INFORMAÇÃO

A integração da Diversidade Cultural ao conceito de desenvolvimento do Estado brasileiro e sua importância para as políticas públicas locais

Kátia Costa¹

Nos últimos treze anos, são notórios os avanços alcançados no Brasil a partir de uma nova concepção de Estado. Essa nova visão buscou conciliar desenvolvimento econômico e inclusão social, tendo o Estado assumido a responsabilidade de implantar políticas públicas que aliassem distribuição de renda com a redução das desigualdades e universalização de direitos.

Esse projeto de governo possibilitou a superação de alguns entraves que antes não tinham sido enfrentados, a exemplo da retomada do crescimento econômico e do extraordinário processo de distribuição de renda, mesmo no cenário adverso, que a partir de 2008 afeta substancialmente as grandes economias mundiais. Isto é relevante quando consideramos o pressuposto de que a melhoria das condições de vida de uma sociedade estimula um maior protagonismo desta no contexto social e econômico e nos processos políticos.

Neste contexto, a cultura se apresenta como um ativo importante, pois as diferenças regionais e as realidades locais sugerem diferenciadas formas de aplicação de políticas públicas e requerem uma atenção singular aos modos de ser representados pelos grupos e comunidades que habitam cada região, cada estado, cada localidade. A cultura, sem sombra de dúvidas, é um eixo central para a construção de um novo modelo de desenvolvimento que leve em conta essa diversidade.

O mundo contemporâneo se mantém pelas disputas econômicas e políticas, no entanto a dominação cultural continua a ser um elemento central na conquista de territórios. A Diversidade Cultural se apresenta como o pilar de uma cultura e carrega signos que modelam novas formas de produção, com base na criatividade, na inovação e na tradição. Relacionar essa tríade, a partir de um conceito de desenvolvimento, é olhar para a cultura de outra forma e descobrir que ela, associada a outras políticas, pode contribuir para um mundo mais diverso e mais inclusivo.

A partir da segunda guerra mundial, organismos multilaterais, como a Unesco, vêm empreendendo esforços para a promoção da diversidade cultural, por compreender que a cultura é um fator determinante para a superação de conflitos e pode ser um diferencial na construção de uma nova ordem mundial. É a partir daí que a Convenção da Proteção e Promoção da Diversidade Cultural estimula os Estados-membros a implantarem políticas públicas que considerem como essencial a compreensão acerca dos distintos contextos que compõem os seus territórios e suas políticas, visto que a diversidade se apresenta como um projeto político em execução.

O Brasil, ao promover políticas públicas para a diversidade cultural, optou pela adequação do conceito de cultura, o qual compreende as formas de produzir, de viver e de enxergar o mundo. Sendo assim, as primeiras ações foram dirigidas aos grupos e comunidades historicamente excluídas. Um destaque da Política Pública Nacional de Cultura foi o Programa Cultura Viva, com ênfase para os Pontos de Cultura, que possibilitou, dentre outras coisas, um maior protagonismo desses grupos e comunidades, que ganham visibilidade e relevância cultural e política num contexto nacional e internacional, sendo adotado por outros países da América Latina e tornando-se referência, como um projeto que promove o empoderamento cultural.

Como em qualquer país de base capitalista, o Brasil enfrenta momentos de intensos embates, resultados do acirramento da luta de classes, embates esses que promovem importantes tensões de ordem política, econômica e social e que incidem fortemente nos processos de transformação ocorridos no Brasil durante esse período, tendo em vista a democratização do capitalismo brasileiro.

Há, entretanto, um esforço permanente do Ministério da Cultura e órgãos estaduais e municipais em posicionar o tema cultura nas discussões sobre as políticas públicas, com ênfase para a preocupação de que o conjunto dessas políticas sejam implementadas de forma integrada, em especial nos municípios brasileiros, que apresentam contextos tão diferenciados, sejam históricos, geográficos ou culturais. Esse esforço se dá paralelamente ao processo de consolidação do Sistema Nacional de Cultura a partir da constituição de um planejamento público para o setor cultural baseado na formulação de uma plano setorial de desenvolvimento para a cultura.

