Freepik

NOTÍCIAS

Ações afirmativas: por que o sistema de cotas deve chegar à pós-graduação

A revogação, em 18 de junho deste ano, da Portaria no. 13, de 11 de maio de 2016, que estabelece a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação, jogou luz sobre a importância das ações afirmativas para correção das condições de desigualdade social no país. A portaria editada no governo Dilma Roussef (PT) prevê que universidades federais criem reservas de vagas para esses públicos em programas de mestrados e doutorados, mas não determina percentuais de reserva e sanções em caso de descumprimento.

A revogação da portaria foi o último ato do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, exonerado do cargo no dia 20 de junho. Em 23 de junho, a Portaria foi retomada pelo MEC, frente a contestações de partidos políticos e organizações ligadas ao movimento negro que chamaram a atenção para o retrocesso da medida, em defesa da centralidade das políticas afirmativas como eixo do processo de transformação social.

As ações afirmativas alocam recursos para programas destinados a grupos sociais afetados pela desigualdade étnico-racial e socioeconômica. De acordo com uma pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (GEMAA) que analisou 49 políticas criadas de 2002 ao início de 2017, mais da metade delas decorrem de iniciativas dos programas de pós-graduação, enquanto as demais advêm de leis estaduais ou resoluções de conselhos universitários, válidas para todos os cursos de pós-graduação de uma determinada universidade.

Ainda segundo a pesquisa que resultou em infográfico com as principais  informações sobre as políticas afirmativas na pós-graduação de universidades públicas brasileiras, no que se refere ao sistema de reserva de vagas, predomina, em 73,47% dos programas, a aplicação exclusiva do sistema de cotas, enquanto outros programas oferecem vagas adicionais exclusivamente para pessoas pertencentes a determinados grupos; estabelecem cotas para um determinado grupo e vagas adicionais para outros grupos de beneficiários; ou criam vagas adicionais para determinados grupos submetidos a processos seletivos separados e com regras distinta.

Em relação às categorias de beneficiários, os alunos pretos são os principais alvos das políticas afirmativas em nível de pós-graduação, totalizando 46 das 49 iniciativas analisadas, o que difere das políticas voltadas aos cursos de graduação que têm como principais alvos alunos vindos da rede pública de ensino. Os alunos pardos e os alunos indígenas são contemplados em 44 das iniciativas, seguidos dos estudantes com deficiência (19 iniciativas). Outros grupos de beneficiários são estudantes de baixa renda, quilombolas e pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis).

No nível da graduação, a Lei nº 12.711/2012 que estabelece o sistema de cotas garante  a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia, a alunos vindos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação cresceu de 2,2% em 2000, para 9,3% em 2017. Comparativamente, entre a população branca, a proporção é de 22%, mais do que o dobro dos brancos diplomados em 2000, quando o índice era de 9,3%.

Outro aspecto importante é que denúncias de fraude nos processos seletivos da graduação levaram as universidades federais a aperfeiçoar o mecanismo de ingresso por reserva de vagas, baseado na auto declaração, com a implantação do sistema de heteroidentificação racial. Por meio do procedimento, a comunidade acadêmica representada em termos de gênero, raça e segmento profissional, confirma (ou não) a manifestação do candidato, com base na percepção social sobre a raça daquela pessoa.

Um dos principais desafios a serem enfrentados pelas políticas de ação afirmativa é a sub-representação dos grupos sociais, o que se expressa na baixa concorrência às vagas. A desigualdade de condições inicia-se na educação básica e prevalece durante o percurso acadêmico, na contramão da promoção da diversidade e democratização das universidades. A capacidade de permanência nos programas stricto sensu também precisa ser priorizada, levando-se em conta, entre outros fatores, os valores das bolsas de estudo, de forma a assegurar condições efetivas de realização dos cursos.

A discussão sobre o sistema de cotas destaca o papel indispensável das políticas públicas no combate à exclusão social, cultural e econômica, uma vez que o acesso desigual à educação leva à produção elitizada do conhecimento científico. O ODC conversou sobre o tema com os doutores em Educação, José Eustáquio de Brito (FAE/Uemg) pesquisador na área das dimensões do Trabalho, Educação e Relações Étnico-Raciais, e Isabel de Oliveira e Silva, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Educação Infantil da Universidade Federal de Minas Gerais, que participou do processo de implementação das Ações afirmativas na Pós-graduação na FAE/UFMG.

A seguir os pesquisadores analisam a importância e os desafios do sistema de cotas no Brasil, o papel das políticas de ações afirmativas, especialmente na pós-graduação stricto sensu, e as consequências do discurso de minimização do racismo para as atuais políticas públicas na educação.

José Eustáquio de Brito (FAE/Uemg): Doutor em Educação, pesquisador na área das dimensões do Trabalho, Educação e Relações Étnico-Raciais.

Isabel de Oliveira e Silva: Doutora em Educação e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Educação Infantil da Universidade Federal de Minas Gerais

Deixe aqui o seu comentario

Todos os campos devem ser preenchidos. Seu e-mail não será publicado.

ACONTECE

ODC Diálogos – 17 de Abril de 2024

No dia 17 de abril (quarta-feira), às 19 horas, acontecerá mais uma edição do ODC Diálogos. Motivado pelo número 100 do Boletim, o encontro tem como tema “Avanços e desafios para a política cultural no Brasil hoje”, e contará com a participação de Albino Rubim e Bernardo Mata Machado, sob mediação da pesquisadora do ODC, […]

CURSOS E OFICINAS

Oficina Mapeamento Participativo da Diversidade Cultural – Santa Luzia (MG)

O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, e com o patrocínio da Soluções Usiminas, e apoio do SESC Santa Luzia, realiza a oficina Mapeamento Participativo da Diversidade Cultural. A oficina Mapeamento Participativo da Diversidade Cultural tem como objetivo a formação de agentes culturais, estudantes, pesquisadores […]

Mais cursos