O Comitê Intergovernamental da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais realizou, na primeira semana de dezembro, na sede da Unesco em Paris, sua 4ª reunião ordinária. Os representantes dos 24 países membros do Comitê – dentre os quais o Brasil – cumpriram uma longa pauta de discussões que incluiu: as diretrizes operacionais de três artigos da Convenção (9, 10 e 19); questões ligadas à visibilidade da Convenção e a novas formas de captação de recursos para o Fundo Internacional para a Diversidade; e a aprovação dos primeiros projetos a serem financiados por ele.
A Convenção conta, atualmente, com 116 membros. O Brasil é único país sulamericano a integrar atualmente o Comitê Intergovernamental da Convenção, e está cumprindo seu segundo mandato.
Fundo Internacional da Diversidade Cultural
O primeiro edital para o Fundo Internacional da Diversidade Cultural recebeu 254 projetos, oriundos de 57 países parte da Convenção e nove organizações não governamentais internacionais (ONGIs). Após a avaliação técnica das propostas, pela Secretaria da Convenção, apenas 183 foram julgadas admissíveis, pois as demais apresentaram problemas como a expedição fora do prazo e a falta de documentos demandados. Do total de projetos, 68% foram apresentados por ONGs ou representantes de grupos vulneráveis ou outros grupos sociais, e 32% por Estados parte da Convenção. Os pedidos de financiamento somaram mais de 26 milhões de dólares, mas os recursos disponíveis no Fundo, nessa primeira etapa, eram de apenas US$ 1.832.431,00.
Os projetos julgados admissíveis foram, em seguida, avaliados por seis especialistas indicados pelos países membros e escolhidos pelo Comitê em sua reunião de dezembro de 2009. Baseados nos critérios aprovados pela Conferência das Partes em junho de 2009, sobre a pertinência, viabilidade, resultados esperados e impacto potencial dos projetos, os especialistas atribuíram notas que orientaram seus pareceres. A partir dessa análise qualitativa, apenas 32 projetos foram recomendados, sendo 151 projetos não recomendados.
Tal como formulados, esses 32 projetos demandariam um total de US$ 2.228.206,53. O Comitê se viu diante, portanto, da necessidade de efetuar um corte de mais de 680 mil dólares nessa demanda. Após muita discussão e negociação, foi tomada a seguinte decisão: eliminar um dos dois projetos do Mali recomendados, que dizia respeito à construção de um centro de artes, já que os critérios aprovados para o Fundo excluíam expressamente as construções; e limitar o financiamento de todos os projetos a um teto de 100 mil dólares. Apenas três projetos ultrapassavam esse montante (da Argentina, Quênia e o Instituto Internacional do Teatro, cujo projeto deverá ser implementado no Chade) e, com os cortes, as ONGs responsáveis deverão procurar outras fontes de financiamento, ou redimensioná-los. Os cortes tornaram possível financiar (inteiramente ou em parte) 31 projetos recomendados pelos especialistas. Desses 31 projetos, 20 são de países da África e oito da América Latina, mas nenhum projeto brasileiro foi contemplado.
O Comitê decidiu, também, que em março de 2011 será aberto um novo edital para o Fundo, e que os projetos não contemplados este ano poderão ser readequados e reapresentados.
Visibilidade da Convenção
Diante do reduzido volume de recursos disponíveis e da dificuldade de captação de novos recursos para o Fundo, os membros do Comitê discutiram a necessidade e as possibilidades de ampliar a visibilidade da Convenção junto à comunidade internacional. Mas, as propostas de adoção de um emblema ou logomarca da Convenção, por meio de um concurso internacional, e de nomeação de personalidades internacionais para divulgar o Fundo (a exemplo do que ocorre com outros Fundos, como o da Unicef), esbarraram justamente em seus altos custos. Assim, considerando que a prioridade para utilização dos parcos recursos disponíveis é o financiamento de projetos oriundos dos países mais necessitados, o Comitê adiou a discussão sobre a adoção de um emblema. Ficou decidido, também, que cada país membro da Convenção poderá nomear uma ou várias personalidades para divulgar a Convenção e contribuir para a captação de recursos para o Fundo Internacional da Diversidade Cultural. Espera-se, ainda, que todos os países parte da Convenção colaborem com propostas inovadoras, não apenas de captação de recursos, mas para dar visibilidade ao acordo.
