Mapeamentos culturais relacionam práticas materiais e simbólicas ligadas à diversidade, articulando práticas, espaços, eventos, manifestações de agentes e grupos, bem como a atuação de artistas das regiões pesquisadas. Têm papel importante, dessa forma, na elaboração de políticas públicas, considerando-se, em especial, a carência de dados culturais, especificamente, no que se refere às práticas externas aos circuitos hegemônicos de produção no Brasil. Para a intervenção eficiente na realidade, a construção da metodologia, a participação da comunidade e o acesso às informações disponibilizadas por esses estudos devem acompanhar o dinamismo próprio do setor cultural, como defende a coordenadora executiva do projeto e pesquisadora Ana Paula do Val (mestranda em Estudos Culturais – USP), com base na experiência do projeto Santo Amaro em Rede: Cultura da Convivência.
Segundo a coordenadora executiva da pesquisa, desenvolvida entre 2008 e 2011, pelo Sesc Santo Amaro, o estudo foi motivado pela necessidade de enfrentar o distanciamento entre as práticas culturais e os equipamentos públicos locais, assim como o desconhecimento dos gestores sobre a vida cultural do entorno da unidade do Sesc. Ao mediar o cotidiano da instituição e sua relação com o entorno – com raio de ação de aproximadamente 28 quilômetros, o mapeamento cultural disponibilizou dados sistematizados por meio do recorte de expressões, sendo que a formalização e não formalização dos grupos e coletivos consistiram em elementos centrais para definição de protagonistas culturais da localidade, ainda de acordo com Ana.
Como resultado, apresenta perfil sociocultural da região extremo sul da Cidade de São Paulo, por meio de amostra qualitativa e quantitativa de 323 práticas culturais e artísticas, em suas dimensões sociológicas e antropológica. Na avaliação da pesquisadora, contribui para “desconstruir imaginários estigmatizados e desvela a diversidade cultural dos modos de vidas, expressões artísticas, ativismo e intervenções ético-estéticas; abrange formas singulares de construir cartografias sobre o espaço e pertencimento que emergem de um sentido de viver e conviver no espaço urbano, a cidade”. As questões relacionadas ao meio ambiente destacam-se no universo pesquisado, uma vez que grande parte das regiões está situada em áreas de mananciais. Com dados relativos a ações e grupos que desenvolvem atividades relacionadas ao assunto, a instituição pode hoje articular pautas e estruturar ações em outras regiões.
Conhecer virtualidades e contradições dos territórios contribui, ainda de acordo com Ana Paula, para ações programáticas relacionadas à educação não formal, conforme demandas específicas. Com o mapeamento foi possível também ampliar parcerias para realização de atividades nas regiões. Para isso, foram desenvolvidos critérios de articulação em rede de forma a analisar os impactos das práticas no território. “O mapeamento não só desvelou práticas culturais coletivas, como também desenhou coletivamente com os técnicos da instituição suas linhas de ação cultural. As linhas foram concebidas, mas somente algumas delas foram postas em prática no curso da pesquisa, afinal, transcendiam a determinações técnicas”, lembra.
Percurso
Para construção das etapas e obtenção de dados quantitativos e qualitativos, o mapeamento constituiu-se como próprio método de pesquisa, por meio de constante avaliação e monitoramento do processo. O objetivo inicial da equipe consistia em mapear grupos e entidades formalizados no entorno imediato da nova sede do Sesc, situada no Largo 13, região de comércio popular da zona sul de São Paulo e portal de ligação com a periferia sul da cidade – local, portanto, de grandes enclaves urbanos e sociais do espaço.
O processo de formação realizado com os técnicos do Sesc Santo Amaro revelou, no entanto, contradições no local de grande fluxo de populações flutuantes em trânsito entre a “cidade formal e informal”, ligada à ampla diversidade de práticas culturais coletivas na região. Descobrir peculiaridades locais e compreender o cenário desconhecido foi fundamental, conta a pesquisadora, para mapeamento do contexto cultural do extremo sul da cidade e municípios vizinhos, com a incorporação de 17 distritos e subprefeituras de SP, além dos municípios: Taboão da Serra, Itapecerica da Serra, Embú das Artes e Diadema. “Quanto às expressões mapeadas, também houve um processo de discussão sobre o conceito de cultura no seu sentido antropológico, que alargou a proposta para um mapeamento da diversidade cultural, que incluísse grupos, coletivos, entidades, artistas, associações, terreiros, equipamentos, campos de várzea, entre outros”, relata.
