INFORMAÇÃO

Por uma gestão (do) cultural

Lucila Amatista cópia

Sérgio de Azevedo [1]

Numa perspectiva contemporânea, a gestão cultural, compreendida como um meio e não como um fim em si mesma, pode ir além das já conhecidas competências administrativas e de planejamento. Decorre, assim, uma ideia que fica mais bem explicitada quando pensamos em uma “Gestão do Cultural” (por meio da qual se explicita que o cultural seja o elemento definidor da Gestão).

Partindo de ideias que percorrem diversas publicações de Alfons Martinell, diretor da Cátedra UNESCO de Políticas Culturais da Universidade de Girona, é possível afirmar que, para empreender a viagem da cultura, a Gestão Cultural implica algumas formas de atuação. A primeira delas: respeitar os processos sociais.  Significa criar vínculos do fato cultural com os processos do entorno e com a história circunstancial, contextualizando as especificidades da arte e da cultura em relação às outras esferas da sociedade, destacando o papel propulsor para o desenvolvimento humano que podem ter. Em matemática, o lugar comumente ocupado pela Gestão seria expresso como um “conjunto interseção” – área que pertence, simultaneamente, a dois ou mais conjuntos outros. É nessa zona de interseção, área de complexidade em que se articulam intercâmbios entre diversas esferas da sociedade, que reside a diversidade cultural. Espera-se que a Gestão, de fato, entenda, analise e atue conforme as características desse campo híbrido, com especial atenção às especificidades de seu contexto.

O campo da gestão e das políticas culturais, por sua morfologia própria e características multidisciplinares, incorpora, utiliza e adapta conhecimentos e aportes de outros campos do conhecimento, os quais podem adquirir definições e matizes próprios (Martinell; López, 2007, p. 13).

Para a Gestão, compreender as demandas e valorizar a criação artística representa uma segunda esfera de atuação. O que indica que a Gestão deva ser realizada por um profissional qualificado que não necessariamente seja um artista, mas preferencialmente por alguém com a capacidade de dialogar, criar canais de interlocução e que se proponha a ter uma postura “sensível” diante dos fenômenos artístico-culturais. Essa exigência refuta a ideia, infelizmente nada incomum, de que qualquer um pode gerir cultura. Aliás, muitas desastrosas ações realizadas no campo Cultural se devem ao fato de serem conduzidas por pessoas que nada compreendem de sua dinâmica.

No setor cultural, a gestão significa uma sensibilidade de compreensão, análise e respeito pelos processos sociais nos quais a Cultura mantém sinergias importantes. A diferença entre a gestão genérica de qualquer setor produtivo é a capacidade necessária para entender os processos criativos e estabelecer relações de cooperação com a diversidade artística e expressiva (Martinell, 2001, p. 12).

A terceira esfera: mediar públicos. Há que se destacar que a zona de interseção na qual está inserida configura-se, quase sempre, como áreas de conflito. “A Gestão Cultural é um campo […] que se inicia já sob a ótica da contradição, que traz em si uma tensão inerente à sua atividade” (Cunha, 2007, p. 124). A Gestão mediará demandas de diversos públicos (quem ainda não tem acesso, usuários de cultura, artistas e muitos outros), empresas privadas, órgãos públicos, organizações não governamentais e espaços culturais. O papel dessa mediação, mais do que simplesmente levar e trazer demandas, é aproximar as diferentes visões para construir ações conjuntas, firmando um compromisso com a realidade de seu contexto sociocultural, artístico, político e econômico. Essa mediação pressupõe, também, valorizar o que é intangível, ou seja, tornar visível o que é invisível para que a sociedade, como um todo, possa apreciar a cultura como algo que pertence a todos.

Quarta esfera: cabe à Gestão elaborar um discurso propositivo e construtor de novos espaços de aproximação e desenvolvimento, pautando-se por uma sensibilidade e valorização da diversidade expressiva. Pretende oferecer, portanto, possibilidades para que o cidadão tenha acesso e possa escolher aquelas que melhor atendem aos seus desejos.

Por fim, perscrutar o sistema administrativo e burocrático no qual está inserida para localizar brechas, fissuras por meios das quais proponha soluções criativas para viabilizar fatos culturais e, por meio da cooperação, envolver os âmbitos do poder público, iniciativa privada e sociedade civil. Não há receitas, não há formas predeterminadas. Cabe, também à Gestão, inventar os seus próprios fins – buscar soluções que muitas vezes exijam riscos (o que é mais desejável do que simplesmente buscar/gerir fórmulas prontas).

Por fim, compete à Gestão do cultural elaborar um discurso menos reativo e mais propositivo, o qual compreenda o cidadão como construtor da cultura. Teixeira Coelho (2008) enfatiza que o papel do gestor é fazer a viagem da cultura e não a viagem da gestão cultural. Para empreender essa viagem são fundamentais: a sensibilidade diante dos processos criativos, a preservação das condições que possibilitam a existência de um fato cultural, a capacidade de mediar e contextualizar e, por fim, o envolvimento com os processos artísticos.

Referências:

CUNHA, Maria Helena. Gestão Cultural: profissão em formação. Belo Horizonte: Duo Editorial, 2007.

MARTINELL, Alfons. LÓPEZ, Taína. Políticas culturales y gestión cultural: Organum sobre los conceptos clave de la prática professional. Girona: Documenta Universitaria, 2007.

MARTINELL, Alfons. La gestión cultural: singularidad profesional y perspectivas de futuro. Unidad Virtual de Información Cultural da Biblioteca Centro Cultural de España. 2001.  <Disponível em http://www.agetec.org/agetec/descarga/AMartinell.pdf>.  Acesso 09.nov.2015.

TEIXEIRA COELHO. A cultura e seu contrário. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural. 2008.

[1] Artista-gestor-educador. Doutorando da Faculdade de Educação da Unicamp. Professor na Escola de Teatro da Fundação das Artes. Docente na Faculdade de Artes da FAAP-SP. Integrante do Laborarte (Laboratório de Pesquisa em arte, cultura, educação e políticas culturais da Unicamp/SP) e do grupo de pesquisa Observatório da Diversidade Cultural.

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