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Abrindo encruzilhadas – Coluna de Alexandre Barbalho 26/11/2024

Encruzilhada, substantivo feminino, diz do lugar onde se cruzam duas ou mais ruas, estradas ou caminhos; diz do dilema entre uma ou outra decisão; diz de se estar em uma [encruzilhada], segundo os dicionários.

Ou lugar propício de pactuações com forças espirituais, para alguns credos. Talvez o caso mais conhecido entre os aficionados de blues seja o do cantor, compositor e guitarrista afro-estadunidense Robert Johnson nascido em Mississippi em  1911. Tendo negociado sua alma em uma encruzilhada de duas rodovias, tornou-se um tocador prodigioso de guitarra e aproveitou o pacto para letrar algumas de suas músicas [“Crossroads Blues”, “Me And The Devil Blues” e “Hellhound On My Trail”].

Mas Luiz Rufino, carioca filho de cearenses, autor, entre outros livros, de Pedagogia das encruzilhadas (2019), chama atenção que a palavra encruzilhada não é sinônimo de “sinuca de bico” ou “beco sem saída”, mas, ao contrário, “é o tempo/espaço em que se faz política cotidiana, pois ela é o signo que compreende as ações, relações, diálogos, incompletudes, conflitos, ambivalências, contradições, possibilidades, transformações e, principalmente, a responsabilidade”.

Esse senso é também o mote da exposição que está percorrendo o circuito dos Centros Culturais do Banco do Brasil, “Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”, com curadoria de Deri Andrade. Organizada em torno de cinco eixos – Tornar-se, Linguagens, Cosmovisão, Orum [em iorubá, o mundo espiritual] e Cotidianos – e reunindo 61 artistas negras/os brasileiras/os, cada um gira em torno de um/a artista: Arthur Timótheo da Costa, Rubem Valentim, Maria Auxiliadora, Mestre Didi e Lita Cerqueira.

A força da mostra se expande para além do recorte curatorial e das obras e artistas presentes e nos conecta ao Projeto Afro, sob responsabilidade de Deri. Lançado em 2020, reúne em uma plataforma cerca de 330 artistas desde o século XIX até as/os contemporâneas/os. A proposta do projeto é mapear e difundir artistas negras/es/os do país, ampliando a visibilidade de suas produções. Trata-se de uma pesquisa em curso que já tem quase uma década e se faz presente em vários espaços e eventos. Para Luciara Ribeiro, o Projeto Afro se insere no conjunto de esforços no sentido de combater a hegemonia branca nas artes brasileiras, que envolve pesquisadores, artistas e curadores negros, indígenas e de ascendência asiática, e apontar para uma cena mais diversa.

Podemos situar a exposição e a plataforma em um movimento mais amplo que pode ser chamado de virada decolonial das artes visuais brasileiras, com a entrada em cena e/ou a valorização/reconhecimento de artistas negras/os, “naifs” indígenas, trans, entre outros grupos historicamente minorizados. Alessandra Simões Paiva chama atenção que esse movimento “já apresenta efeitos significativos no sistema das artes visuais no país. Atualmente, é, de fato, impossível apontar alguma instituição, entre as principais no setor, que não tenha realizado nos últimos anos alguma exposição, mudança administrativa, projeto educativo e curatorial, entre outras ações, visando às questões étnico-raciais e de gênero”, o que “passa pela necessidade da descolonização de museus e outras instituições culturais, que devem repensar suas práticas curatoriais, a aquisição de obras e estruturas de poder internas”.

Se nem toda arte contemporânea é negra, com reivindica a obra do artista carioca Elian Almeida, presente na mostra do CCBB, o circuito fechado das artes visuais brasileira teve um curto e agora tem que se conectar com o que vem se cruzando, há tempos, nas encruzilhadas.

 

Referências:

Alessandra Simões Paiva. Armadilhas da representação: a corrida institucional pela reparação histórica na virada decolonial na arte brasileira. In: Artes e práticas culturais. São Paulo: Educ, 2024

Luciara Ribeiro. Desconstruir a hegemonia branca nas artes brasileiras é uma ação efetiva de mudança. Disponível em https://artebrasileiros.com.br/arte/desconstruir-a-hegemonia-branca-nas-artes-brasileiras-e-uma-acao-efetiva-de-mudanca/

Luiz Rufino. O Brasil ainda não está em uma encruzilhada: o que Exu nos ensina sobre política. Disponível em https://n-1edicoes.org/o-brasil-ainda-nao-esta-em-uma-encruzilhada/

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