IMAGENS DA DIVERSIDADE

Ciganos, por Laís Rodrigues

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Acompanhe o testemunho de Laís Rodrigues sobre a construção de um ensaio fotográfico junto a um grupo de ciganos, em Belo Horizonte. Ela descreve suas impressões sobre a cultura, as difíceis condições sociais do grupo e também suas perspectivas de trabalho com os ciganos que moram perto de sua casa, no bairro São Gabriel, em péssimas condições de vida.

“Minha família mora no bairro São Gabriel há quase 50 anos, então, sempre soubemos da presença do acampamento dos ciganos na região. De uns tempos pra cá, amadurecendo e mudando minha cabeça, comecei a me questionar muito sobre como eles conseguiram viver tanto tempo em péssimas condições de vida. Peguei-me cada vez mais curiosa sobre eles, sobre a história, sobre a cultura. Acontece, porém, que muitos têm ideias muito preconceituosas baseadas em mitos e generalizações sobre os ciganos. Eu tinha certeza que havia algo de errado nessas ideias e resolvi me aproximar. Passei, inclusive, por resistência da minha própria família quanto a esse contato.

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Lá, a situação se mostrou pior do que imaginava: percebi o quanto estão precisando de ajuda. Vivem há mais de 30 anos sem saneamento básico, sem estrutura física suficiente para moradia, vítimas de enchente, desmoronamentos, chuvas de granizo que destroem as barracas, ratos, etc.

Vi que os movimentos sociais, inclusive os que acompanho, pouco ou nada sabem sobre a situação deles. Pensei que eu poderia fazer esse “meio de campo”: levar o apoio popular para contribuir com uma realidade que parece sofrer imenso descaso do governo. Essas fotos surgiram desse processo, como os primeiros passos de um projeto que quer dar visibilidade e melhorias à uma cultura que sofre o esquecimento e o preconceito diariamente.

Os primeiros contatos foram somente para conversar, conhecer. Foi muito gostoso descobri-los, ainda mais por sermos vizinhos! Depois de conhecer mais a situação, juntei com algumas pessoas, inclusive o Carlos Amaral, cigano e presidente da Associação Cigana Guiemos Kalon, para formar equipe de apoio com o objetivo de avançar com força na luta cigana. A ideia não é apenas fazer fotografias. Queremos fazer um documentário, fazer um site para a associação, correr atrás da legislação cigana, melhorar a estrutura do acampamento, construindo centro comunitário, espaço para as crianças, horta comunitária, etc. Fazer um projeto grande que una todas essas forças que estão dispostas a contribuir com essa etnia. É um projeto grande, mas estamos dando os passos com calma e delicadeza.

Nesse processo, surgiu essa oportunidade de participar de uma exposição de arte no Centro Cultural da UFMG sobre relações étnico-raciais. Liguei pro Carlos e pensamos juntos que seria a oportunidade perfeita de dar os primeiros passos para mostrar mais a cultura cigana, que mesmo em discussões sobre etnias ficam no esquecimento, já que a maioria só engloba índios e afrodescendentes. Feita e aceita a proposta, fui no acampamento e perguntei à eles o que queriam que eu fotografasse, o que queriam mostrar da cultura. Ronan, cigano e vice-presidente da associação, me deu algumas coordenadas, para fotografar barracas, os idosos, as crianças, e assim o fiz.

A mulher dele me guiou no acampamento (que é enorme!) e as fotos foram surgindo. As crianças ficaram animadíssimas! Todas elas queriam fotos, principalmente as meninas. Foi muito gostoso a recepção. Os idosos têm uma sabedoria percebida até pelo olhar, é um encanto! Essa primeira “leva” de fotos levaram dois dias, já que o prazo da exposição estava bem próximo. Após a realização das fotos, dei uma cópia de cada imagem para cada fotografado.

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Às vezes fotógrafos registram uma comunidade ou uma cultura e as fotografias fazem sucesso no mundo inteiro em livros caríssimos, mas fico pensando se o próprio fotografado já viu e se tem sua foto. Toda vez que vou lá perguntam pela minha câmera e pedem fotos.

A primeira dificuldade talvez seja entender e conhecer de fato a cultura cigana, porque é muito vasta e muito rica. Acredito que nunca conhecerei tudo, estarei sempre aprendendo e me encantando. Como é um acampamento muito grande e que estava dividido em dois lotes um pouco distantes um do outro, a comunicação me pareceu difícil. O presidente vive muito ocupado, cheio de reuniões, e não conseguiu avisar a todos da realização das fotos. Então fui me apresentando aos que ainda não conhecia por mim mesma. De um modo geral, são muito receptivos. Você se aproxima da barraca e muitos já pegam cadeiras pra você se sentar. Parece que gostam e/ou já estão acostumados a esse esquema de sentar para contar histórias.