O percurso de pesquisa revelou o que estava “opaco à produção cultural hegemônica”. Ela destaca que a noção de expressões culturais também foi ampliada para práticas de cultura alimentar, culturas da mente e do corpo, meio ambiente, terceira idade e tradições – cultura de povos de terreiros, afrodescendente, cultura indígena e memória, educação não formal – arte e cultura, direitos humanos, gênero, juventude, cultura alimentar, esporte e lazer – e meio ambiente.
Interação
“Para que os jovens agentes culturais (18 a 29 anos) fossem a campo e pudessem extrair impressões para além das entrevistas, trabalhamos com o conceito de “artesão intelectual”, de Wright Mills, envolvendo-os em processo de formação que articulou conteúdos teóricos e empíricos por meio de metodologias que pudessem explorar não só os métodos antropológicos e sociológicos de se ler a realidade, mas também operassem no campo da arte e da cultura, compreendendo o pesquisador de campo um decodificador de realidade e, ao mesmo tempo, um mediador sociocultural”, sintetiza. A equipe de pesquisadores realizou curso de formação com duração de cinco semanas para ampliar recursos conceituais. Os critérios de seleção dos agentes foram, de acordo com Ana Paula: criatividade, participação em coletivos, grupos ou ações culturais das regiões mapeadas, articulação em redes, estudos em áreas correlatas aos temas do mapeamento e equidade de gênero e etnia.
Ana Paula destaca a qualidade do relacionamento dos pesquisadores com os agentes culturais locais, principalmente, por meio de entrevistas. Tendo o diálogo como norte do mapeamento, o Sesc estreitou relações com os grupos pesquisados e promoveu mais de 150 ações artísticas e culturais no decorrer da pesquisa com grupos, coletivos, artistas, entidades e demais agentes. “Ir até o local da prática era uma forma de tentar entender em um contexto mais amplo, como aquela prática se encaixava naquela região de inserção, seus diálogos e divergências com o entorno, entre outros. A identificação territorial também foi um ponto favorável no perfil dos pesquisadores, embora nem todos eles fossem da zona extremo sul, mas dialogavam com as práticas, então eram muito mais abertos a ouvir e serem ouvidos”, diz Ana Paula.
Durante a pesquisa, as informações sobre o projeto foram disponibilizadas, em portal com filtro de atividades e territórios que podem ser cruzados e visualizados. A plataforma leva à página do grupo mapeado que pode alimentar o site de informações, além de disponibilizar dados sobre a metrópole, entre outros assuntos. A interface gráfica funciona como instrumento de apoio à gestão cultural em sua relação com os territórios mapeados. “O acesso às informações deste mapeamento é importante para todos os agentes envolvidos nestas práticas culturais coletivas, para que se compreendam modos de vida, a gestão e o desenvolvimento cultural, sobretudo na esfera local, onde poderíamos vislumbra-lo como uma ferramenta de planejamento de ações, amparada por dados quantitativos e qualitativos que o próprio mapeamento irá gerar, à medida que possa ser entendido como processo constante de atualização”, reforça a pesquisadora.
As informações permitem o compartilhamento da experiência com outras unidades do Sesc SP, no que diz respeito à programação nas unidades, mas também é ponto fundamental para a inserção de novos grupos e possível mapeamento da cidade ou estado de São Paulo. “O Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) de fomento artístico e cultural para jovens nas periferias da cidade, com valor aproximado de R$ 23 mil via edital público, é dos poucos recursos públicos que estes protagonistas acessam, diante de demanda enorme por financiamentos e meios de produção artística e cultural”, enfatiza.
Agentes artísticos e culturais, assim como pesquisadores envolvidos, aproximaram-se em função dos encontros virtuais e durante cafés da manhã realizados pelo Sesc. Nessas ocasiões, a discussão de parcerias proveitosas para a região e o incentivo à participação na programação da unidade reforçaram a integração como premissa do processo de mapeamento cultural. “É de extrema importância que os gestores de cultura e governos compreendam o quanto é importante promover processos de mapeamento que não percam de vista o vigor em produzir informações, mas que contemplem, ao mesmo tempo, um processo de diálogo transparente e democrático e de construção coletiva, pois estes elementos garantirão que o mapeamento possa ser instrumento de gestão que possibilite a participação horizontal e de todos que queiram se envolver com o processo”, conclui Ana Paula.
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