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Convenção da Unesco na atualidade

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A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais foi adotada pela Conferência Geral da Unesco, em 2005, e ratificada pelo Brasil em 2007. Junto à Convenção de 1972, relativa ao patrimônio mundial, cultural e natural, e a de 2003, para a salvaguarda do patrimônio imaterial, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais consiste em um dos pilares da promoção da diversidade criativa. As três Convenções ratificam a ideia, expressa na Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural (2001), de que a diversidade deve ser tratada como “patrimônio comum da humanidade” e sua defesa “um imperativo ético inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana”.

Em entrevista ao ODC, a assessora para assuntos internacionais do Ministério da Cultura (Minc), Giselle Dupin, reflete sobre os avanços e desafios da Convenção, apontando como metas prioritárias a inclusão de produtos e serviços culturais na pauta de liberalização de comércio da OMC, o fortalecimento do tema cultura e sua inclusão na pauta da agenda de desenvolvimento pós-2015 e a visibilidade e o fortalecimento do Fundo Internacional da Diversidade Cultural. Confira a seguir.

ODC – Quais as principais conquistas da Convenção até hoje?
Giselle Dupin – As conquistas da Convenção podem ser divididas em dois âmbitos. O primeiro é político. Inegavelmente, a Convenção tem contribuído – e muito – para fazer com que os países desenvolvam ou aperfeiçoem suas políticas públicas de cultura. Isto é menos visível no Brasil, onde o governo começou a desenvolver uma política mais elaborada antes mesmo da adoção da Convenção, mas em alguns países, é fundamental. E incluo nessa dimensão política a implicação ou a ampliação da participação da sociedade civil na elaboração e acompanhamento dessas políticas culturais, conforme demanda o artigo 11 da Convenção, e como também solicita a própria Unesco, no sentido de que os países impliquem a sociedade civil na elaboração dos relatórios periódicos e no processo de seleção de projetos para o Fundo Internacional da Diversidade Cultural. Essa participação ainda está em processo, mas significa um avanço considerável para o conjunto dos países membros da Convenção.

O segundo é o âmbito da cooperação internacional, e ela tem sido realizada principalmente por meio do Fundo Internacional da Diversidade Cultural – FIDC. Apesar de contar com poucos recursos financeiros, principalmente porque a contribuição a ele é voluntária, esse Fundo já possibilitou o financiamento de 71 projetos culturais em 43 países em desenvolvimento, principalmente, do continente africano e da América Central. E esses projetos não são realizações pontuais, como um evento, apresentação artística ou produto (como a gravação de um CD ou publicação de um livro); são projetos estruturantes, de fortalecimento da indústria cultural, o que costuma ter impactos muito significativos.

As conquistas da Convenção podem ser divididas em dois âmbitos. O primeiro é político. Inegavelmente, a Convenção tem contribuído – e muito – para fazer com que os países desenvolvam ou aperfeiçoem suas políticas públicas de cultura

ODC- Quais os principais problemas e desafios para os objetivos da convenção da Unesco hoje?
GD – A Convenção ainda não conseguiu se consolidar como uma resposta eficaz a um dos principais problemas que estão em sua origem, que é a inclusão de produtos e serviços culturais na pauta de liberalização de comércio da OMC. Mas já era previsível que, num mundo globalizado, um acordo internacional firmado num órgão que reúne países, não é suficiente para enfrentar uma questão que ultrapassa a governabilidade dos países, ainda mais quando o mais rico e poderoso deles (os Estados Unidos) não aderiu ao acordo.

Outro desafio, que podemos considerar como mais exequível, é o fortalecimento do tema cultura, e sua inclusão na pauta da agenda de desenvolvimento pós-2015 que está negociada atualmente na ONU. A Unesco está empenhada nesse convencimento, apoiada por diversos países – como o Brasil. E trata-se de uma questão diretamente ligada à Convenção de 2005, que traz a questão do desenvolvimento em dois dos seus artigos. Existe, ainda, a questão da visibilidade e fortalecimento do Fundo Internacional da Diversidade Cultural. Quanto mais recursos ele tiver, mais projetos culturais poderão ser financiados. Por isto, foi criada uma campanha para popularizar o Fundo, que pode receber recursos não apenas de governos, mas também da sociedade civil – e algumas empresas e artistas já estão fazendo doações.

