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Do Pistoleiro aos Twitteros

No dia 05 de janeiro, a manchete dos jornais cearenses era uma só: o assassinato de Idelfonso Maia da Cunha, o Mainha, o mais temido dos pistoleiros do estado. Quem matou estava em um Citröen preto e efetuou pelo menos 14 disparos. Mainha tinha 55 anos e morreu quando, montado em um burro, ia em direção ao sítio onde vivia, cumprindo regime semi-aberto. Era acusado de vários crimes, mas corria à boca pequena que o número de mortos era mais de cem.

Ele negava esse tanto todo. Mainha era um pistoleiro da velha guarda, que ainda guardava um certo código de conduta. Estudou em colégio de padre e trabalhava na roça até ser chamado para o mundo do crime. Dizia-se um justiceiro, pois matava só por vingança. Para fazer justiça a amigos ou parentes. Seu enterro, em Castanhão Novo, interior cearense, foi acompanhado por centenas de pessoas. Dizem até que ônibus e topics foram fretados para transportar curiosos de cidades da região que queriam ver o matador morto.

No dia 05 de janeiro, recebo em minha caixa de correio eletrônico, um e-mail intitulado “Jovens pregam assassinato de Dilma no Twitter‏”. O texto fazia referência ao blog Curso Básico de Jornalismo Manipulativo (http://cbjm.wordpress.com/2011/01/01/a-perigosa-catarse-da-oposicao-derrotada) que coletou bem mais de uma centena de mensagens no twitter de jovens expressando seu desejo que algum pistoleiro assassinasse a presidenta eleita do Brasil, Dilma Rouseff, no dia de sua posse em Brasília.

(Talvez fossem eles e elas os que, após a derrota de Serra, pregaram a morte de nordestinos e nortistas. Talvez entre eles estivessem os garotos que espancaram outros em plena Avenida Paulista com o pretexto de que estes eram homossexuais. Talvez fossem os mesmo que transformaram jovens obesas em montaria na festa de alunos da Unesp-Araraquara. A “brincadeira” se intitulava inocentemente “rodeio de gordas”).

Ingrid Fraga, por exemplo, proclama: “Vendo a Dilma chegar de Rolls Royce, lembrei do Kennedy… Não tem nenhum atirador de elite aqui? O alvo é gordinho…”. Já a Dominique Fonseca não quer só a morte da atual presidenta, mas também de seu antecessor: “Essa é a hora do atirador agir… Lula e Dilma dando mole bem na hora da posse…”.

O Fabiano Cisticerco faz um apelo desesperado: “Algum atirador de elite está on-line? Só avisando que daqui a pouco a Dilma vai desfilar em carro aberto”. E a Rayane Belo está danada da vida com sua diversão predileta: ficar assistindo TV. O problema é que “Hoje a tv vai encher o saco com a posse da puta da Dilma. E o atirador? Já está pronto?”.

O que há de comum entre o pistoleiro cearense morto e a centena de jovens twitteros que desejam a morte da presidenta do país? Diria que é o autoritarismo sócio-cultural que permeia nossa história desde o período colonial. Ele vai se adaptando aos novos tempos, claro. Mas o patrimonialismo, o clientelismo, o favoritismo, a cordialidade, o cumpadrio e outras mazelas mais, apontadas e interpretadas por vários leitores do Brasil, permanecem. Elas dão um jeitinho e chegam ao novo milênio.

Assim, há uma sincronia entre o pistoleiro que mata por favor ou por relação de parentesco e a garota classe média que prega a morte da presidenta eleita democraticamente. Mainha e Ingrid são contemporâneos em suas perversidades.

Ps. Para escrever esse texto, fui ao blog Curso Básico de Jornalismo Manipulativo e vi lá outra expressão do autoritarismo que grassa nesse país: no dia seis de janeiro, a torcida do Flamengo em vigília defronte o hotel Copacabana Palace é classificada por twitteros como “arrastão”, “ralé, “assaltantes”, “traficantes”, “marginais”…

*Alexandre Barbalho é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e professor dos PPgs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC onde pesquisa sobre políticas culturais e de comunicação e sobre cultura das minorias. Autor e organizador de inúmeros livros entre os quais: Relações entre Estado e cultura no Brasil (1998); Comunicação e cultura das minorias (organizado junto com Raquel Paiva – 2005); Políticas culturais no Brasil (organizado junto com Albino Rubim – 2007) e Brasil, brasis: identidades cultura e mídia (2008).

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