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Expansão da cena cultural em Belo Horizonte: uma reflexão crítica

*Laísa Bragança

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Foto Bianca Sá – Acervo Muquifu

“Cai por terra a velha máxima de que não há nada para fazer em BH. O cidadão tem à disposição atrações gratuitas e de qualidade”[1], afirma jornalista na reportagem publicada em outubro de 2013 no jornal Estado de Minas.

É visível o momento de efervescência cultural vivido por Belo Horizonte. O cenário cultural da cidade tem se modificado a passos largos. Desde o ano de 2010, diversas instituições culturais se instalaram na região central da cidade, a exemplo do complexo de equipamentos do Circuito Cultural da Praça da Liberdade – que atualmente conta com onze espaços em funcionamento -, da inauguração do SESC Palladium em 2011, do Teatro Bradesco em 2012, do Centro Cultural Banco do Brasil em 2013 e do Cine Theatro Brasil Vallourec em outubro do mesmo ano.

Em contraposição às ações geridas diretamente pelos setores públicos e privados, movimentos espontâneos de criação ou de apropriação de espaços para a cultura, conduzidos por grupos populares ou coletivos organizados, expandem a cena trazendo vida cultural à espaços como o Muquifu (Museu dos Quilombos e Favelas Urbanas), no Aglomerado da Santa Lúcia, e o Espaço Comum Luiz Estrela, no bairro Santa Efigênia. Estas iniciativas marcam a cristalização de novo fenômeno: a percepção dos espaços consagrados à cultura como um direito de todos, como lugar contemporâneo de resistência, de reação e participação.

É importante igualmente mencionar o surgimento de uma série de eventos temporários de grande porte nos últimos anos, como a Noite Branca, a Noite dos Museus e a Virada Cultural de Belo Horizonte. Exposições de forte apelo popular, a exemplo da “Magia de Escher”, que atraiu cerca de 200.000 visitantes às galerias do Palácio das Artes, e exposições grandiosas nos espaços públicos, como a “BHAsia – Ásia ocupa a cidade”, têm se tornado mais frequentes no cotidiano da cidade. Além destas duas atrações internacionais, somente durante o mês de outubro de 2013, três outras atrações gratuitas estiveram à disposição do público: a exposição em homenagem a Tomie Ohtake na galeria do Minas Tênis Clube, a exposição de Candido Portinari no Cine Theatro Brasil e o Vagão Cultural em homenagem aos 90 anos do escritor Fernando Sabino na Praça da Liberdade.

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Exposição A Magia de Escher – Foto: Carlos Roberto/Hoje em Dia

O surgimento dessas iniciativas, de ordem pública, privada, ou mesmo independente, vem efetivamente contribuindo para o desenvolvimento e a expansão do setor cultural na capital mineira. Contudo, o crescimento expressivo dessa parcela da cadeia da cultura, no que concerne à oferta de equipamentos, bens e serviços culturais, mostra-se ainda desvinculado de ações concretas com foco na demanda. Com tantos espaços e manifestações culturais à disposição da população, o grande desafio que se apresenta para gestores e instituições hoje diz respeito à formação de novos públicos para a cultura.

Pode ser equivocado vislumbrar a criação de hábito por efeito apenas de um acesso facilitado à cultura. Os resultados de uma pesquisa sobre os públicos da cultura, realizada pelo SESC e a Fundação Perseu Abramo por meio de 2.400 entrevistas em 139 municípios, recentemente apresentados em Belo Horizonte, nos fornecem alguns elementos para refletir sobre a questão.

A sondagem teve por objetivo investigar os hábitos e as práticas culturais do público brasileiro e revela dados espantosos: 75% dos entrevistados nunca foram a espetáculos de dança ou balé no teatro; 71% nunca estiveram em exposições de pintura, escultura e outras artes; enquanto 61% nunca assistiram a uma peça de teatro. Além disso, dentre os principais pretextos mencionados pelos entrevistados para não realizarem tais atividades, figura o “não gostar de determinadas atividades”.

