Muito embora a noção de diferença sexual seja recente na história da humanidade, datada dos fins do século XVIII, durante os dois séculos seguintes essa diferença anatômica serviu de justificativas para intensas regulações e intervenções nos corpos masculinos e, sobretudo, femininos. Este último considerado apenas um tipo inferior do primeiro e o chamado modelo de sexo único ganhou posteriormente um novo estatuto ao ser biometricamente caracterizado e diferenciado.
O sexo feminino, agora entendido em si mesmo, foi alvo de investigação intensa. Seus contornos, movimentos, genitálias, seus comportamentos e desejos eram fonte de conhecimento não apenas anatômico como também moral. O que poderia se esperar; de uma mulher que revelava os calores vindos de suas partes baixas? De uma jovem, bem casada, que ansiava pelo carinho íntimo de seu marido?
Por muito tempo, estas mulheres foram monitoradas por equipes psiquiátricas e muitas delas passaram parte ou mesmo o resto de suas vidas em hospitais pelo simples fato de desejarem outros corpos junto aos seus, por serem apaixonadas por seus maridos – que delas só pareciam desejar companhia social – que obtinham prazer em outros lugares com outras mulheres.
No laborioso projeto de consolidar o campo da sociologia Durkheim e Mauss, mostraram-nos o quanto de nossas capacidades classificatórias havia de arbitrariedade que só poderia ser inteligível se considerássemos o contexto social em que eram produzidas. Da necessidade de classificar, Lévi-Strauss mais tarde nos diria, mas o como em nenhuma lógica parecia se apoiar. E toda a ciência do século XIX foi fundamentada e consolidada em suas regras e métodos classificatórios. Com a pretensão de um conhecimento neutro o que vimos refletir no século XX foi justamente o peso de ideologias e projetos políticos que das classificações emanavam preconceitos e discriminações. Racismo, sexismo e homofobia, nada mais são de que produtos de diferenciações baseadas em pensamentos hierárquicos.
Com a antropóloga Margareth Mead aprendemos que para além da diferença sexual – baseada na distinção anatômica – havia outra diferença, mas da ordem cultural, que por sua vez era histórica e socialmente construída. A noção de papéis sexuais em seus estudos dos anos 1930 indicava comportamentos masculinos e femininos que eram localmente ordenados conforme os costumes de cada grupo. Entre os três grupos por ela estudados o comportamento socialmente esperado por homens e mulheres variava sensivelmente. O que era do domínio do masculino em um lugar, poderia ser do feminino em outro – o que nos impede de fixar as dimensões femininas e masculinas da vida social em um único escopo.
Por mais cambiáveis que estas dimensões possam ser o que fica é a rigorosa e aparente necessidade de diferenciar o que é do âmbito masculino e feminino, seja qual forem suas atribuições sociais. O movimento feminista impulsionou nas últimas décadas sofisticadas discussões em torno das atribuições sociais de gênero e de fato as mudanças na representação social em torno do feminino e masculino se desestabilizaram sensivelmente, seja no mundo do trabalho ou mesmo doméstico. Mas ainda estamos longe de fazer com que estas distinções deixem de justificar hieraquizações e produções de desigualdades.
*Ana Laura Lobato é mestranda em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (2008-2010) e Bacharel em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2007). Tem experiência na área de Antropologia Urbana e Sociologia, com ênfase em Gênero, sexualidade e Juventude.
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