Já era previsível que, num mundo globalizado, um acordo internacional firmado num órgão que reúne países, não é suficiente para enfrentar uma questão que ultrapassa a governabilidade dos países, ainda mais quando o mais rico e poderoso deles (os Estados Unidos) não aderiu ao acordo

ODC – Quais as particularidades da Convenção no contexto latino-americano?
GD – Em 2013, com a entrada da Colômbia e da Venezuela na Convenção, todos os países da América do Sul passaram a integrá-la, e quase todos da América Central, além do México. Com isto, ficou mais fácil trabalhar o tema da diversidade cultural no Mercosul e no espaço ibero-americano. O tema está, portanto, sendo incorporado pouco a pouco às discussões multilaterais latino-americanas. Como são países que têm muitos aspectos em comum, como a importância das manifestações culturais de povos e comunidades tradicionais, dentre outras, acredito que a pauta da diversidade cultural poderá avançar bastante. A cooperação multilateral entre os países latino-americanos também tem avançado muito na área cultural, especialmente, com os chamados programas IBER, que estão sendo desenvolvidos no espaço Ibero-americano (que incluem Portugal e Espanha), permitindo a realização de coproduções, intercâmbios e troca de informações e experiências.

ODC – Como é possível, efetivamente, incorporar a Diversidade Cultural em critérios e processos de reconhecimento material e imaterial?
GD – A Convenção é, principalmente, um marco legal, ou seja, ela não traz propostas de políticas nem de processos, pois deixa isso para cada país elaborar de acordo com suas especificidades. Mesmo assim, acho que ela já incorpora, naturalmente, essas duas dimensões da cultura – material e imaterial –, pois ela é ampla o suficiente quando define diversidade cultural e diz que ela se manifesta nas variadas formas pelas quais se expressa, inclusive “por meio dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados”. Além disso, ao convidar os países a adotar suas medidas para proteger e promover sua diversidade de manifestações, ela os deixa livres para desenvolver políticas específicas para a proteção do patrimônio cultural material e imaterial na abordagem trabalhada pelas duas Convenções do patrimônio cultural. Pode-se dizer, inclusive, que as três Convenções são complementares, especialmente porque a questão da diversidade cultural perpassa toda a temática do patrimônio, tanto material quanto imaterial. Isto significa, por exemplo, que a lista de bens reconhecidos pela Convenção de 1972 deve levar em conta a diversidade da expressão cultural da humanidade e não incluir, apenas, um tipo de edificação.

Em 2013, com a entrada da Colômbia e da Venezuela na Convenção, todos os países da América do Sul passaram a integrá-la, e quase todos da América Central, além do México. Com isto, ficou mais fácil trabalhar o tema da diversidade cultural no Mercosul e no espaço ibero-americano

ODC – Há alguma informação que você gostaria de acrescentar?
GD – Gostaria de convidar a todos que pensam a questão da diversidade cultural, a contribuir com a reflexão que o Comitê Intergovernamental da Convenção está nos propondo fazer atualmente, que é a dimensão do impacto das tecnologias digitais na diversidade cultural. Se alguém contribuir com esta discussão, pode me enviar, que poderei incorporá-la à contribuição que o Brasil vai enviar à Unesco. Não há um processo formal. O que está disponível no site da Unesco são apenas as decisões tomadas na última reunião do Comitê Intergovernamental (dez. de 2013), que incluem duas propostas de futuros debates sobre as tecnologias digitais e seu impacto sobre a Convenção: proposta de ações futuras e o papel do serviço público de televisão e de radiodifusão na realização dos objetivos da Convenção. O conjunto das decisões pode ser encontrado (em inglês e francês) em: http://migre.me/jJe3w. Quanto às contribuições, podem ser enviadas para o meu email (na qualidade de Ponto de Contato da Unesco no Brasil para a Convenção da Diversidade Cultural): giselle.dupin@cultura.gov.br.

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Dez chaves para entender a Convenção da Unesco para entender a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais 

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