“Nuestro norte es el sur”, Joaquín Torres García
Em seu livro publicado em 1989, Cultura híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, o argentino radicado no México Néstor García Canclini propõe três hipóteses: 1. “a incerteza em sentido e ao valor da modernidade deriva (…) também dos cruzamentos socioculturais em que o tradicional e o moderno se cruzam”; 2. para dar conta dessa hibridação, “precisamos de ciências sociais nômades” que possam “gerar outro modo de conceber a modernização latino-americana (…) como as tentativas de renovação com que diversos setores se encarregam da heterogeneidade multitemporal de cada nação”; e 3. “esse olhar transdisciplinar sobre os circuitos híbridos tem consequências que extrapolam a investigação cultural (…) e pode iluminar processos políticos (…) Encontramos no estudo da heterogeneidade cultural uma das vias para explicar os poderes oblíquos que misturam instituições liberais e hábitos autoritários, movimentos sociais e regimes paternalistas, e as transações de uns com outros”.
Penso que, apesar de estar se referindo à América Latina, essa obra já consagrada fala mesmo da realidade de todos os territórios que foram colonizados e, portanto, ocidentalizados pela Europa moderna e depois viraram Estados-nações. Esses territórios que situam em grande parte no hemisfério sul e transformam essa localização geográfica em uma metáfora política, epistemológica e cultural: o Sul Global.
Diante dessas culturas híbridas, que não se ajustam à racionalidade, que pretensamente funda a Modernidade, e o imperativo da razão instrumental, que guia os modelos de modernização de cima para baixo, como pensar nas possibilidades de fazer a sua gestão? Ou, dito de outra forma, quais as especificidades das políticas e da gestão culturais nessas sociedades de entre-lugares – para retomar uma fórmula que está em Silviano Santiago, brasileiro que cunhou esse termo em 1971, e em Homi Bhabha, pensador indiano, em seus textos dos anos 1980-1990?
Essa questão, sempre pertinente, me vem nesses dias por dois motivos. Um, o recém lançamento pela RGC ediciones – uma editora situada na Argentina especializada em alimentar o debate sobre cultura – do livro Genealogías para una gestión cultural crítica, da equatoriana Paola Karina de la Vega Velastegui. O segundo, a realização entre 19 e 23 de novembro de 2024 do I Encontro de Gestores Culturais do Sul-Sul, uma realização do Instituto Bienal das Amazônias e que ocorreu em seu Centro Cultural, situado em Belém do Pará.
Resultado de seu doutorado em Estudios Culturales Latinoamericanos na Universidad Andina Simón Bolívar, feita sob orientação do peruano Víctor Vich, Paola explora o nascimento da gestão cultural na Iberoamérica a partir do que chama de “exercícios genealógicos”. Com essa metodologia, elabora duas categorias centrais: gestão cultural ibero-americana e gestão cultural crítica. A primeira aponta para os processos de hegemonização da gestão cultural, desde sua emergência em Barcelona até sua expansão por meio de políticas de cooperação para o desenvolvimento (bem dentro da lógica da modernização) e de dispositivos formativos e profissionalizantes na América Latina, em contextos complexos de neoliberalismo, multiculturalismo, globalização e reformas do Estado. Como contraponto, a segunda investiga ações culturais, agenciamentos e utopismos concretos que nos ajudam a imaginar processos transformadores na cultura.
É possível dizer que essa segunda perspectiva foi a que animou a proposta do I Encontro de Gestores Culturais do Sul-Sul. Não se tratou de um evento aberto ao público, mas de uma agenda de trabalho onde 35 profissionais das mais diversas localidades da Ásia, da África e da América Latina – que são gestores de espaços, uns mais, outros menos institucionalizados, ou uns mais ou outros menos independentes do poder público e/ou do mercado – expuseram suas experiências, no sentido de identificar o que há de comum e de diferentes entre elas, de compartilhar problemas e soluções e de apontar para um calendário de encontros e parcerias possíveis.
Dois eventos entre outros possíveis que sinalizam para um momento interessante para quem atua no campo da cultura, seja como fazedor, seja como gestor: o de pensar nossas práticas desde outras referências que não aquelas que caíam lá de cima em nossas cabeças, mas das que, desde baixo, vamos erguendo, revertendo o fluxo global. E materializando o dito de Torres García: nosso norte é o sul!
Referências
Néstor Gracía Canclini. Culturas híbridas. Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo, USP, 1997
Paola Karina de la Vega Velastegui. Genealogías para una gestión cultural crítica. Buenos Aires, RGC, 2024.
CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024 A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]
O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, patrocínio do Instituto Unimed, realiza o ciclo de formação GESTÃO CULTURAL PARA LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. Período de realização: 10, 17 e 24 de outubro de 2024 Horário: Encontros online às quintas-feiras, de 19 às 21h00 Carga horária total: 6 […]