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Voz e vez na mídia

Toby Mendel (Unesco)

Significativa parte da produção e fruição cultural é realizada midiaticamente, exigindo, cada vez mais, a reflexão critica quanto ao papel dos meios de comunicação na produção simbólica e formação da cultura política. Para debater sobre direito à comunicação e diversidade midiática, ativistas e representantes de entidades e movimentos sociais reuniram-se no 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, realizado em Belo Horizonte de 10 a 12 de abril.

O evento foi organizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação que realiza campanha em apoio ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, propondo uma nova regulação da mídia. Entre as entidades que compõem o Fórum, estão a CUT, a UNE, a Fenaj e o Intervozes. O projeto regulamenta os artigos 5, 21, 220, 221, 222 e 223 da Constituição Federal. Para que o projeto de iniciativa popular comece a tramitar, é necessário o apoio de pelo menos 1% do eleitorado brasileiro.

Durante o 2º ENDC, aproximadamente 700 pessoas, entre ativistas, estudantes, militantes, jornalistas, estudiosos e pesquisadores da comunicação, representantes de entidades e coletivos e autônomos do país, participaram das atividades propostas, em defesa da diversidade midiática das expressões socioculturais, por meio da representação das diversas manifestações nos meios de comunicação.

Na abertura do encontro, Rede Mulher e Mídia, Unegro, Rede Mulheres da Comunicação, Instituto Alora, Artigo XIX, Associação Brasileira de Emissoras Educativas e Culturais (ABEPEC), dentre outras entidades, reforçaram a centralidade da relação entre comunicação e cultura no atual contexto politico. A convergência de posições é construída em torno de projeto político que relaciona o direito à comunicação à condição de pluralidade, por meio da regulamentação da mídia, bem como fortalecimento e sustentabilidade das mídias comunitárias nos diversos meios.

Em pauta, o necessário diálogo com a sociedade para mobilizar forças na conscientização quanto ao atual contexto politico que evidencia quadro de retrocesso em relação a conquistas democráticas, com a aprovação, por exemplo, dos projetos de lei para redução da maioridade e liberação da terceirização de serviços em atividades fins. O recente encontro entre a presidente Dilma Rousseff e o diretor do Facebook Mark Zuckerberg, em torno de parceria entre governo e rede social, para oferta de serviço gratuito pela empresa no país, foi repudiado, por confrontar com a defesa da universalização do direito ao serviço de banda larga.

Hegemonia
A comunicação é um direito reconhecido pelas Organizações das Nações Unidas (ONU); o artigo XXI da Constituição Federal de 1988 garante, por sua vez, a produção independente de informação e impede a formação de oligopólios. O secretário de serviços de comunicação eletrônica do Ministério das Comunicações, Emiliano José, que representou o ministro Ricardo Berzoini no ENDC, ressaltou a ausência no Brasil de um sistema de regulação com órgãos autônomos para o cumprimento da função, condição pela qual foi criticado pelas lideranças presentes que cobraram o cumprimento da constituição nacional.

emiliano jose

O secretário referiu-se à mídia hegemônica brasileira como um polo político. “Eu não acredito na auto regulação da mídia sobre si mesma”, destacou. Emiliano enfatizou ainda a posição de abertura do Ministério ao debate cujo cronograma, de acordo com o secretário, será definido nos próximos dias. “Todos os setores da sociedade serão chamados a participar dos espaços de discussão e ali poderão responder qual marco regulatório querem para o país”, declarou.

O procurador regional da República e membro do grupo de trabalho Comunicação Social da Procuradoria Federal, João Bosco Araujo Fontes Junior, argumentou que o artigo XIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos trata do direito de buscar, difundir e receber informações. Nesse sentido, Bosco lembrou que assim como mostra a experiência de outros países latino-americanos, como Argentina e Uruguai, quando se fala em regulamentação da mídia, há reação recorrente de acusação de censura, por parte dos grupos midiáticos.

No entanto, de acordo com o procurador, trata-se de defender a noção de liberdade de expressão que, contrariamente aos monopólios e oligopólios, é embasada na diversidade de opiniões e pluralidade de propriedade dos meios de comunicação. Na ausência de regulamentação do setor, a justiça recorre hoje ao Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente no encaminhamento dos processos, conforme explicou. “A comunicação é negócio milionário; como atividade econômica, deve ser submetido à lei antitruste”, defendeu Bosco.

Para o advogado, consultor da Unesco e diretor-executivo do Centro de Direitos e Democracia, Toby Mendel (Canadá), não existe equilíbrio entre TVs e rádios privadas, estatais e públicas brasileiras, mas, um sistema comercial extremamente poderoso e outro de transmissão pública restrito, o que demanda, portanto, o investimento nas emissoras não privadas.

Mendel apontou os seguintes pressupostos do desenvolvimento da mídia democrática: concorrência para licença como processo competitivo; regulação quanto à diversidade de expressões, para assegurar representação regional e participação de produtores independentes; tratamento igualitário de questões politicas no âmbito da programação. “Na lei de direito internacional, o que protege é o fluxo de informações e ideias. Quando temos uma restrição maior do que o benefício, então ela não é legítima”, afirmou o consultor da Unesco.

Martin Becerra

O professor e pesquisador da Universidade de Buenos Aires e Universidade Nacional de Quilmes, Martín Becerra, destacou que a discussão sobre liberdade de expressão e necessidades e direitos dos emissores implica, necessariamente, a superação das barreiras corporativistas dos meios e o exercício profissional dos atores desprovidos de acesso que devem ser resguardados pelo Estado.

Becerra alertou, no entanto, que a regulação implica, para além da aprovação da lei, o contínuo desafio de seu cumprimento integral. “Nas distintas temporalidades, mais importante do que a lei é a consciência social e politica”, disse, apontando a articulação insdispensável da sociedade civil: “Mais respeitável do que isso é a consciência social e política que se tem de que os meios não são produzidos com uma concepção imaculada. A imaculada concepção dos meios de comunicação tem sido colocada em crise. E essa crise é muito bem-vinda”.

Raquel Utsch

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