INFORMAÇÃO

Conflitos culturais: Como resolver? Como conviver?

Francisco Humberto Cunha Filho[1]

Data do mês de janeiro de 2016 a publicação da coletânea “CONFLITOS CULTURAIS: COMO RESOLVER? COMO CONVIVER?”, assinada por mim, na condição de pesquisador-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, mas que tem a presença de mais de uma centena de pessoas, quer na condição de articulistas, coordenadores, prefaciadores, organizadores ou em outras atividades que a viabilizaram.

Disponibiliza na internet para acesso gratuito, no formato pdf, a coletânea com 931 páginas, pelo selo editorial do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais – IBDCult, é composta por 8 livros, resultantes dos artigos apresentados e defendidos durante o IV Encontro Internacional de Direitos Culturais, ocorrido na primeira semana de outubro de 2015, na UNIFOR, a saber: Direitos Autorais e Conexos; Patrimônio Cultural; Direito, Políticas, Economia e Fomento à Cultura; Direito e Cultura; Direitos Culturais e Transversalidades; Direitos Culturais e Constituição; Direitos Culturais, Memória e Verdade; e Conflitos Culturais.

Uma obra com tais números e características é quase inviável de ser resenhada em seu conteúdo, sendo possível e importante conhecer o processo determinante de seu surgimento, por ser o principal elemento de unidade, o que tentei fazer no prefácio que para ela elaborei e que adiante, com algumas alterações, partilho com os leitores do Observatório da Diversidade Cultural – ODC, na esperança de que ele espelhe a cumplicidade que os ativistas da cultura e dos direitos culturais precisam fortalecer para unir forças em favor destes campos. Vamos a ele…

O NÚMERO 4 (QUATRO)

No âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais, vinculado ao Programa de Pós Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, vibramos muito quando, ainda nos primeiros momentos de 2015, antes mesmo de termos aprovado qualquer projeto de financiamento, decidimos realizar o IV EIDC – Encontro Internacional de Direitos Culturais. Resolvemos, num ato de quase rebeldia, não ficar reféns do dinheiro para realizar essa atividade que, com ele, poderia ser adequadamente desenvolvida, mas também poderia se concretizar com o uso alternativo de recursos tecnológicos e, principalmente, com a cumplicidade dos que resolveram abraçar a causa – trocadilho proposital – dos direitos que animam o Encontro.

Para entender a celebração prévia pela simples deliberação de realizar o IV EIDC, é preciso tornar pública a essência dos debates que tivemos para a realização dos dois anteriores, cujas dificuldades nos remetiam para pensar soluções como a bienalidade, a circulação por outras universidades e até a desistência, hipóteses que descartávamos ao lembrar da metáfora do parto natural, quando certas mães, no momento da dor que acompanha o ato de dar a luz, cogitam em não mais ter filhos, ideia que costuma sumir quando se deparam com o primeiro choro, o primeiro sorriso e, sobretudo com a compreensão de que seus rebentos representam, em grande parte, o significado principal de suas próprias existências. Detalhar como esta comparação se adequa aos encontros de amigos e colegas, aos debates nos Simpósios Temáticos, às palestras, aos vídeos e entrevistas, às publicações de anais, livros e revistas, seria subestimar a inteligência do leitor.

Mas qual a razão de nos comportamos tão decididamente dessa vez? Minha hipótese é, simplesmente, porque se trata do número 4, da quarta edição. E, para sustentá-la, recorro de maneira matricial à numerologia, tal qual o fez Rousseau, em seu vitorioso Discurso sobre as Ciências e as Artes, sustentando que “L’astronomie est née de la superstition; l’éloquence de l’ambition, de la haine, de la flatterie, du mensonge; la géométrie de l’avarice; la physique d’une vaine curiosité; toutes, et la morale même, de l’orgueil humain” (1992, p. 41) ou, em claro português, “Astronomia nasceu da superstição; a eloquência de ambição, do ódio, da bajulação, da mentira; a geometria da avareza; a física da vã curiosidade; tudo, e até mesmo a moralidade, do orgulho humano”.