Essa nova configuração propõe, dentre outras coisas, a constituição de sistemas estaduais e municipais de cultura, os quais precisam ter como base estrutural elementos que darão sustentação a política nacional de cultura, destacando sobremaneira os conselhos de política cultural, os fundos e os planos de cultura. Mas, de fato o que isso tem a ver com o novo modelo de desenvolvimento? Que desafios o setor cultural assume, vez que a cultura ainda não se consolida dentro do modelo de desenvolvimento atual como um setor economicamente produtivo?

Essa realidade vem sendo transformada, principalmente pelo fato de que há um olhar ampliado sobre a diversidade cultural, o qual, na administração pública, se materializa através da articulação transversal que o MinC vem implantando. Assim, setores como educação, trabalho e renda e desenvolvimento agrário passam a buscar relações mais estreitas com o campo da cultura, tudo isso impulsionado pelo ministério, com destaque para o trabalho realizado pela Secretaria da Economia Criativa e pelos esforços com vistas a uma maior articulação com os demais ministérios.

No âmbito dos municípios, desde 2011, o MinC, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, vem aportando uma metodologia de elaboração de planos municipais de cultura, que são entendidos como peça fundamental para o planejamento público da cultura local. Esses planos objetivam orientar a implantação de ações públicas construídas de forma participativa, que também possam efetivar políticas que superem os desafios para o desenvolvimento cultural e humano.

De acordo com a Agenda 21 da Cultura e a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural, é preciso olhar de forma atenta as políticas no contexto dos governos locais e compreender que os conceitos de desenvolvimento e de mercado, adotados pelo sistema globalizado não estão alinhados com as realidades locais. Contudo, estas possuem capacidade de desenvolvimento intrinsecamente relacionada às suas práticas locais, que, por sua vez, abarcam sentidos e engrenagens que nos levam a entender outras formas de desenvolvimento, baseando-se nas identidades locais, suas formas de expressão e de produção, apostando nas suas formas de organização e gestão.

Contudo isso não é coisa fácil. Várias são as interferências que atingem esse projeto local de planejamento, sem falar que a diversidade cultural é severamente atacada, especialmente pela preocupação, por determinados grupos de poder, com a manutenção do seu status quo. São ações conservadoras que podem inibir o potencial de desenvolvimento que se apresenta com a diversidade cultural de nossa sociedade.

Um dos fatos que vem ocorrendo no âmbito da elaboração dos planos municipais de cultura são alguns movimentos de resistência, inclusive capitaneados por alguns segmentos da sociedade e no âmbito dos legislativos municipais em relação ao tema da diversidade cultural. Como esse conceito propõe maior compreensão sobre as questões relacionadas aos direitos difusos, os quais envolvem questões de gênero, sexualidades e de respeito a liberdade religiosa, surgem, no decorrer desse processo, condutas conservadoras que afetam a livre expressão dos diversos grupos existentes.

Durante o processo de construção de planos municipais de cultura, foram identificadas certas resistências quanto a assimilação e reprodução do conceito de diversidade cultural, principalmente por ela abarcar formas e sentidos expressos por diferentes grupos da sociedade, incluindo aqueles secularmente discriminados e excluídos. As práticas identificadas são, na verdade, resultados do processo de práticas coloniais, que ainda se mantêm vivas nas dinâmicas contemporâneas.

Em função de promover maior compreensão sobre a importância da diversidade cultural, vale destacar esforços e estratégias ocorridos nos municípios com o objetivo de tornar esse processo o mais participativo possível, apoiado por consultoria da Universidade Federal da Bahia – UFBA e através de uma agenda de eventos que promovem diálogos entre os atores e agentes locais, com a participação de pesquisadores e estudiosos do tema, para que o diálogo não fique apenas no âmbito dos interesses de grupos ou segmentos locais, mas que este processo seja fortemente construído a partir da ampliação e aprofundamento do debate sobre a cultura e a diversidade cultural. Sendo assim, os Planos de Cultura podem tornar-se instrumentos legítimos, que seguramente contribuirão para a garantia dos direitos e a cidadania cultural, tornando-se alavancas para esse novo modelo de desenvolvimento pretendido, caso contrário, a ideia de um novo modelo de desenvolvimento pode ser fortemente impactado pelo pensamento colonial, neoliberal e antidemocrático.

1 – Mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do Observatório da Diversidade Cultural. Analista Técnica do Projeto de Elaboração de Planos Municipais de Cultura em Ambiente de Aprendizagem à Distância, do Ministério da Cultura, coordenado pela Escola de Administração da UFBA.

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