Como é um projeto em andamento, não posso dizer ainda o que eles me trouxeram de aprendizado porque eu continuo aprendendo. De fato, conhecer uma cultura que tem sua origem na Índia é para mim um contato privilegiado com um conhecimento muito antigo e enriquecedor. Fico triste de pensar quanto tempo perdi de não ter me aproximado deles antes. Mas acredito também que tudo tem seu tempo e que tudo vai acontecer quando as coisas estiverem de acordo. Sempre fiquei encantada com a quantidade de cores e como sou das artes visuais, isso sempre pegou minha imaginação. Têm tecido em todas as partes. Tecidos na frente das barracas, tecido na mesa, nos armários, na cama… É muito diferente, já que a tendência parece ser ambientes cada vez mais claros e “cleans”.

Eles têm dialeto próprio, horários de refeições diferentes, são muito festivos. O que mais me encanta, porém, é o modo como organizam as barracas. A cama fica no meio, como o centro de uma mandala, e ao redor estão a geladeira, fogão, panelas, roupas, televisão, etc. Isso, somado a grande presença de tecidos coloridos, tornam a barraca muito confortável, muito aconchegante. Acho incrível o modo como existem e resistem com seus próprios costumes no meio de outra cultura que os coloca em uma situação de descaso.

Nenhuma palavra conseguirá e nem pode defini-los de fato. Tem que ir, entrar, conversar, ouvir o sotaque, ver os vestidos, os cabelos compridos, os dentes de ouro, a receptividade, a alegria. Tem que sentir mesmo uma energia nova muito animada que tem maior orgulho de se mostrar. De início, na verdade, eu não sabia exatamente como poderia ajudar, como ativista e como fotógrafa. O que fiz foi indagar-me e perguntar ao Carlos como a minha fotografia poderia contribuir com eles. Acho que ainda estou descobrindo e eles também.

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Acontece que, pelo pouco contato que as pessoas têm com uma comunidade cigana, inclusive, no meu meio de convivência, trazer essa informação que quebra os preconceitos e abre o olho de muita gente é muito importante. Acho que quem está próximo a mim vai receber um conhecimento maior para repensar as atitudes e pensamentos e vai, de alguma forma, disseminar isso. E assim por diante.

Até mesmo dentro da minha casa eu sentia o preconceito da família, mas hoje, acompanhando o processo, percebo que têm um respeito maior e que repensaram muitas coisas. Minha mãe já até foi comigo lá e voltou meio chocada de como fazem pra sobreviver nas atuais situações. Não tem jeito, quem se aproxima sente na hora que as coisas são muito diferentes do que os mitos dizem. As pessoas têm preconceito porque não têm conhecimento suficiente para perceber que não é bem assim e acabam repetindo um discurso falso sem perceber. Isso prejudica os ciganos mais do que a gente imagina. Muitos têm que deixar os costumes ciganos em certas ocasiões e “disfarçar-se”, esconder que é cigano para conseguirem ter acesso a hospital ou banheiro público.

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Quando você mostra uma fotografia, conta alguma coisa, apresenta-os, certamente vai gerar uma desconstrução que pode render bons frutos. Imagina então se eles mesmos se apresentassem! É um dos nossos objetivos. Ainda mais por eu estar em um meio acadêmico e envolvida com movimentos sociais. A ideia é levar cada vez mais a informação e conseguir cada vez mais apoiadores!”

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6 Comentários para “Ciganos, por Laís Rodrigues”

  1. Avatar Vanessa disse:

    Lais SENSACIONAL SUAS FOTOS e sua sensibilidade…

  2. Lindo isto Lais, sua sensibilidade é o que o mundo precisa!!! Não vejo a menor possibilidade de me afastar de você e nem das pessoas que você ama, penso que somos ramificação desejada para as utopias em busca de um tempo fraternal em nossa curta estada no ambiente corpo. Viva o ciganos!!!

  3. Avatar Cássia Ap. F. Pruschinski disse:

    Eu conheci um cigano e me apaixonei por ele, já faz três anos que estamos juntos, ele viaja muito mas sempre volta para os meus braços. Nós nos damos muito bem, mas ele fala que não consegue viver dentro de uma casa que se sente preso. Ele fala para mim: tu és minha guria, minha moleca, ti gosto muito.

    1. Avatar Lais Rodrigues disse:

      Linda história Cassia! Entre em contato comigo!
      laisrm.fotografia@gmail.com

    2. Avatar ju disse:

      mas vc nao pode acompanha lo nao?

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