Esthela R.

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Entrevista: Wenderson Godoi

Foto: Esthela R. | Cedida por Wenderson Godoi

Neste mês, o ex-aluno entrevistado é o artista da dança, curador, gestor e produtor cultural, Wenderson Godoi. Pelo Observatório da Diversidade Cultural, os cursos dos quais ele participou foram: “Clínica de Projetos Culturais”, em 2005, “Iniciação à Gestão da Cultura com Ênfase em Diversidade”, em 2018, “Mapeamento da Diversidade Cultural” e “Curso de Aprofundamento em Gestão Cultural”, em 2019. Além disso, nesse mesmo ano, ele também participou das oficinas “Modos de Lembrar e Esquecer” e “Modos de Brincar e Lembrar – O Lúdico, a Memória e a Diversidade”. Todos ministrados na cidade de Ipatinga (MG).

Há mais de 20 anos, Wenderson atua na área da cultura no Vale do Aço, região metropolitana situada ao leste de Minas Gerais. Em Ipatinga, ele foi presidente do Conselho Municipal de Cultura, onde representou como membro efetivo a área da Dança de 2009 a 2011 e, novamente, de 2015 a 2017. Ainda no município, ele trabalhou na produção de eventos como o Encontro de Dança Contemporânea, o Encontro de Arte Negra e o Desvio Cultural.

Atualmente, Wenderson trabalha como produtor cultural do Hibridus Dança, companhia de dança contemporânea que ele ajudou a fundar em 2002. Ele é também diretor artístico do Encontro de Artes Cênicas de Ipatinga (Enartci), que acontece anualmente, mobilizando grupos de artistas, produtores e gestores para promover a cultura nas regiões dos Vales do Aço e do Jequitinhonha, em Minas Gerais. 

Desde 2019, Wenderson representa o segmento da Dança no Conselho Estadual de Política Cultural (Consec) de Minas Gerais. Formado por 11 representantes da sociedade civil e 11 do poder público, o órgão tem como principal objetivo acompanhar a elaboração e implantação das políticas públicas do estado para a área da cultura.

ODC – Conte-nos sobre sua experiência no curso do Observatório da Diversidade Cultural. Que impacto ele teve na sua formação?

Wenderson – Acompanho o Observatório da Diversidade Cultural com José Marcio Barros e José Junior há tempos. Lembro-me de um curso de capacitação em desenvolvimento e gestão da cultura na região do Vale do Aço do projeto Clínica de Projetos Culturais, datado de 2005.

Penso que o curso vai além de proporcionar a formação dos gestores culturais da região. Ele nos exercita a olhar o que estamos fazendo, gerando conhecimento crítico, nos possibilitando o fortalecimento de redes de produção de informação e a troca de conhecimento entre os participantes. Com certeza o ODC impactou muito na minha formação enquanto gestor cultural no município, principalmente me dando qualificação de participação na construção da política pública de cultura na região.

ODC – O Hibridus Dança já produziu diversos espetáculos em que os artistas performam, muitas vezes, uma arte de protesto, levando aos palcos diversas críticas sociais. Que importância você vê nesse tipo de arte? Na sua opinião, a arte crítica ganha maior relevância diante do cenário de crise – não somente no sistema de saúde, mas também política – que o Brasil vive atualmente?

Wenderson –  O Hibridus Dança, bem como boa parte dos grupos de teatro e dança do Brasil, é uma espécie de associação entre iguais, sem hierarquia pré-determinada, marcada por razoável autonomia de ação por parte de seus integrantes, algo bem próximo de uma comunidade. Um amigo que já não está mais entre nós, nosso querido e eterno Marcelo Castilho Avellar, dizia que o Hibridus usava a dança para cometer atentados culturais, que a base técnica da atuação de nossos integrantes pode ser as aulas de dança, mas inclui também outros treinamentos corporais e intelectuais. Quando investigamos em espetáculos, as linguagens da dança estão presentes, mas interagem com outros códigos como a performance, a exemplo dos casos das intervenções urbanas “Travessia”, “Carne e Pedra”, “Corpo-cidade: território de relações” e “Corpo-Espaço-Cidade”. Todas, de alguma forma, se dedicam a transformar os significados dos lugares públicos onde o grupo realiza a sua dança, indicando que, muitas das vezes, os significados se fazem. Não são dados prontos, nem fixos e independentes de seus usos e práticas, mas fluxos. Acreditamos sim em uma arte crítica. Não dá pra dançar uma dança dos sonhos no momento de crise que vivemos no Brasil atualmente; a dança, a arte têm que ser críticas.

