ENTREVISTAS

Redes sociais: criatividade ou fast food midiático? – Eduardo de Jesus

“Não sou assim tão otimista em relação a ver as redes sociais mediadas como um lugar de diversidade cultural. Na trama comunicacional contemporânea se entrelaçam os sistemas massivos e os pós-massivos, um se referindo ao outro, um sendo fagocitado pelo outro, perdendo um pouco a dimensão política”. A afirmação do professor da PUC Minas, Eduardo de Jesus, repercute a estreita relação entre comunicação contemporânea e conteúdos culturais, debatida durante a VI edição do Seminário Diversidade Cultural, em maio de 2011. À mesa da qual participou cabia refletir sobre o uso desses espaços midiáticos para movimentos criativos ou, por outro lado, até que ponto se caracteriza pela oferta de um “fast food midiático”, marcado pelos mesmos sistemas de alienação comumente atribuídos à lógica comunicacional massiva. Fica a pergunta: em que medida a apropriação das redes sociais vem criando experiências relacionadas ao viver junto, no mundo atual, ou os usos das redes têm servido à visibilidade de uma “diversidade politicamente correta”?

ODC – Segundo o sociólogo Manoel Castells, o espaço social do nosso mundo é um “lugar híbrido, construído na interface entre a experiência direta e a mediada pela comunicação e, sobretudo, pela comunicação na internet”. De que forma o desempenho das tecnologias da comunicação, no contexto da rede intermidiática contemporânea, pode potencializar a organização em rede, entendida como espaço de diversidade cultural?

Eduardo de Jesus – A rede pode potencializar uma certa organização social, no entanto, acho que não vale a pena superstimar essa possibilidade. Nos atuais embates políticos no Oriente Médio muito se falou do papel das redes nessas manifestações. Certamente, alcançou-se uma visibilidade maior e uma abrangência, no entanto, a gestação desses movimentos já estava em curso. A formação em rede pode trazer questões políticas e efetivamente criar um espaço de diversidade cultural, mas não acho que isso funcione assim de forma mágica, como proclamaram alguns teóricos da primeira onda. Não vejo uma tecnodemocracia. Vejo os políticos entrando nesses espaços, como diria Beatriz Sarlo (crítica cultural argentina), num movimento “twitter-Obama”, mas, para a maioria (com excessão de Obama que tinha a melhor equipe de mídias digitais em sua campanha), a presença nesses espaços ainda é um espécie de obrigação e, por isso, torna-se desastrosa e com resquícios de formas de comunicação e políticas muito tradicionais.

Concordo com a proposição de Castells, mas, ao mesmo tempo, acredito que exista uma tensão nas redes sociais que podem criar um espécie de individualismo em rede, especialmente, quando vemos uma celebração do “eu” em redes sociais mediadas como o Facebook. Como diria Shakespeare: muito barulho, por nada. Existe uma enorme tagarelice digital nas redes sociais enfatizando, talvez, os mesmos sistemas de alienação existentes anteriormente, como afirmou Guattari. Uma saída talvez seja a interpassividade. Não sou assim tão otimista em relação a ver as redes sociais mediadas como um lugar de diversidade cultural. Na trama comunicacional contemporânea se entrelaçam os sistemas massivos e os pós-massivos, um se referindo ao outro, um sendo fagocitado pelo outro perdendo um pouco a dimensão política. Às vezes prefiro o Hatebook do que a celebração excessivamente feliz do Facebook e seu impossível “I like”. Nesse universo, confesso que vejo apenas ( e ainda, pode ser que tudo mude) uma forma social desgastada, típica da classe média culpada, que não consegue gerar, digamos, uma organização.

ODC – Quais pressupostos de mediação e interação social devem orientar a construção de espaços de diversidade cultural?

EJ – Talvez a experiência cotidiana. A rede se move através de seu exterior. Sempre precisa de um, digamos, motor externo para que funcione. Pensar em diversidade cultural no domínio do neo-liberalismo e do capitalismo cognitivo pode ser uma forma de dar visibilidade a uma diversidade que seja politicamente correta, mas distante da experiência mais direta de construção de uma vida comum, de uma comunidade ou de uma forma de “viver juntos”. Parece tudo uma fachada que encobre nossas deficiências ainda pré-modernas.

O que deve orientar a construção de espaços de diversidade cultural talvez seja a política das subjetividades, empenhada em conseguir ver que existem questões macro e micro políticas que precisam ser tratadas. Nós aqui, no Brasil, ainda estamos tentando garantir o mínimo para as pessoas. Tudo tão pouco, tão ruim, tão pífio…que as redes sociais refletem isso. Além de estarem a reboque de uma forma de celebrização que toma as formas do pós-massivo como modo de chegar ao massivo.

ODC – Como analisa o uso social das tecnologias de comunicação hoje, no que se refere à criação e manutenção de redes de cooperação com a cultura?

EJ – Acho muito arriscado colocar as mídias tradicionais como aquelas que reforçam a homogeneização e estereotipização. Existe uma diversidade de propostas. Assim como acho temerário aclamar as redes sociais mediadas como o local da criatividade. Essas duas perspectivas misturam-se e confundem-se. Não é uma questão de suporte, mas de uso dele. Não é uma questão de forma de mediação (mídias tradicionais ou web 2.0), mas sim do uso que é feito disso e da forma de inserção na vida social. Quando vejo que um vídeo no youtube com um garoto falando mil asneiras sendo visto quase três milhões de vezes em uma semana, fico me perguntando qual a possibilidade de alguma mudança. Acho que, no caso das redes sociais, precisamos de cautela antes de alardearmos as mudanças que desejaríamos que ocorressem. O circuito massivo ainda tem uma força enorme na construção dos imaginários e dos desejos. Talvez existam alguns pontos nas redes sociais mediadas que consigam criar alguma desestabilização para a criação coletiva da realidade, mas isso não é uma regra. Exemplos? O melhor deles seria os movimentos anti-globalização e o criativo uso das redes que eles fazem. Em outra direção, pensaria nas Guerrila girls, movimento feminista radical dos Estados Unidos que começou antes da internet e deu uma guinada mundial depois.

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