de incentivo. “Duvido que vai acabar, porque é uma lei aprovada pelo Congresso”, acredita.

A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais é uma das instituições que poderá ser diretamente afetada por mudanças e/ou extinção da Rouanet. “A questão tocaria na alma do projeto. Seria um desastre, dado o modelo de gestão da Filarmônica, que dá certo no mundo todo”, afirma Diomar Silveira, presidente do Instituto Cultural Filarmônica.

Ele se refere à parceria público-privada, alicerce de uma orquestra que existe há dez anos e que é reconhecida mundialmente pela excelência artística. Segundo Silveira, o orçamento anual da Filarmônica gira em torno de R$ 30 milhões, sendo que R$ 19 milhões vem diretamente do Estado de Minas Gerais; outros R$ 3 milhões vem da arrecadação com a bilheteria; e R$ 8 milhões são captados, via Lei Rouanet. “Corrigir os caminhos é muito bem-vindo, mas acabar com a Rouanet é um retrocesso”, destaca Silveira.

Para Beto Franco, do Galpão – grupo beneficiário do mecanismo, há quase duas décadas – a lei ainda carece de debate, mas, apesar de suas imperfeições, é importante sua permanência. “O ideal seria caminhar para atualizá-la e torná-la mais distributiva para alcançar o país inteiro. Contudo, essa discussão será interrompida na batalha que os artistas terão para manter a lei”, diz o ator. O Galpão, que recentemente estreou “Outros”, teve cerca de R$ 1,8 milhão de patrocínio da Petrobras, via Roaunet.

Borges destaca a lisura dos processos de seleção de projetos e as suas prestações de conta. “É importante destacar que o dinheiro não vai para mim, mas sim para o projeto. Além do mais, o dinheiro é sempre mais modesto e as planilhas orçamentárias são pré-aprovadas. A de prestação é bastante minuciosa”, destaca o criador do Sempre um Papo.

Cristiane aposta na força econômica da lei para sua permanência. “A cada R$ 1 investido na Rouanet, R$ 10 voltam para a sociedade, porque ela movimenta vários setores, como hotéis, restaurantes e transportes”, destaca. Destes R$ 10 que retornam, R$ 3, em média, voltam em impostos. E esse dinheiro gerado pela cultura pode ser reinvestido em outras áreas: educação, saúde, segurança pública.

Economia

A Lei Rouanet foi revista e debatida, ainda no governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Sivla, em uma consulta pública com o então ministro Juca Ferreira, sua equipe e a sociedade civil. Em 2018, menos de 1% do PIB (0,66%, para ser exato) foi investido na Cultura, sendo que esse baixo percentual movimenta e devolve para a economia 2,7% do PIB nacional. Índice maior que a construção civil ou a indústria automobilística.

Os números positivos da economia criativa ainda revelam que o setor emprega 1 milhão de pessoas diretamente e rende R$ 10 bilhões para os cofres públicos em impostos. “A indústria recebe um orçamento muito maior e não rende tanto”, pondera Cristiane.

Mecanismo é alvo recorrente de desinformação e fake news

Há muita desinformação em torno da Lei Rouanet. Na internet, há inúmeras fake news relacionadas ao assunto. Um bom exemplo é o boato de que Chico Buarque viveria em Paris às custas da Rouanet – o artista nunca usou a lei. A Rouanet, como é conhecida a Lei 8.313/91, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). O nome vem de seu criador, o então secretário Nacional de Cultura, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet. Para cumprir este objetivo, a lei estabelece as normativas de como o governo federal deve disponibilizar recursos para projetos.

A lei foi concebida originalmente com três mecanismos: o Fundo Nacional da Cultura (FNC), o Incentivo Fiscal e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Esse último nunca foi implementado, enquanto o Incentivo Fiscal – também chamado de mecenato – prevaleceu e chega ser confundido com a própria Lei.

O formulário para inscrição na lei está disponível no site do Ministério da Cultura. O projeto é submetido a uma comissão. Uma vez aprovado, o proponente pode encontrar patrocinadores (pessoa física e/ou jurídica) para seu projeto. Pessoas jurídicas podem investir até 4% do seu Imposto de Renda, e pessoas físicas, até 6%.

 

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