ODC – Neste ano, em razão da pandemia do novo coronavírus, a 14° edição do Encontro de Artes Cênicas de Ipatinga (Enartci) foi realizada inteiramente de forma online, através da publicação de vídeos no canal do YouTube do Hibridus Dança. Como foi o processo de adaptação do Enartci para o meio digital? O público alcançado e o engajamento dos artistas tiveram a mesma proporção das edições realizadas de forma presencial?

Wenderson – Tecnicamente “Enartci” seria a sigla de Encontro de Artes Cênicas de Ipatinga, mas, em razão das condições de sustentabilidade, ele se voltou quase que exclusivamente à dança. A tal sigla acabou virando nome próprio. A 14ª edição demonstra a consolidação de um novo espaço conceitual que vem atraindo as tribos da dança contemporânea. Mais do que um festival, esse espaço pretende ser movimento. Se suas atividades mais evidentes se concentram em poucos dias (daí a ideia de festival, evento), elas começam antes desse período e se ramificam para além dele. Ele apresenta espetáculos e performances, mas esse não é o elemento nuclear. Pode conter oficinas, mas essas também constituem algo acessório. No centro desse espaço está a ideia de encontro. O objetivo é juntar artistas e grupos cujas inquietações mostram parentesco, permitindo-lhes trocar ideias, práticas, e por aí vai.

Em virtude da pandemia da COVID-19, que assola o país e o mundo, e com a orientação do isolamento social para reduzir o contágio, na 14ª edição do Enartci lançamos uma convocatória para profissionais do setor cultural da região do Vale do Aço e Vale do Jequitinhonha para oferecerem atividades artístico-culturais online a adultos e crianças, entre os meses de abril e novembro de 2020, mediante pagamento de prêmio para cada artista. Neste momento, o projeto volta seu olhar de forma mais urgente aos artistas dos Vales do Aço e Jequitinhonha, já que a maioria se encontra, por razões óbvias ligadas ao isolamento social, sem condições formais de trabalho.

Assim, o Hibridus contribui para que novas oportunidades de monetização aconteçam neste momento de dificuldades impostas pela crise sanitária mundial e para que circulem mais ofertas de qualidade para a ampliação do conhecimento. O cancelamento de atividades presenciais, embora necessário, afeta o setor cultural, por isso, a ação objetiva contribuir fomentando a produção e a difusão artística por outros meios e formatos que se adaptem às atuais condições. Sabemos que é pouco, mas é a contribuição do Hibridus e do Enartci em um momento tão difícil. A cultura não pode ser entendida só como diversão. Ela não somente contribui para a renda, como também é cada vez mais decisiva para potencializar a inovação nos países.

ODC – Como membro do Consec, quais caminhos você enxerga para o desenvolvimento e a melhora das políticas públicas culturais do estado, especialmente no segmento da dança?

Como membro do Consec, penso que o único caminho possível para o desenvolvimento e melhoria das políticas públicas culturais, não só no estado, mas também no Brasil, é a participação popular da sociedade civil junto ao Estado, principalmente o segmento da dança. A dança historicamente não usava a fala e nesse sentido ficou muito silenciada ao longo dos anos, mas sinto que ultimamente tem se apoderado do movimento para participar das articulações de políticas públicas para a coletividade. Minas Gerais é um estado destaque no que diz respeito à dança e dos movimentos culturais, temos visto isso com a aplicação da Lei Aldir Blanc por aqui. Faço parte do Consec no biênio 2019-2020 e sou testemunha disso. Por votação, acabei de ser reconduzido juntamente com outros quatro integrantes do Consec para o biênio 2020-2022, agora como titular da cadeira de dança. Enfatizo aqui a importância da mobilização do setor. Ainda é muito incipiente a participação dos integrantes da dança nas instituições públicas, como os conselhos, por exemplo. É preciso que quem atue nessa área se interesse mais pelas políticas públicas voltadas ao setor. Ainda precisamos caminhar muito com as políticas públicas para a dança, penso que falta um mapeamento, um levantamento que mostre um panorama do setor, para que, com esses dados, se possa ter uma visão mais acertada e, a partir daí, construir políticas públicas mais concretas de acordo com a realidade.

ODC – A partir de sua experiência como presidente do Conselho Municipal de Cultura de Ipatinga, como você avalia a articulação entre artistas, gestores e produtores culturais no município?

