ENTREVISTAS

“As redes não são apenas grandes espaços de encontro virtual. As redes são espaços para a diversidade” – Fernando Vicário

Por Leandro Lopes

Fernando Vicário tem formação em Jornalismo e Ciências da Informação, nasceu e cresceu na Espanha, mas boa parte da sua vida manteve o olhar na cultura dos países latinos-americanos. Fez dessas observações do terceiro mundo, seu principal foco de estudo. Hoje, roda o mundo traçando esses diagnósticos, ministrando cursos e palestras. É Diretor de Cultura da Organização dos Estados Ibero-Americanos – OEI – e membro da International Federation of Arts Councils and Culture Agencies – IFACCA.

Esteve no Brasil diversas vezes em 2010. Em uma delas, participando de uma mesa-redonda no “Cultura e Pensamento – Juventude e Ativismo”, evento organizado pela ONG Contato, em Belo Horizonte, no início de agosto. Desde então, o Observatório da Diversidade Cultural vem mantendo contato e fez uma entrevista com o pesquisador por e-mail. Vicário fala de acesso à informação e conhecimento, detalha como os meios possibilitam e incentivam ou não-incentivam a promoção da diversidade cultural e como se ter conteúdo de qualidade nos veículos comunicacionais.

Observatório da Diversidade Cultural – A temática proposta na mesa da qual o senhor participou no Cultura e Pensamento – Juventude e Ativismo, em Belo Horizonte, afirmava que os meios de comunicação possibilitaram o acesso à diversidade cultural. Isso é verdade?

Fernando Vicário – Em uma pequena porcentagem a mídia contribui para respeitar, compreender e viver com a diversidade cultural, sim. Apesar de termos poucos programas que mostram coisas diferentes dos padrões e poucos sites na qual a informação é diferenciada. Porém, eu queria diferenciar os conceitos: estes são os meios de informação e não de comunicação. A comunicação através da mídia é um pouco mais complexa e dá mais mostras da diversidade e da diferença, isso porque é feita por aqueles que procuram e aqueles que ajudam a encontrar. Quando há comunicação, há interação. Quando há informação, apenas uma das partes decide o que quer contar e a outra parte decide se quer ou não que contem. Por isso, tem que se ganhar audiência e as vezes se subestima o ouvinte unificando seus gostos. É mais fácil fingir que todos são iguais. Assim, os custos de produção são mais baratos. Isso porém, tem muitas consequencias negativas a longo prazo.

ODC – Informação é o mesmo que conhecimento?

FV – Sem dúvida que para a construção do conhecimento, é essencial a informação. Porém, tão importante quanto é a compreensão do que é dito por meio da informação. É preciso analisá-la, sintetizá-la e assimilá-la. Depois de todo este processo, aí a informação se transforma em conhecimento. É muito semelhante ao que acontece com os alimentos. Se temos muita informação, mas não temos conhecimento, estamos apenas armazenando gordura nas nossas cabeças. Matérias que não nos servem e que vamos ter que se desfazer, em algum momento.

ODC – Quando é possível perceber que estamos sendo atolados de informação e estamos deixando de lado o conhecimento?

FV – Isso acontece quando você perde toda a capacidade de analisar, quando não mais distingue o que é bom e o que é ruim. O conhecimento pessoal é muito parecido com o sentimento. No final sempre sentimos através de uma série de hábitos cultuais que são nos impostos e que a gente adotou para nós mesmos. Nós inventamos a melhor forma de amar, de odiar, de beijar e de brigar. O teste final é quando as nossas ideias concordam 100% com a mídia que vemos, ouvimos ou lemos.

ODC – Nesse processo de possibilitar acesso à diversidade cultural, as redes sociais têm alguma importância? São elas uma ferramenta que podem contribuir para isso?

FV – As redes sociais são uma maravilhosa invenção do século. É uma das mais completas e abrangentes ferramentas para trabalhar com o outro com qualidade, rapidez, eficiência e baixos custos. Claro que a ferramenta está definida e precisamos saber como usá-la e ter consciência das finalidades de se aproximar dela. Se for para manter contato com amigos, pode contribuir para se ter mais consciência da diversidade e da diferença, mas se a intenção foi alimentar outras preocupação, pode ser uma grande experiência.

Eu recebo em minha rede várias propostas de pessoas que entendem de comunicação de uma maneira muito diferente de como eu a entendo. Isso me enriquece e me alimentou a capacidade de enfrentar e considerar outras medidas. As redes de hoje não são apenas grandes espaços de encontro virtual, nem apenas poderosas janelas abertas através do qual eu só tenho que olhar. As redes são espaços para a diversidade.

ODC – Com a internet e o surgimento dessas novas possibilidades de interação e comunicação vem mudando a vida das pessoas. Nesse sentido, em que medida o acesso e a interação entre as diferentes culturas pode ou deve ser considerado satisfatório?

FV – As redes sociais e a internet podem ser ferramentas que nos servem ou pelas quais devemos servir. Se simplesmente se conectar à internet para ver o que está acontecendo dia após dia, vamos ser um daqueles que alimentam as estatísticas que servem as grandes empresas. Como em qualquer iniciativa, deve ser você e não a máquina, que deve explorar as possibilidades. Se você deixar a iniciativa para a máquina é muito provável que as chances de interação acabe sendo zero.

ODC – Por fim, quais os desafios e as possibilidades de articulação entre informação, comunicação e diversidade atualmente?

FV – O principal desafio é a coragem. Nenhum estado no espaço Ibero-Americano se atreveu a ir contra a grande mídia. É preciso dialogar, promover um debate aberto e franco e não duvidar da capacidade dos espectadores de tirar suas próprias conclusões. Para isso, o Estado e a sociedade precisam ser corajosos e se atreverem a perder poder, mas ganhar espaços para a divesidade, cidadania e o respeito.

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