Iniciaremos aqui uma série de três textos sobre o tema do financiamento da cultura, para ajudar nas reflexões sobre o momento que vivemos e para clarear quais caminhos e desafios temos pela frente. O assunto é tão delicado, complexo e importante para a promoção da diversidade que precisa ser apresentado sob diversas ópticas de modo a compreender melhor tudo que o cerca. Começaremos por tratar da “ampliação da discussão”.
Em estudo anterior sobre fomento e financiamento (OLIVEIRA Jr, 2011, 116-122) pontuamos sobre o desafio de compartilhar responsabilidade para cidades melhores. Naquela ocasião, desenvolvemos a conceituação de três princípios de financiamento da cultura (Público, privado, fomento), passando pelo estudo de diversos modelos de financiamento pelo mundo, para contribuir criticamente para o debate sobre este tema. Quase cinco anos depois de começarmos a escrever aquele texto, queremos retomar um apontamento nele presente para aprofundá-lo, dada sua atualidade:
O que o investimento público pode e deve garantir e o que o investimento privado efetivamente financia […] falar em fomento e financiamento não pode resumir-se a discutir quanto cada esfera do poder público vai investir em cultura, saúde, defesa ou agricultura. É importante que o quanto seja colocado em pauta como item importantíssimo, mas a pauta vai além de valores financeiros e toca outra natureza de “valores” (OLIVEIRA Jr, 2011, p.122-123)
Além da percepção da crise de viabilização que vivemos no país atualmente, com tanta discussão sobre o fim de recursos de algumas leis estaduais, dos critérios de aprovação ou de priorização, de que alguns empreendedores são mais beneficiados, as discussões principais ainda precisam entrar efetivamente na pauta: Quais devem ser as prioridades do estado? Como conciliar o interesse público com os diversos interesses legítimos de uma produção cultural cada vez mais pujante no país, se não houver recursos suficientes? Se a Cultura deve ser garantida como direito básico do cidadão, como tratar a questão sob a perspectiva do financiamento vacilante entre princípio público e princípio privado (que, no geral, acontece no mecanismo de renúncia fiscal)?
Convocamos uma abordagem de BARROS (2010) que utilizamos àquela época para uma imagem mais clara de como queremos desenvolver a presente provocação:
Vocês imaginariam uma escola que só abriria e teria um professor em sala de aula se uma empresa patrocinasse aquele professor ou aquela aula? Vocês imaginariam um leito de hospital que só estaria aberto a alguém se houvesse uma empresa ou uma lei de incentivo que patrocinasse e colocasse nele uma placa dizendo que esse leito é patrocinado pela lei de incentivo à saúde? Mas é assim que a cultura vive hoje. E não é assim que vamos encontrar o lugar da cultura no desenvolvimento[…] Projetos são meios, não são fins. (BARROS, 2010, p.16)
Não queremos tomar o momento atual como “momento de crise”, mas como momento de explicitação dos problemas que talvez tenham ficado ocultos pelos resultados positivos da atividade econômica, que significaram aportes razoáveis de recursos para diversas cidades. Se pensarmos bem, as capitais e grandes cidades estão vivendo agora a escassez que a maioria das cidades do interior vive desde sempre.
O que hoje chamamos problema (representado em frases que ouvimos entre artistas e agentes culturais “acabaram os recursos da lei estadual”, “tem alguns proponentes que concentram a aprovação e captação de recursos”, “na lei federal os maiores beneficiados são do eixo rio-são Paulo”) apenas oculta as reais questões que precisam ser enfrentadas. Talvez por medo eleitoral de tomar medidas impopulares mas que recolocassem o interesse público no centro das preocupações do estado com a cultura, deixamos quase vinte anos as coisas como estão no modelo de financiamento da cultura.
Falamos em vinte anos tomando como base a aprovação do acréscimo do parágrafo no artigo 18 da lei federal de incentivo à cultura, o qual deu 100% de dedução para projetos de determinadas áreas. Este ponto, inclusive, é um dos principais em pauta na alteração proposta pelo PROCULTURA. Enquanto no âmbito federal a tentativa é definir 100% de dedução apenas para propostas que atendam especificamente às prioridades traçadas pelo CNPC (Conselho Nacional de Política Cultural) e pelo PNC (Plano Nacional de Cultura), no âmbito estadual em Minas Gerais, por exemplo, a tentativa de alguns anos e que se tornou realidade foi em outra direção, reduzindo a participação própria da empresa para patamares que se aproximam da dedução integral (patamares de 5%, 3% e 1%).
Foram feitas diversas propostas quando da discussão desta alteração de dispositivos da legislação existente. Uma delas propunha que se mantivesse o percentual de 20% de participação própria da empresa e este valor fosse aplicado diretamente no Fundo Estadual de Cultura. Outra propunha que o percentual menor de participação própria acontecesse somente no interior do estado e em situações específicas.
