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Vista como culpada em momentos de crise, Cultura precisa ser reafirmada pelo que é: um investimento, e não um gasto

Projeto de Lei na ALMG sobre cortes no incentivo à cultura é arquivado, mas o alerta para o perigo que essa onda pode trazer ainda é eminente

Representantes de diversos setores culturais no estado de Minas Gerais têm se posicionado sobre a necessidade de preservação das conquistas obtidas pela área nos últimos anos. E esse movimento não é em vão. Em sua campanha eleitoral, o governo eleito dava indicações de que a cultura ocuparia um espaço supérfluo em seu mandato. Pouco a pouco, essa atmosfera confortável para quem se posiciona contra as leis de incentivo cultural parece ganhar força, resultando em ameaças ao setor, tanto no executivo quanto no legislativo estadual.

Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), acaba de ser rejeitado o Projeto de Lei do deputado Eduardo Sandro, que previa acabar com a Lei Estadual de Incentivo à Cultura.  Barrada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, a iniciativa surfa em uma onda de diminuição da importância dos repasses ao setor cultural, que parece ganhar força tanto na sociedade quanto no meio político. Por isso, a derrota é importante, mas não deve desligar o alerta da luta contra ações como essa.

Participante de reuniões sobre o tema na ALMG, a vice-presidente do Conselho Estadual de Política Cultural (Consec), Magdalena Rodrigues, considera que a falta de conhecimento sobre o real impacto financeiro das leis de incentivo à cultura nas contas do estado é o que provoca o surgimento de tais projetos, mas que quando os deputados passam a conhecer os números, a situação muda. “Ao apresentarmos o quanto significa o percentual total do incentivo à cultura em relação ao total das leis de incentivo é que cai a ficha de que o estado não está quebrado por causa desses mecanismos”, afirma, referindo-se diretamente ao projeto de Lei do deputado Eduardo Sandro.

Além da proposta específica de encerramento mencionada, existem outras duas em tramitação na ALMG que também impactam na distribuição desses recursos. Mais amplas, elas propõem alterar as regras tributárias do estado, o que naturalmente provoca impactos nas ações de incentivo fiscal. Essas outras duas propostas não tratam especificamente da cultura, ou seja, não têm um objetivo ideológico, mas sim, financeiro. No entanto, mesmo assim, indicariam um panorama de redução significativa dos recursos aplicados em projetos socioculturais, mesmo que os textos contenham um limite de corte e, principalmente, mesmo com a cultura ocupando um lugar reduzido se comparado ao repasse de incentivos fiscais a outros setores – a comparação “indústria automotiva / R$ 7,2 bilhões de incentivos fiscais / 200 mil empregos gerados X Cultura / R$ 1,6 bilhão – 1 milhão de empregos“ é particularmente assustadora.

Contudo, mais do que os projetos em si, o problema maior reside no fato de que cada vez mais a cultura tem sido usada como bode expiatório, para usar uma expressão popular, em um momento de crise financeira estadual e federal. Um alvo fácil em um ajuste de contas político e ideológico.

Pecha de vilão

Independentemente do sucesso ou fracasso das propostas de corte de distribuição, identifica-se tanto na esfera estadual quanto na federal uma tendência a tratar os mecanismos de incentivo à cultura como gastos sem sentido. Talvez por desconhecimento generalizado – inclusive entre os integrantes do Legislativo e do Executivo –, talvez por viés puramente ideológico, fato é que o incentivo fiscal destinado à cultura está cada vez mais sendo visto como algo que não dá retorno para a sociedade, mesmo representando apenas 0,1% do total de incentivos fiscais distribuídos no país.

“Talvez por ser um alvo mais fácil, mais próximo da população, que não sabe direito como funcionam os incentivos fiscais, não vai ter um conhecimento amplo sobre, por exemplo, os valores de isenção fiscal repassados à Zona Franca de Manaus, mas vai entender e julgar quando um artista da Globo receber dinheiro para excursionar com sua peça de teatro. Mesmo este sendo apenas um exemplo de ação da Lei Rouanet”, afirma Marcelo Bones, diretor de Articulação Institucional da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte. “A cultura pegou essa imagem de vilã e precisamos interromper isso”, completa Marcelo.

Muito antes pelo contrário

Como mostrou o levantamento Fundação Getúlio Vargas, divulgado em 2018, a cultura fomenta uma cadeia produtiva que impacta nos 68 setores da economia brasileira, proporcionando um retorno à sociedade de R$ 1,59 a cada R$ 1 investido por patrocinadores. O levantamento é extenso e analisa 53.368 projetos culturais feitos com apoio da Lei Rouanet, os quais tiveram impacto econômico total sobre a economia de R$ 49,8 bilhões. Não faltam dados e indicadores de como a cultura é um investimento com alto potencial de retorno e não apenas um gasto; de como a cultura deveria ser tratada da mesma forma que os tantos incentivos dados a outros setores da economia.

Em manifestações na ALMG, alguns deputados já indicaram a necessidade de, com os números do lado da cultura, brecar a crescente resistência que vem tomando conta até da sociedade civil, buscando o fortalecimento cada vez maior da legislação e das políticas públicas do Estado, não cedendo a nenhum risco de retrocesso em nome de uma visão tecnicista e interrompendo esse sentimento contra a cultura que insiste em não sair de cena.

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1 Comentário para “Vista como culpada em momentos de crise, Cultura precisa ser reafirmada pelo que é: um investimento, e não um gasto”

  1. Avatar Carolina Ribeiro disse:

    Bom. Se pelo menos pagarem os cachês dos músicos (incluindo cantores) em dia já seria um ótimo incentivo, pois lembro muito bem quequando fiz cachê na temporada do Turandot, por volta de 2005, pessoas graúdas como Cláudia Malta e Sílvio Viegas achavam normal atrasar cahês aponto de ter gente que não tinha nem dinheiro pro ônibus pra fazer os ensaios. Isso simé um desencentivo à cultura.

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