Comentários
No que diz respeito ao Fundo Internacional da Diversidade Cultural, considerando-se que as contribuições são voluntárias, diversos países – dentre os quais o Brasil – têm enfrentado dificuldades técnicas e burocráticas para a transferência de recursos à Unesco. Embora este não seja o único motivo para o reduzido volume de recursos captados até agora, este é mais um dos elementos que apontam para a necessidade dos países membros da Convenção desenvolverem estratégias inovadoras neste sentido. Uma possibilidade é a realização de campanhas junto aos próprios artistas e produtores culturais sensíveis à questão da diversidade cultural, pois, mesmo que eles só possam doar pequenas quantias, esse tipo de campanha contribuirá tanto para alimentar o Fundo quanto para ampliar a visibilidade da Convenção e de seus desafios.
O fato de grande número de projetos submetidos ao Fundo não ter sido recomendado pelo painel de especialistas por não se adequarem aos objetivos da Convenção, provocou uma discussão no Comitê sobre a necessidade das Comissões Nacionais e dos governos dos países membros da Convenção promoverem uma divulgação mais ampla do tipo de projeto que se pretende financiar. Infelizmente, a maioria dos membros do Comitê entende que projetos voltados para o fortalecimento de manifestações das culturas populares não são adequados a esta Convenção, porque ela seria voltada apenas para as expressões culturais, aí entendidas como indústrias culturais. Para a maioria dos membros do Comitê, as culturas populares devem ser tratadas apenas no âmbito da Convenção do Patrimônio Imaterial.
A posição do Brasil, nesta questão, é que as indústrias culturais só poderão refletir a diversidade cultural de cada país quando as manifestações responsáveis por essa diversidade estiverem presentes em sua produção, ou seja, no audiovisual, nos CDs e DVDs, nos livros, na Internet etc. Portanto, numa perspectiva de longo prazo, projetos que tenham como objetivo fortalecer as manifestações das culturas populares, qualquer que seja o país, estarão proporcionando condições para que elas venham a ter acesso à indústria cultural e para que esta possa refletir a diversidade cultural desse país, ao invés de copiar fórmulas e conteúdos de culturas hegemônicas.
Em relação à ausência de projetos brasileiros a serem financiados pelo Fundo, tendo em vista as dificuldades atualmente enfrentadas para alimentá-lo, a delegação brasileira no Comitê entende que os projetos elaborados por ONGs nacionais poderão ser financiados pelo Fundo Nacional de Cultura, que vem sendo fortalecido pelo governo brasileiro, com a criação do Procultura (em substituição à Lei Rouanet), que prevê um Fundo Setorial para a Diversidade Cultural, e também pelo Fundo Cultural do Mercosul, que está sendo criado pelo países do bloco. Assim, os recursos do Fundo Internacional continuarão a financiar, prioritariamente, projetos dos países mais necessitados.
A próxima reunião do Comitê Intergovernamental da Convenção será realizada em dezembro de 2011, mas antes disso, em junho, ocorrerá a Conferência das Partes, quando deverão ser validadas as decisões do Comitê.
No próximo artigo, falarei sobre as diretrizes operacionais elaboradas pelo Comitê Intergovernamental para os artigos 9, 10 e 19 da Convenção. Dentre essas decisões, a mais relevante é, sem dúvida, a que trata dos relatórios a serem fornecidos à Unesco, pelos países membros da Convenção, quatro anos após sua adesão, sobre as medidas que vem adotando em relação à proteção e à promoção da diversidade de suas expressões culturais.
*Giselle Dupin é Coordenadora de Articulação, Formulação e Conteúdo da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, e Ponto Focal do Brasil para a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.
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