O Carnaval no Brasil é para muitos a mais irreverente forma de se fazer crônicas sobre a realidade. Em 2020, essa articulação parece ter assumido uma potência ainda maior, revelando uma capacidade incrível de blocos, escolas de samba e foliões articularem criatividade, crítica social e o lúdico. Uma pesquisa aos nomes dos blocos de rua, às marchinhas e aos enredos das escolas de samba confirmam essa acentuação da temática política este ano.
Mas, para além da crítica irreverente, o carnaval é também um ambiente de celebração e reconhecimento. Um acontecimento que recupera e traz ao espaço público, histórias e personagens que sofrem apagamentos intencionais, ou não, em nossa memória social. Esse é o caso da campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro, a escola de Samba Unidos do Viradouro, que fez uma homenagem às mulheres do grupo “Ganhadeiras do Itapuã” da Bahia. Tomando como referência a tese de doutorado “Articulações pedagógicas no coro das Ganhadeiras de Itapuã: um estudo de caso etnográfico”, da professora Harue Tanaka da UFPB, a escola homenageou as mulheres negras e seu passado de luta pela libertação enquanto escravas.
As Ganhadeiras de Itapuã têm dois momentos – sua origem e seu rememoramento. Sua origem se deu com as mulheres ainda escravizadas no século XIX. As “ganhadeiras” eram mulheres que lavavam roupas na Lagoa do Abaeté e, em acordo com seus senhores, comercializavam peixes, frutas e tecidos, entre outros nas ruas de Salvador. Para tentar vender seus produtos, elas entoavam músicas e o resultado de suas vendas era negociado junto aos seus senhores – ou ficavam com parte do dinheiro ou barganhavam benefícios.
“A ganhadeira representa a mulher que pratica toda e qualquer atividade de ganho, portanto, o gênero do qual as lavadeiras, quituteiras, costureiras, peixeiras e outras diversas atividades seriam as espécies. No período em que foram iniciadas, aqui no Brasil, as atividades de ganho, elas eram realizadas na maioria por mulheres escravas e, embora houvesse a figura masculina do ganhador, a atividade de lavadeira permaneceu sendo uma atividade basicamente feminina.” (SORRENTINO, 2012, p.33).
O segundo momento dessa história começa em 2004, quando moradores de Itapuã decidiram retomar suas tradições de modo a atualizarem suas identidades e assim, para revitalizarem a memória cultural do bairro, fundaram o grupo “As Ganhadeiras de Itapuã”. Composto por crianças, adultos e idosos, homens e mulheres, o grupo tem repertório diversificado, mas marcado pelo “canto das lavadeiras”.
Verônica Raquel, integrante do grupo “As Ganhadeiras de Itapuã” disse para o documentário produzido pela UFBA que o grupo formou-se de forma despretensiosa a partir de encontros dos moradores de Itapuã. “Nós nos reuníamos no terreiro de Dona Mariinha [presidente do grupo]. Nós não tínhamos nem a impressão de que esse grupo se tornaria ‘As Ganhadeiras de Itapuã’. Era um grupo que se reunia apenas para relembrar coisas do passado.” Em outro momento, em um documentário produzido pela Unidos do Viradouro, Verônica completa, “o samba enredo da Viradouro sintetizou exatamente a visão do que é ser ganhadeira. Ganhadeira de Itapuã. Fala da Lagoa do Abaeté, fala do nosso berço, de cada ponto que essas mulheres percorreram. Da beira do mar, da puxada da rede, dos terreiros de candomblé.”
O recorte na história que a Viradouro levou para a Sapucaí esse ano aborda, pelo menos, três questões socioculturais importantes: o feminismo, o racismo e a diversidade musical. É um olhar para a diversidade cultural do Brasil a partir da música e da dança, permeado por um contexto sociocultural não evidente.
“A nossa vida mudou com esse desfile, não só pela mídia, mas pelo nosso próprio autoconhecimento. Nós entendemos que representamos milhões de mulheres que lutam todos os dias pela sobrevivência. Há um crescimento social nisso”, disse a produtora do grupo, Ivana Soares, em entrevista ao jornal Correio.
Para conhecer mais e melhor a trajetória dessas mulheres, acesse:
Para ler
Site do grupo As Ganhadeiras de Itapuã: http://ganhadeirasdeitapua.blogspot.com/
Artigo “As Ganhadeiras de Itapuã: memória e identidade em performance”: https://www.pluralpluriel.org/index.php/revue/article/download/126/105/
CRUZ, Thiago Conceição, Ganhadeiras de Itapuã: As formas de dizer de si, Trabalho de Conclusão de Curso – TCC (Jornalismo) da UFBa, 2019 disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/29989
LEAHY, Renata Costa, As Ganhadeiras de Itapuã: memória e identidade em performance, Revista Plural/Pluriel, No 17 (2017), disponível em https://www.pluralpluriel.org/index.php/revue/article/view/126
SORRETINO, Harue Tanaka, Articulações pedagógicas no coro das ganhadeiras de Itapuã: um estudo de caso etnográfico, 2013, Teses de Doutorado apresentada ao PPGMUS da UFBa, disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/12585
Para assistir
TV UFBA .DOC – As Ganhadeiras de Itapuã: https://www.youtube.com/watch?v=fx6586NGVb8
Documentário “As Ganhadeiras de Itapuã”: https://www.youtube.com/watch?v=8Tzbf5PGFFg
As Ganhadeiras de Itapuã (Ancestralidade, Religiosidade e Musicalidade): https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=EcB5ddPJcfE&feature=emb_logo
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Ah! E nas referência o nome Sorrentino, falta o N. Rsrsr Mas isso é um detalhe, gente! Obrigada pela citação.
Gostaria de parabenizar pelo texto e pela divulgação. Pediria que fosse dada a entrada pelo nome composto: SORRENTINO-TANAKA. Geralmente, as pessoas fazem uma varredura pelo nome mais conhecido TANAKA, meu nome de solteira e mais conhecido. Desse modo, ficará sempre o nome TANAKA à frente da referência. Muito grata pela atenção!