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Comunicação e infância: direitos em construção

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Veet Vivarta (Rede ANDI América Latina)

“Não interessa às empresas de comunicação nada que não seja nenhuma regulação”. A declaração do consultor da Rede ANDI América Latina, Veet Vivarta, dá o tom da dificuldade de diálogo enfrentada pelos setores organizados que defendem a criação e o aprimoramento de instrumentos legais para a proteção dos direitos humanos, no âmbito de suas relações com a comunicação e as empresas de mídia, publicidade e telecomunicações, quase sempre refratárias às propostas de regulamentação e responsabilização em casos de abuso.

A mesa Comunicação e Direitos da Infância, realizada pelo Instituto Alana e pela Rebrinc (Rede Brasileira Infância e Consumo), como parte da programação do 2o Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, trouxe o olhar de quatro profissionais com incidência distinta no cenário da comunicação e suas relações com os direitos da criança e do adolescente. Cada um a seu modo, os convidados revelaram um campo de direitos em construção, marcado por disputas de interesses, pequenos avanços e riscos de retrocesso.

Classificação Indicativa é responsabilidade compartilhada

O Sistema de Classificação Indicativa Brasileiro, em vigor desde 2006, determina a identificação do conteúdo da programação audiovisual de modo que pais ou responsáveis possam decidir sobre aquilo que os meninos e meninas devem, ou não, ver, considerando a presença e intensidade de conteúdos de violência, sexo, nudez e drogas, que podem estar presentes tanto nas imagens quanto nos diálogos e textos. A escala etária da classificação começa com o conteúdo LIVRE (veiculado a qualquer hora do dia), e avança gradualmente para 10 anos (qualquer horário), 12 anos (a partir de 20h), 14 anos (a partir de 21h), 16 anos (a partir de 22h) e 18 anos (a partir de 23h).

Prestes a completar 10 anos de vigência, o modelo, considerado um avanço pelas organizações que atuam pela democratização da comunicação, está sendo questionado no STF, com parecer favorável à sua revogação pelos quatro ministros que já se manifestaram sobre o caso que, após pedido de vista por um dos magistrados, aguarda retomada do julgamento.

Segundo relato do consultor da Rede ANDI, o argumento de um dos integrantes do Supremo foi de que “o controle remoto deve ser o único controle”, afirmando, com isso, que cabe apenas à esfera privada da família a responsabilidade pelo conteúdo a que as crianças terão acesso. Quem defende a Classificação Indicativa e outras medidas de regulação pensa diferente: acredita em responsabilidade compartilhada entre família e empresas de comunicação. E, além disso, defende que opções de conteúdo de boa qualidade também são um direito.
Conheça o guia completo sobre a Classificação Indicativa: http://www.andi.org.br/politicas-de-comunicacao/publicacao/manual-da-nova-classificacao-indicativa

Não às práticas abusivas

Os programas policiais de rádio e TV, na forma como se constituíram e se multiplicaram no Brasil, escapam à técnica e à ética do jornalismo – não há contraditório, não há equilíbrio de fontes, não há contextualização – e, não raro, atropelam a própria legalidade jurídica – apresentam suspeitos como condenados, inclusive crianças e adolescentes (prática vedada pelo ECA), dão voz à difamação, identificam e expõem vítimas de crimes, intensificando os danos emocionais. Esse perfil de prática abusiva das empresas de comunicação permanece geralmente impune e toda iniciativa que questiona tais comportamentos é rapidamente rotulada como tentativa de censura.

Um novo esforço de enfrentamento ao desrespeito aos direitos humanos em programas policiais foi iniciado em 2014 pelo Coletivo Intervozes em parceria com a ANDI – Comunicação e Direitos. Trata-se de um amplo monitoramento que abrange 20 programas de TV e 10 programas de rádio em todas as regiões do Brasil. Além de mapear as violações e produzir dados que permitam uma compreensão mais aguçada do fenômeno, o projeto tem o objetivo de sustentar ações judiciais em parceria com o Ministério Público que possam elevar o nível de responsabilidade dos veículos de comunicação.

Bia Barbosa, representante do Intervozes, não deixou de destacar, contudo, o papel tímido que o Ministério

Bia Barbosa

Bia Barbosa (Intervozes)

das Comunicações tem desempenhado na fiscalização desse tipo de violação de direitos na mídia. Ela informa que são raros os casos de aplicação de multas e, mesmo quando acontecem, possuem valores baixos que não chegam sequer a desestimular o comportamento abusivo das empresas.

Oportunidade para os canais públicos
O cineasta mineiro Guilherme Fiúza, diretor do longa-metragem “O Menino no Espelho”, lançado em 2014, tratou de outro lado da moeda: o que se produz de bom para os meninos e meninas? E onde esse conteúdo está disponível? Na visão dele, a programação infantil na TV aberta está em declínio quantitativo e qualitativo. O argumento recorrente é de que ficou delegada à TV por assinatura a exibição de conteúdos para crianças e adolescentes.

Embora a TV por assinatura esteja em crescimento e chegue hoje a aproximadamente 30% das residências brasileiras, ainda há muito público fora desse mercado, com a opção apenas da TV aberta. E é aí que surge a oportunidade para as emissoras públicas ganharem terreno e conquistarem um novo público apostando em bom conteúdo. A qualidade estética dos produtos foi outro aspecto abordado por Fiúza. Para ele, é preciso superar a visão de que programas para crianças e adolescente, especialmente quando tem viés educativo, resultam em conteúdos chatos, lentos e pouco atrativos.

Guilherme Fiuza

Cineasta Guilherme Fiuza

Aprender a trabalhar na lógica de multiplataformas (um mesmo conteúdo que se desdobra em possibilidades de interação na TV, tablet, celular e computador) é também uma nova realidade que se apresenta para os produtores independentes. Não basta produzir um bom conteúdo. É preciso que ele demonstre viabilidade dentro da lógica de distribuição e consumo vigentes.

Mídia, cultura e identidade
Para muitas crianças, a principal fonte de consumo cultural é a mídia, em especial a TV. Essa realidade convoca uma pergunta: quais são as representações da infância disponíveis na programação? Desireé Ruas, da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc), propõe uma reflexão sobre os impactos negativos para a formação da identidade de meninas e meninos quando a infância que se vê nas múltiplas telas é homogeneizada por padrões ora internacionais, ora socioeconômicos, mas sempre distantes da diversidade. Nesse sentido, como também ressaltou Guilherme Fiúza, o incentivo à produção e distribuição de conteúdo brasileiro independente, com linhas de financiamento específicas na ANCINE e cotas obrigatórias nos canais a cabo, constituem um instrumento importante para equilibrar esse cenário.

Publicidade e conteúdo de qualidade
A publicidade direcionada a crianças também foi criticada por Desireé. Para ela, toda publicidade que tem

Desiree Ruas

Desiree Ruas (Rede Rebrinc)

como público os cidadãos mais jovens deve ser considerada abusiva, pois falta à criança maturidade emocional para compreender o jogo por trás de um anúncio que associa produtos a valores como felicidade, distinção social, poder.

A representante da Rebrinc defende que uma relação saudável com a mídia passa pela redução no número de horas que os meninos e meninas dedicam às várias telas – TV, celular, computador, tablet. Mas também afirma que, quando for assistir, a criança tem direito a uma programação de boa qualidade, algo que a sociedade deve exigir das empresas e do poder público, ambos com responsabilidades no contexto de uma mídia democrática que contribui para diversidade cultural.

Fabrício Santos

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