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Oscar, premiações cinematográficas e diversidade

O resultado do Oscar 2020 não somente coloca em pauta a questão da diversidade nos conteúdos premiados, mas também traz alguns pontos para repensar a projeção internacional de questões culturais relevantes

O Oscar é uma premiação internacional surgida ainda na década de 1920 e é concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. Há cerca de dez anos sempre que surgem as listas dos indicados e dos vencedores, reaparecem questionamentos sobre a ausência de mulheres entre os principais prêmios (à exceção daqueles destinados a elas) e a baixa representatividade negra e de outras categorias minoritárias (que em diversos estudos sobre as premiações são chamadas de “sub representadas”) no resultado geral.

Atualmente, a Academia de Cinema é composta por cerca de 8.000 membros de 36 países. O Jornal Los Angeles Times, em pesquisa de 2012, identificou que mais de 90% dos membros da academia eram considerados “brancos”. Em 2015, a completa ausência de negros entre os principais indicados provocou um movimento contundente que reivindicava mudança na composição da academia[1] – objetivo era tentar aumentar o número de membros representantes dos diversos grupos, como mulheres, negros, hispânicos e asiáticos. O resultado imediato veio por meio das redes sociais – a hashtag #OscarsSoWhite (algo como o “Oscar é tão branco”) tomou conta dos “trending topics” nas semanas seguintes àquela edição.

Alguns artistas como Spike Lee e Dany de Vito se posicionaram e deixaram expostas algumas questões mais contundentes sobre o tema.[2] Spike Lee chegou a dizer que “É mais fácil ser presidente dos Estados Unidos como pessoa negra do que ser chefe de estúdio ou chefe de rede[3]”.

Há diversos aspectos que podem ser analisados quando se pensa diversidade no ambiente audiovisual e a verificação de como são compostos os elencos ou até mesmo os personagens e histórias retratados ajuda a pensar nisso. No estudo “Race/Ethnicity in 600 Popular Films: Examining On Screen Portrayals and Behind the Camera Diversity[4], três pesquisadores da Annenberg School for Communication & Journalism, da Universidade do Sul da Califórnia, analisaram características étnicas dos personagens dos 100 filmes produzidos em 2013 e que tiveram maiores bilheterias ao redor do mundo.

Alguns números são indicativos de como é o panorama: segundo a pesquisa, entre 2007 e 2013, a proporção média de personagens brancos nos filmes com maior bilheteria era de 75% e, apenas 25%, se distribuía entre hispânicos, negros, asiáticos. Havia proporção semelhante no que diz respeito ao gênero (cerca de 70% dos personagens masculinos), em qualquer das etnias. Dos diretores desses 100 filmes, apenas sete eram negros e eram todos homens, sem nenhuma mulher entre eles.

Mas as questões de etnia e gênero são algumas das nuances possíveis de análise. Outras dimensões que também definem a relação da produção audiovisual e a questão da diversidade e podem ser citadas são: a origem do elenco, as histórias que são tratadas, as cidades onde as narrativas se desenrolam, a abordagem dos filmes, as técnicas usadas, entre outras questões.

A edição 2020[5] traz alguns pontos para ampliar a discussão no sentido da diversidade cultural. “O Parasita[6], grande vencedor da celebração, se tornou o primeiro filme em língua não-inglesa a vencer a premiação de melhor filme, trazendo uma história de diferenças de classes sob uma perspectiva coreana. Amplamente comentado (deixamos abaixo alguns links para conhecer melhor), venceu em outras três categorias (Diretor, Roteiro original e filme internacional). Isso após ter vencido a Palma de Ouro em Cannes (principal prêmio deste festival internacional de Cinema que acontece na França) e o prêmio de melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro (premiação que escolhe os melhores do cinema e TV a cada ano, concedido pela Associação de Imprensa de Hollywood).

Dois pontos podem ser destacados neste filme: primeiro, que ele está inserido em uma política de quase 15 anos de apoio público e privado ao cinema e demais conteúdos coreanos[7], que reforça a necessidade de investimento para garantir maior equilíbrio nos fluxos internacionais de conteúdos – uma das principais bandeiras da convenção de 2005. Segundo, que a premiação pode ser entendida como uma discussão mais ampla, que algumas análises entendem ser vinculadas a uma forma de marcar posição em termos de geopolítica internacional ao colocar a crítica à desigualdade e a exploração capitalista como elementos centrais da narrativa.[8]

Tivemos também dois vencedores em 2020 que podem ser considerados dentro do panorama de promoção diversidade cultural. Primeiro, o vencedor na categoria curta de animação “Hair Love[9], que trata de um pai afro descendente e sua filha tentando lidar com seu cabelo crespo e teve como diretor o produtor independente Matthew A. Cherry. Ele conseguiu fazer o filme independente com recursos de uma vaquinha virtual na plataforma Kickstarter, levantando mais de 300 mil dólares com a campanha – a maior para a sua categoria na plataforma. A animação já tinha sido vista por quase 23 milhões de pessoas em fevereiro de 2020.

