Por Gabriel Portela
Recentemente o Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual, presidido pela ministra Margareth Menezes e composto por Ancine, órgãos governamentais e representantes do setor audiovisual, aprovou o Plano de Ação para 2024 do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Esse plano apresenta premissas e objetivos prioritários para nortear a aplicação de cerca de R$1.2 bilhão voltados ao desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira. O plano se desdobra em ações e linhas de investimento que devem contemplar diferentes elos do ecossistema do audiovisual brasileiro. Uma das novidades foi a aprovação e retomada da linha de arranjos regionais, no valor de R$300 milhões, que estava paralisada desde 2019.
Os arranjos regionais foram criados a partir do impacto gerado pela lei da TV por assinatura (Lei 12.485/2011) por meio da criação da CONDECINE – Teles que pode proporcionar uma ampliação e diversificação das linhas de investimento do FSA. Essa linha consiste na complementação de recursos federais e estaduais e municipais voltados para o desenvolvimento regional do setor audiovisual brasileiro.
A primeira edição da linha de arranjos regionais foi lançada em 2014, inaugurando a política de complementação de recursos da Ancine. Destinando entre 2014 a 2020 aproximadamente R$369 milhões do FSA e que alavancaram outros R$208 milhões dos entes locais, somando um total de R$577 milhões investidos em 25 dos 27 estados brasileiros. Ou seja, a linha se mostrou eficaz ao atrair recursos locais voltados ao fomento audiovisual e, para além do lançamento de editais locais, os Arranjos Regionais foram importantes para a estruturação e potencialização de políticas para o audiovisual em diversos estados e municípios.
Apesar dos avanços alcançados, após dez anos da implementação da Lei da TV por assinatura e da linha voltada para estados e municípios, é possível notar limitações e a necessidade de atualização. Os arranjos regionais ainda não se consolidaram como uma política de desenvolvimento regional efetiva, pois, em determinado momento, a exigência de um diagnóstico local pelos entes para validação do financiamento foi substituída praticamente pelo simples repasse de recursos aos entes federativos. Isso deixou, em grande parte, a definição dos editais e das linhas de atuação quase que exclusivamente nas mãos dos entes, seguindo os regramentos da ANCINE. Assim, faltou uma política integrada de desenvolvimento regional baseada em um diagnóstico amplo do setor, que orientasse a criação de instrumentos específicos para reduzir as desigualdades regionais. Coordenada em rede e atenta às particularidades locais, essa política poderia ir além da mera soma de iniciativas isoladas (IKEDA, 2021).
Retomada dos arranjos regionais deve servir a indução e ao fortalecimento de políticas locais e não replicar uma lógica emergencial
Esses arranjos têm o potencial de promover a diversificação e descentralização da produção audiovisual no Brasil, permitindo que diferentes vozes e perspectivas regionais se destaquem, impulsionando o desenvolvimento econômico. Países líderes no audiovisual contam com políticas locais e estaduais robustas, além das federais. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Polo Audiovisual da Zona da Mata, Salvador e João Pessoa, entre outras, têm fortalecido suas políticas audiovisuais com esse apoio regional. Assim como muitas empresas hoje já consolidadas, tiveram nos arranjos regionais a sua porta de entrada para o investimento federal via o FSA.
Essa retomada e ampliação da linha de investimento abre a possibilidade de pensarmos e propormos, a partir de um novo ciclo do audiovisual brasileiro, a necessidade de investimentos para além da produção, abarcando todos os eixos de uma política audiovisual contemporânea e com recursos não exclusivos do governo federal. É fundamental que essa complementação de recursos possa contemplar a formação, preservação, infra-estrutura, observatórios e pesquisas e políticas de atração de filmagens por meio das Film Commissions. Além de estimular o investimento nas diferentes etapas da cadeia produtiva, como o desenvolvimento, distribuição e exibição dos produtos audiovisuais.
Diretrizes para um novo ciclo dos arranjos regionais
Partindo desse diagnóstico e histórico, deixo aqui uma breve contribuição para diretrizes que julgo fundamentais nesse novo ciclo:
O Brasil, vasto e multicultural, tem em suas cidades e estados centros vitais para a criação, difusão e preservação cultural, essenciais à identidade brasileira e à diversidade. Assim, é fundamental fortalecer as políticas locais e regionais em uma estratégia nacional integrada para o audiovisual, avançando em pontos centrais onde arranjos regionais se tornam chave para o fortalecimento do setor no país. Ou seja, diferentemente do caráter emergencial da Lei Paulo Gustavo, a qual distribuiu cerca de R$3.8 bilhões para todos os estados e grande parte dos municípios brasileiros, mas sem necessariamente partir de diagnósticos aprofundados das diferentes realidades locais e concentrando mais de 70% do recurso quase que exclusivamente para a produção, os arranjos regionais devem ser pensados de forma a incentivar a criação de políticas abrangentes e que apoiem a consolidação e o fortalecimento das já existentes. É essencial que essa retomada não seja apenas uma fusão de recursos federais e locais, mas sim um verdadeiro catalisador de políticas para o desenvolvimento regional.
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