Fui presidente do Conselho Municipal de Política Cultural de Ipatinga por dois mandatos e participei de outros dois, assim como milito na área da cultura em Ipatinga, desde 1995. Inclusive, quando ainda não se falava em plano municipal de cultura no país, criamos com a colaboração de Rômulo Avellar o primeiro plano municipal de cultura de Ipatinga, em 1999. De lá pra cá sinto que a articulação entre artistas, gestores e produtores culturais no município passou por um processo de maturação muito grande. Estamos mais engajados sobre o nosso papel na construção de uma política cultural no município e isso se deve há inúmeros projetos e ações como Circuito Telemig Celular de Cultura, a presença sempre atuante do Instituto Usiminas e, claro, as inúmeras iniciativas do Observatório da Diversidade que tantas vezes esteve por aqui.

 

ODC – No Vale do Aço, de modo geral, quais são os pontos mais fortes e os mais fracos no âmbito da cultura? Você percebe uma evolução do setor ao longo dos anos?

No Vale do Aço, de modo geral, os pontos fortes são: muitos dos grupos e agentes culturais se encontram razoavelmente estruturados, muitos inclusive com seus espaços. As relações entre eles são bastante positivas e muitos conseguem realizar parcerias entre suas atividades culturais. Ao longo de sua trajetória, muitos deles desenvolveram habilidades para captação de recursos e articulação de parcerias. É forte a credibilidade de parte deles, inclusive do Hibridus, construída junto à Usiminas, principal patrocinadora na cidade.

Com relação aos pontos fracos, penso que falta nas estruturas organizacionais dos grupos e da administração pública no setor cultural alguns profissionais para desempenho de funções específicas, como produtores, captadores e até mesmo gestores públicos de competência. O crescimento da demanda burocrática dos meios de leis de incentivos e editais vem deixando o trabalho artístico dos grupos em segundo plano, o que coloca em risco, a meu ver, o futuro artístico na região. Os grupos, em sua maioria, não possuem um programa consistente e sistemático para o aperfeiçoamento de seus integrantes, e o poder público não oferece isso a eles. Os grupos da região ainda realizam poucas apresentações de seus espetáculos, inclusive o Hibridus e, em sua maioria, vêm enfrentando dificuldades para a ampliação da base de público.

Além disso, muitos dos agentes culturais da cidade não são remunerados de maneira satisfatória. Há uma dependência excessiva da Lei Estadual de Incentivo, o que fez com que muitos grupos acabassem na última década. Por se tratar de uma cidade industrial do interior, há um número limitado de pessoas que frequentam os eventos culturais habitualmente, fato que sugere a necessidade de busca por outros públicos fora da região, além do aumento significativo das exigências legais e burocráticas sobre o setor cultural, a exemplo disso o último edital da Secult intitulado “Arte Salva” em que poucos da região conseguiram ser contemplados.

ODC – Como você avalia a implantação do Programa Arte Salva, que visa apoiar artistas, produtores e empreendedores culturais durante a pandemia da COVID-19 no estado de MG?

Costumo falar que virou bordão, mas fomos os primeiros a parar e, com certeza, seremos os últimos a voltar. O Edital Arte Salva publicado pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais chegou tarde, no final de maio, com tanta burocracia e ainda não se tem previsão de quando, de fato, o recurso irá chegar aos selecionados.

Avalio que a implantação do Programa Arte Salva, se rendeu ao grande problema do não entendimento do Estado em saber o que é “emergência”, a área cultural parada há quase seis meses sem poder trabalhar, sem poder tocar nos barzinhos, sem poder dar aulas de dança, teatro e espaços culturais se viram desamparados, e o Arte Salva é o que de fato salvaria, mas em função da burocracia, os 1.315 projetos disponibilizados no valor de R$ 1.900,00 viraram apenas 722 inscritos num Estado com 853 municípios. Penso que uma plataforma super complexa, um formulário burocrático, vários anexos, várias certidões atrapalharam o processo, impedindo quem de fato tinha necessidade a ter acesso ao recurso disponibilizado.

ODC – A Lei de Emergência Cultural ainda não distribuiu seus benefícios a quem efetivamente precisa. Na sua opinião, a causa é a burocracia excessiva ou a falta de organização do setor cultural?

Não tenho dúvidas que a causa do recurso da Lei de Emergência Cultural (14.017/2020), conhecida como Lei Aldir Blanc ainda não ter chegado de fato em quem precisa é a burocracia do Estado. O Governo demorou mais de 50 dias para publicar uma regulamentação que muito amarra todo o processo. Nossa preocupação é o recurso de fato chegar à ponta, pois temos muitos artistas que estão à espera do recurso como única salvação em tempos de pandemia, tendo em vista que todos os espaços culturais se encontram fechados desde março sem previsão para reabertura. Afinal de contas, quem tem fome tem pressa. 

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