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Rio + 20, cultura e desenvolvimento

Como garantir a proteção dos direitos culturais e a promoção da diversidade

A reivindicação da cultura como quarto pilar do desenvolvimento sustentável não foi incluída no documento final da Rio + 20. A demanda da Cúpula dos Povos, instância representativa da sociedade civil, segue em defesa de que a formulação de políticas para o desenvolvimento considere os direitos culturais dos cidadãos. A ideia é expressa, por exemplo, na “Declaração de São Paulo sobre Cultura e Sustentabilidade” (2012) e no documento “Cultura como quarto pilar do desenvolvimento sustentável” (2010). Em entrevista ao ODC, Giuliana Kauark analisa a questão na perspectiva de seu encaminhamento na Rio + 20. Giuliana é diretora de Espaços Culturais da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia e membro do Fórum Mundial U40.

 

ODC – Como avalia os resultados da Rio + 20?

Giuliana Kauark – É inegável a importância que a Cúpula da Terra – Conferência da ONU de 1992, como inauguração do debate, e controversa a Rio+20 – Conferência de 2012, em relação ao efetivo compromisso dos países para minimizar os efeitos do desenvolvimento compreendido numa lógica estritamente econômica. Ao longo desses 20 anos, antes considerada nefasta, a palavra desenvolvimento adquire ares de solução quando é associada à idéia de sustentabilidade ou de humanidade. Sua prerrogativa é “o atendimento das necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”.

Porém, não identificamos nas decisões dos Estados, seja em suas políticas internas ou em negociações internacionais, uma tentativa de resolver os problemas atuais de justiça ambiental e social. E a Rio+20 foi uma reafirmação disso, sobretudo, com o conceito de economia verde. Como indica o professor Boaventura de Sousa Santos, as propostas da Rio+20 nos levam a uma “orgia neoliberal”: “Convencer os mercados (sempre livres, sem qualquer restrições) sobre as oportunidades de lucro em investirem no meio ambiente, calculando custos ambientais e atribuindo valor de mercado à natureza, [significa que] não há outro modo de nos relacionarmos entre humanos e com a natureza que não seja o mercado” (coluna publicada na Carta Maior, 08/02/2012).

ODC – Como analisa a atuação da sociedade civil por meio da Cúpula dos Povos?

GK – Na contramão disso, a principal iniciativa paralela ao evento foi a Cúpula dos Povos, conferência das organizações da sociedade civil, cuja principal perspectiva foi a busca por soluções alternativas, “não-capitalistas”, para a vida em sociedade. Sobretudo os temas relacionados à economia solidária, agricultura familiar, agroecologia, o impacto de grandes empresas/empreendimentos em países em desenvolvimento foram debatidos e exemplificados. Neste panorama, levamos também a discussão sobre a importância da cultura para o desenvolvimento sustentável.

Estrategicamente realizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, acredito que a principal conquista da Cúpula foi a diversificação do público que acompanhava as discussões, que conhecia novas experiências, observava quais outros modelos de desenvolvimento podem ser instaurados. Os desafios, porém, continuam os mesmos: alterar as regras do jogo definidas internacionalmente (através de acordos, tratados, declarações, taxas) que ainda priorizam os interesses financeiros, buscar por efetivas políticas públicas que contemplem as demandas das diversas camadas da sociedade, modificar os padrões hegemônicos de consumo, entre outros.

ODC – Como foi encaminhada a discussão sobre a inclusão da cultura como pilar do desenvolvimento?

GK – Acreditamos que a cultura tem um papel fundamental na superação desses desafios. Como indica Jordi Pascual, “qualquer análise crítica sobre os desafios que enfrentamos como seres humanos diz que temos as capacidades, mas nós (muitas vezes) não possuímos alguns dos recursos (ferramentas, habilidades) fundamentais para entender o mundo e transformá-lo para que se torne realmente sustentável. As capacidades são a alfabetização, a criatividade, o conhecimento crítico, o sentido de lugar, a empatia, a confiança, o risco, o respeito, o reconhecimento… Essas capacidades não estão incluídas em nenhum dos atuais três pilares do desenvolvimento. Esses recursos podem ser entendidos como o componente cultural da sustentabilidade” (artigo publicado no blog Cultura e Sustentabilidade, do MINC).

Essa foi nossa defesa: incluir a cultura como um quarto pilar do desenvolvimento sustentável. Ou seja, os planos e políticas para o desenvolvimento, além de levarem em consideração os impactos sociais, ambientais e econômicos, também pensarem nos impactos culturais e na contribuição das políticas culturais, com base nos direitos culturais dos cidadãos. Entendendo o desenvolvimento como liberdade e alargamento das escolhas possíveis para cada pessoa que vive na Terra, o Relatório de 2004 do PNUD, intitulado “Liberdade cultural em um mundo diversificado, enfatiza a importância de atentar para os valores pessoais e coletivos ao pensar estratégias de desenvolvimento para os países.

O relatório ressalta que o mundo globalizado gerou a oportunidade de conhecimento das outras culturas e de escolha sobre que caminhos seguir (desde religião até modos de vida em geral), e que é necessário apoiarmos a liberdade de escolha e os estilos de vida, como um dos principais direitos culturais. Esta é uma demanda recorrente de instituições e agentes culturais, reafirmada em declarações e documentos como a “Declaração de São Paulo sobre Cultura e Sustentabilidade” (2012) ou o documento “Cultura como quarto pilar do desenvolvimento sustentável” (2010). No entanto, no documento final da Rio+20, infelizmente, não tivemos esta inclusão.

ODC – E a discussão sobre direitos culturais no contexto das políticas públicas?

GK – Este resultado, a não inclusão da cultura nas políticas de desenvolvimento, se coloca como mais um desafio dos agentes culturais, que se soma a outros, como o reconhecimento da especificidade dos produtos e serviços culturais, do reconhecimento dos direitos culturais, da valorização da diversidade cultural. O principal documento que possuímos no momento atual é a Convenção da Unesco para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. A Convenção dá orientações aos Estados parte na formulação de políticas públicas de cultura que levem em consideração a diversidade e os direitos culturais.

A maioria dos países em desenvolvimento não possui medidas de regulação ou financiamento da cultura e tem seu consumo cultural baseado comumente em produtos advindos de países desenvolvidos ou de grandes conglomerados transnacionas que podem trazer valores bastante diversos aos daquele lugar. Esta é uma maneira bastante resumida de tratar a situação, mas é sobre isso que estamos falando quando requeremos a inclusão da cultura nas políticas de desenvolvimento. Como garantir que as futuras gerações possam expressar-se culturalmente, tenham liberdade e acesso aos diversos conteúdos culturais, possam escolher suas referências culturais, seus valores, suas identificações, sem a garantia de políticas eficazes para a proteção dos direitos culturais e promoção da diversidade?

Leia também:  Os quatro grandes fracassos da Rio+20 e o conservadorismo do Brasil.  

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