A numerologia, como se vê, não aparece na lista roussoniana dos campos artísticos e científicos nascidos dos nossos defeitos, mas dela poderia ser dito que se origina, qual a astronomia, de nossas superstições; porém, como todas as outras, porta mais exatidão e saber comprovável do que podemos supor. Ao chamar as atenções para elementos naturais e culturais, por assim dizer, quadripresentes em nossas vidas, como os Evangelhos, as estações e os elementos da natureza e, ainda, os pontos cardeais, mais que uma louvação do ícone representativo do número 4, aponta para integralização de ciclos – não círculos – que permitem a visualização de distintas óticas, diversificados cenários e múltiplas composições e localizações. Em termos filosóficos, é algo que remete a Empédocles, elaborador de uma teoria assaz sólida por aproximadamente 2000 anos e que, ademais, constatava na natureza a inexorável coexistência de “conjuntos de contrários: úmido e seco, quente e frio” (RUSSEL, 2015, p. 38).

A ideia pluralista e de contrastes, aliás, percorre a vida deste evento de direitos culturais: o nº 1, por sua natureza fundante, buscou entender, por distintas óticas, o que eles são; o nº 2, em referência aos 25 anos da Constituição Cidadã, investigou suas matrizes no plano constitucional e da cidadania; o nº 3, por causa dos 50 anos do Golpe Militar, intentou explicitar o papel que têm relativamente à memória e à verdade. O que caberia ao nº 4?

A realidade do momento, como das vezes anteriores, foi a guia da decisão: no plano local, a Cidade de Fortaleza se dividia para proteger ou destruir um logradouro público, a Praça Portugal, situada na linha demarcatória da feição mais antiga e da mais contemporânea da urbe; no cenário nacional, tumultuados debates como o relativo à democratização e controle das estruturas responsáveis pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais; na esfera mundial, o traumático despertar de 2015 com a saraivada bélica que ceifou a vida de muitos dos que compunham o jornal satírico francês Cherlie-Hebdo, episódio em que se confrontaram metralhadoras contra canetas, numa caricaturada e trágica representação dos conflitos culturais.

O tema estava posto e com ele ambicionávamos evidenciar a contribuição que os direitos culturais poderiam dar para a solução dos conflitos desta natureza. Todavia, já os primeiros debates que travamos evidenciaram a insuficiência e até mesmo a inadequação de outorgar ao mundo jurídico, isoladamente, tão grave missão, porque compreendemos que apenas parte de tais embates, mormente quando envolvem interesses individualizáveis, podem ter solução por meio de um decisum estatal; outro quinhão é solucionável pelo aprendizado da convivência entre os diferentes, como no contato de distintas culturas; e há ainda uma fatia cuja solução sequer é desejável, a exemplo dos conflitos que resultam da chamada contracultura, que no seio de cada cultura desempenham um papel semelhante ao do aerador posto em águas mansas, que as torna de algum modo revoltas, mas em compensação lhes garantem o gás vital.

Esses elementos e ponderações levaram ao tema “Conflitos Culturais: Como resolver? Como conviver?”, para o qual todos foram chamados e muitos compareceram com as reflexões que dão vida às mais de 900 páginas que seguem, nas quais são abordados os conflitos que ocorrem em âmbitos como o dos direitos autorais e conexos, do patrimônio cultural, das políticas culturais e de fomento à cultura, do direito, arte e cultura, dos direitos culturais e suas transversalidades, do direito com a economia da cultura, dos direitos culturais na sua dimensão constitucional e nas suas conexões com as ideias de memória e verdade.

A análise da importância e do valor de tão vasto conteúdo já recebeu o referendo das academias que o credenciaram, mas indubitavelmente somente se completa com a utilização que a sociedade pode dele fazer, razão pela qual fica de pronto disponibilizado o que, em aparente contradição, não nos dá a sensação de dever cumprido, porque essa atividade científica e de consolidação dos direitos culturais tem natureza contínua e, por isso, autoriza tranquilamente a utilização dos verbos no satanizado gerúndio.

Todavia, para que não fique sensação de rotina mecânica e volteios circulares, a realização do IV EIDC nos fez completar ciclos e conhecer coisas semelhantes a revelações, ao ar, ao rumo norte e à primavera, nos dando mais maturidade e elementos científicos e poéticos para lidar com os novos desafios que virão.

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REFERÊNCIAS

ROUSSEAU, J-J. Discours sur l’Origine et les Foudements de l’Inégalité parmi les Homme – Discur sur les Science et les Arts; présentation par Jacques Roger. Paris: GF Flammarion, 1992.

RUSSEL, B. História do Pensamento Ocidental.  Tradução de Laura Alves e Aurélio Rebello. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

[1] Professor do PPG-Direito da UNIFOR. Presidente do IV EIDC.

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