Mas é preciso ir além desses resultados apresentados e resgatar certas ponderações que vão de encontro à realidade cultural aqui examinada. Neste sentido, a pesquisa nos mostra que as questões associadas aos hábitos e práticas culturais não se esgotam unicamente por meio de políticas de oferta. A proporção de razões para a não realização de práticas culturais ligadas ao fato dos entrevistados não terem costume e/ou não acharem interessantes/importantes alguns desses tipos de atividades, por exemplo, é significativa.

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De onde vieram os tipos – Acervo Espaço Comum Luiz Estrela

Portanto, se, por um lado, o vigor da oferta de bens e serviços culturais observado na cidade de Belo Horizonte tem facilitado o acesso dos já habituados às visitas ao patrimônio e às produções artísticas especializadas, por outro, uma parte importante da população encontra-se à margem da dinâmica cultural oferecida. Diante disto, torna-se imperativo criar condições para que aqueles que não possuem intimidade com as produções artísticas especializadas e/ou o hábito de visitar museus e centros de cultura, incorporem novas praticas culturais em seu cotidiano, passando a se apropriarem desses espaços de forma espontânea.

No plano das ideias, isso significaria um deslocamento equilibrado do foco nas políticas e ações para a cultura, da oferta para a demanda, ou seja, da obra para o indivíduo e sua subjetividade. Na prática, os setores públicos, privados e a sociedade civil deveriam, juntos, definir políticas objetivando maiores investimentos em educação formal e não formal, em práticas de mediação cultural, na realização periódica e sistemática de diagnósticos relacionados às práticas culturais dos públicos locais, na valorização da produção e na sustentabilidade dos grupos artísticos comunitários, amadores e especializados que compõem nossa coletividade, bem como na instalação descentralizada de novos equipamentos, de pequeno porte, que atendam às necessidades de experimentação, criação e expressão de valores os mais diversos.

Todo o empenho para estimular uma nova demanda por equipamentos, bens e serviços culturais não deveria servir apenas para evitar que as plateias dos espaços de cultura da cidade fiquem vazias ou para evitar frustrações financeiras de gestores, produtores ou patrocinadores; nem somente com vistas, por exemplo, à figuração de Belo Horizonte na lista das cidades mais criativas do país.

Aliás, o que torna uma cidade criativa é justamente a criatividade de seu povo, diria Ana Carla Fonseca Reis, economista e porta-voz da temática no Brasil. E se a criatividade está relacionada a ter uma nova ideia e uma nova ideia só pode ser processada pela mente humana, tendo sua origem na confrontação de uma visão de mundo com outras formas de percepção da realidade, mais uma vez, o foco das ações culturais volta-se para o indivíduo e sua subjetividade. Portanto, a ação de estimular a demanda deveria servir, prioritariamente, para que os espaços de cultura da cidade extrapolem a zona de conforto que vêm ocupando em jornais, em discursos político-institucionais e em relatórios financeiros, para cumprir efetivamente seu objetivo maior: o da formação humana, individual e coletiva, por meio da promoção do exercício do pensamento, da reflexão e da crítica, convocando cada indivíduo ao protagonismo, à inovação nos modos de ver, fazer, sentir, interpretar, relacionar e agir sobre o mundo.

* Professora da disciplina Gestão de Espaços Culturais do curso Desenvolvimento e Gestão Cultural do ODC, mestre em “Cultura e Comunicação – Politicas e Indústrias da cultura, da informação, da comunicação e das artes”, pelas Universidades Paris XIII e Paris X, e doutora em Gestão – Management de Eventos Artísticos e Culturais – pela Télécom École de Management SudParis.

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[1] Galeria BH, por Sérgio Rodrigues Reis. Jornal Estado de Minas, 26/10/2013

 

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