Em segundo lugar, a vitória do curta “Learning to Skateboard in a Warzone (If You’re a Girl)” (algo como “Aprendendo a andar de skate em uma zona de guerra – se você é uma garota”, em tradução livre), que trata da realidade de meninas do Afeganistão que aprendem, entre outras coisas, a andar de skate como forma de socialização e afirmação.

Sobre a participação das mulheres, a edição 2020 reservou surpresas, mesmo que não tenha havido uma presença significativa das mulheres entre os indicados nas categorias “técnicas” (aquelas que podem ser vencidas independente do gênero). O curta da diretora Carol Dysinger tem mulheres em diversos outros trabalhos técnicos do filme, como produção e trilha sonora. “Adoráveis mulheres”, da diretora Greta Gerwig, venceu o prêmio de figurino, com Jacqueline Durran, enquanto “O Coringa” venceu na categoria trilha sonora, com a islandesa, Hildur Guðnadóttir.

A categoria “Documentário”, na qual concorreu “Democracia em Vertigem”, da diretora brasileira Petra Costa, teve como vencedor “Indústria americana”, obra que expôs as dificuldades de adaptação cultural por ocasião da abertura de uma fábrica chinesa em solo americano, com uma abordagem interessante sobre as diferenças culturais e os processos da industrialização globalizada que existem em diversas partes do mundo. A indicação do documentário brasileiro mostrou como ocorreram as mudanças que levaram ao golpe de 2016, e teve associação com a plataforma Netflix. Algumas análises disseram que a temática restrita ao Brasil pode ter sido um dos motivos de não ter vencido.

No final das contas, para as reflexões sobre a diversidade, o balanço desta edição pode ser considerado como sendo de novos ares em diversos aspectos, mesmo que ainda haja um muito a percorrer.

[1] https://www.rollingstone.com/movies/movie-news/academy-promises-historic-changes-to-diversify-membership-178731/

[2] Fala do ator Dany de Vito expressa o pensamento sobre a questão https://youtu.be/GJV2BQJamZk

[3] “Chefe de rede” se refere a cargos de direção em redes de TV e meios de comunicação audiovisual

[4] Disponível em https://annenberg.usc.edu/sites/default/files/MDSCI_Race_Ethnicity_in_600_Popular_Films.pdf

[5] Sobre os filmes da edição 2020, veja essas duas matérias  https://www.b9.com.br/119727/nao-se-engane-o-oscar-2020-e-sobre-o-futuro-da-distribuicao-do-cinema/ e    https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/02/04/Oscar-2020-o-que-cr%C3%ADtica-e-casas-de-apostas-dizem-dos-indicados

[6] Critica Sobre o filme, escrita em novembro de 2019, pode ser lida em a) https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2019/11/08/parasita-pode-ir-alem-do-oscar-de-filme-internacional-com-farsa-sobre-luta-de-classes-g1-ja-viu.ghtml  em b) https://d.emtempo.com.br/cultura/188214/quem-e-o-parasita-entenda-um-dos-filmes-indicados-ao-oscar e em c) https://brasil.elpais.com/cultura/2020-02-15/o-cheiro-dos-pobres.html

[7] Sobre os programas de apoio público e privado aos conteúdos coreanos acessar https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/oscar/2020/noticia/2020/02/11/apoio-do-governo-cotas-e-festivais-como-a-coreia-do-sul-reinventou-seu-cinema-e-fez-historia-no-oscar.ghtml

[8] Sobre a vitória do filme “O Parasita” e  a democracia em âmbito internacional, acessar https://jornalggn.com.br/artigos/por-que-parasita-ganhou-o-oscar-e-a-geopolitica-estupido/

[9] Críticas sobre o filme Hair Love podem ser encontradas em https://www.omelete.com.br/oscar/hair-love-diretor-vitoria e https://todosnegrosdomundo.com.br/hair-love-filme-de-animacao-sobre-o-amor-pelo-cabelo-crespo-e-sucesso-no-youtube/

 

POR: José Oliveira Junior

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