Independente da validade ou não destas propostas, a situação ainda é a mesma: não discutimos o modelo de financiamento, mas apenas dispositivos dos mecanismos. Estamos falando de algo como tinta nova em pintura velha, remendo novo em roupa velha. Uma análise dos números globais da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais (LEIC) e o Fundo Estadual de Cultura (FEC) entre 2009 e 2013 aponta um problema que nos ajuda a pensar nas reais preocupações que deveriam nos orientar.
A diferença gritante entre o montante aplicado pelo estado por meio de renúncia fiscal e por meio do Fundo de Cultura deixa transparecer que, antes de simplesmente pontuarmos que o recurso disponível por meio da renúncia fiscal para o ano de 2014 terminou em Março, deveríamos nos perguntar se a priorização feita pelo ente federado é a que melhor atende ao interesse público. (A título de exemplo, a análise é relativa ao estado, mas aplica-se quase da mesma forma também à lei federal de incentivo à cultura):
Vale ressaltar que, enquanto o orçamento do Estado vem aumentando ano a ano (14,37% de 2009 para 2010; 18,77% de 2010 para 2011; 15,50% de 2011 para 2012), o referente à cultura diminui à média de 0,01% ao ano […] A Lei Estadual de Incentivo à Cultura teve suas variações quase sempre positivas ano a ano […] entre 2009 e 2013, a cada R$ 1,00 investido através de Fundo Estadual de Cultura houve R$ 11,42 investidos por meio da renúncia fiscal. (BARROS, José Márcio, OLIVEIRA Jr, José, 2013, p.240)
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CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024 A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]
O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, patrocínio do Instituto Unimed, realiza o ciclo de formação GESTÃO CULTURAL PARA LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. Período de realização: 10, 17 e 24 de outubro de 2024 Horário: Encontros online às quintas-feiras, de 19 às 21h00 Carga horária total: 6 […]
O que entendo é que existe um equívoco de identidade. O Ministério da Cultura e qualquer Secretária de Cultura não pode se comportar e pensar como um ministério financiador ou viabilizador de obras. Isto seria falta de entendimento de sua função e importância. No campo federal, viabilizar obras é função da FUNARTE . Ela existe para isso. Entendo que qualquer pensamento neste sentido deve ser direcionado a ela. Inclusive leis de incentivo e todos os editais neste sentido. Simples assim.
O MinC tem função articulista, deve entender e assumir como ponte da cidadania brasileira pela forma de reconhecimento de seu povo com sua identidade cultural. O Cultura viva caminha neste sentido e deve aumentar cada vez mais, para sim, ser formador do pensamento, dar condições para o Ser artista. É assim que se forma público, conceito, pensamento. Isso é uma revolução cultural.
Este posicionamento requer articulação, desenvolvimento de estratégias com todas as áreas, ou podemos dizer, ministérios. Que o ministério da educação e comunicação são evidentemente reconhecidos como parceiros é fácil entender. Mas é preciso mais. É preciso saber que não se discute por exemplo direito autoral sem ter o Ministério da Justiça como aliado. Não se discute direitos de trabalho sem ter o ministério do Trabalho. E Imagine se estes tantos festivais realizados tivessem uma conversa em mesmo idioma com o Ministério do Turismo? A parceria com todos os ministérios, traz além de concretização de um plano, rendimento para o artista, o qual seria impossível de esperar apenas contando com o MinC.
No mais, são favas contadas e recontadas e não me interessa mais recontar.
Sua questão é pertinente. Quando perguntamos qual a função do Estado ou o que o Estado deveria financiar, com certeza está implícita a perspectiva de se pensar se quem está à frente dos órgãos de cultura sabem com certeza para que servem os órgãos de cultura, as políticas de cultura, etc.
A função articuladora por parte dos órgãos públicos de cultura deve entrar na pauta sim, principalmente na perspectiva do próximo artigo que traremos, discutindo as responsabilidades de cada ente federado. Para muitos colegas de pesquisa sobre o tema o Ministério da Culura deveria assumir uma postura de grande articulador nacional, seja em termos de recursos que de ações de maior alcance em todo o país.
A intersetorialidade é realmente muito importante, Gilberto, e pouco presente nestas grandes discussões. Quantos projetos socioculturais poderiam ter recursos das secretarias de desenvolvimento econômico e social?
Vamos continuar a discussão nos próximos dois textos, principalmente porque o objetivo do que propusemos como Observatório é contribuir qualitativamente para o momento de definições que estamos vivendo. Sair das discussões mais óbvias e das necessidades mais imediatas (sem esquecê-las, claro, mas colocando-as no plano mais amplo das políticas públicas, de médio e longo prazo).