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A Lia da Ciranda e a ciranda da Lia – Coluna de Alexandre Barbalho 02/05/2025

Por Alexandre Barbalho

 

Por muito tempo de minha vida, escutei meu pai tocando violão e cantando uma música que inicia assim: “Eu estava na beira da praia/Ouvindo as pancadas/Das águas do mar/Essa ciranda quem me deu foi Lia/Que mora na Ilha/De Itamaracá”. E por muito tempo achei que a tal Lia era uma personagem da cultura popular. Talvez meu próprio pai, pernambucano da zona da mata, também achasse a mesma coisa, pois nunca me falou que Maria Madalena Correia do Nascimento, a Lia de Itamaracá, existia e era uma compositora e intérprete maravilhosa. A rainha da ciranda e do mar.

Nascida em 1944 na ilha que tornou famosa com a canção, Lia é cirandeira desde jovem, mas demorou para obter reconhecimento como cantora. Passou grande parte da vida trabalhando em outras atividades (cozinheira, merendeira, empregada doméstica) para se sustentar e manter ativa sua roda de ciranda.

Foi Teca Calazans que escutou Lia cantarolando uma canção sua e acrescentou à letra original a icônica passagem: “Essa ciranda quem me deu foi Lia/Que mora na Ilha/De Itamaracá”. Com o lançamento desta música em 1967, Calazans deu visibilidade à autora que acabou gravando o disco A rainha da ciranda em 1977. Mas esse acontecimento não foi suficiente para garantir à cirandeira uma carreira musical.

Um novo rumo só ocorreu em 1998 quando participou, em Recife, do Abril pro Rock, se apresentando para mais de 10 mil pessoas, e, no Rio de Janeiro, do projeto Vozes do Mundo, no Centro Cultural Banco do Brasil. Na sequência, em 2000 gravou seu segundo disco, Eu sou Lia, que também foi distribuído na França, país onde, no ano seguinte, fez várias apresentações. Foi nessa época, início do novo milênio, que descobri que Lia, do alto de seu 1 metro e 80, era de vera. E que descoberta. Na capital pernambucana, no encerramento de algum encontro acadêmico, tive a felicidade de dançar uma ciranda puxada por ela.

Em 2008, Lia lançou seu terceiro álbum, Ciranda de ritmos, reunindo outros sons presentes na musicalidade pernambucana como frevo, coco e maracatu. Em 2019 saiu o quarto, Ciranda sem fim, com produção musical de DJ Dolores – eleito um dos 25 melhores álbuns brasileiros de 2019 pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Nessa jornada, participou dos curtas Recife Frio de Kleber Mendonça Filho e Formiga Come do Que Carrega, de Tide Gugliano, e do  aclamado longa Bacurau, também de Kleber.

Lia é Patrimônio Vivo de Pernambuco, recebeu a Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura, é Doutora Honoris Causa, pela Universidade Federal de Pernambuco, foi denominada Diva da música negra, pelo The New York Times e é considerada uma das 100 personalidades negras influentes da lusofonia, pela revista Bantumen. Ano passado foi homenageada como enredo pelo Império da Tijuca, no Rio, e pela Nenê de Vila Matilde, em São Paulo.

Desde o início de fevereiro e até 11 de maio, a CAIXA Cultural em Fortaleza apresenta a exposição Lia de Itamaracá – Cirandar é Resistir. Uma exposição pequena diante do legado gigantesco da artista, mas serve para quem não a conhece se iniciar no seu universo e no da ciranda. Em entrevista a Renata Celina de Morais Otelo e Marcílio de Souza Vieira, Lia deu a seguinte definição de sua arte: “Ciranda é todo mundo de mãos dadas, é uma dança de roda, a Ciranda não tem preconceito”. Pois viva Lia de Itamaracá, de Pernambuco, do Brasil, do mundo. Viva a Lia da ciranda tal qual a ciranda da Lia.

Referência:

MORAIS OTELO, Renata Celina de; VIEIRA, Marcílio de Souza. A Mestra da Ciranda: Entrevista com Lia de Itamaracá. Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 27, p. 458–466.

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