Em 2004, o comitê de cultura da instituição Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), equivalente das Nações Unidas para os municípios, criou um documento chamado Agenda21 da Cultura, que visava estabelecer um compromisso para a cultura em âmbito municipal. A escolha de “agenda” vem da perspectiva de agenda-setting, que é organizar a pauta de assuntos susceptíveis de serem levados em conta, individual e coletivamente, para se atingir determinados objetivos. Sob o impacto da aprovação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais no ano seguinte, e o crescente interesse internacional nos anos que se seguiram com relação à diversidade cultural, foi possível aperfeiçoar os propósitos e traçar estratégias mais concretas.
Passados dez anos, foram identificados diversos elementos que precisavam ser revistos pelas dificuldades de engajamento dos governos, das sociedades e das instituições não governamentais, pela falta de políticas claras e objetivas para a promoção da Diversidade Cultural nas cidades e falta de continuidade dos direcionamentos dos gestores públicos. Houve também, no período, a compreensão da necessidade de se criar indicadores concretos para orientar os diversos governos locais na construção de suas estratégias concretas.
Para avançar nestes aspectos, após três anos de intensas discussões, a CGLU propõe uma nova Agenda 21 da Cultura. Entre 2014 e 2015, foi elaborado um documento de compromisso chamado “Cultura21: Ações – Compromissos quanto ao papel da cultura nas cidades sustentáveis” com a participação de especialistas de diversas partes do mundo, dando assim um caráter mais vinculado à diversidade das realidades municipais pelo mundo. Prevê uma articulação entre as políticas culturais e as outras políticas públicas – sociais, econômicas, educativas, ambientais e urbanísticas, bem como considerar os parâmetros culturais na gestão urbanística e em todo planejamento territorial e urbano.
O documento resultado do processo é um esforço de organização e orientação prática para que governos locais desenvolvam seu conjunto de políticas culturais e possam trocar experiências entre si. É uma retomada do documento original da Agenda21 com um formato mais operativo e que ajude as cidades a compreender O QUE e COMO fazer para alcançar os objetivos ali propostos. Coloca-se como uma forma concreta de identificar aspectos ligados à diversidade cultural e subsidiar a elaboração de políticas específicas para a promoção da diversidade de expressões culturais no território e, principalmente, atuar como orientação clara para os gestores municipais em todo o mundo, criando indicadores concretos e comparáveis.
09 EIXOS DA NOVA AGENDA21 DA CULTURA |
EIXO 1 – DIREITOS CULTURAIS |
FOCO: A cidadania ativa e o pleno reconhecimento dos direitos culturais. |
Itens mais relevantes: Marcos regulatórios, gestão compartilhada, informações e indicadores, diversidade de expressões, acesso ao pleno exercício dos direitos culturais, igualdade. |
EIXO 2 – MEMÓRIA, DIVERSIDADE E CRIATIVIDADE |
FOCO: A memória, a diversidade e a criatividade são elementos constitutivos da vida cultural. |
Itens mais relevantes: Institucionalização e organização, memória, diversidade e interculturalidade. |
EIXO 3 – EDUCAÇÃO E CULTURA |
FOCO: Promover a cidadania ativa através da construção de capacidades culturais em todas as fases da vida – ampliação das oportunidades expressivas e acesso ao conhecimento. |
Itens mais relevantes: Educação para a diversidade, Estratégias arte educativas e formativas. |
EIXO 4 – MEIO AMBIENTE E CULTURA |
FOCO: A Cultura como um acelerador dos processos eco responsáveis. |
Itens mais relevantes: Promoção da sustentabilidade ambiental, Valorização de culturas locais e produtos locais. |
EIXO 5 – CULTURA, EQUIDADE E INCLUSÃO SOCIAL |
FOCO: Inventar novos laços sociais – O papel fundamental da Cultura |
Itens mais relevantes: Promoção dos aspectos culturais multidimensionais, promoção da convivência intercultural, estratégias para projetos socioculturais, estratégias para promoção da cooperação. |
EIXO 6 – CULTURA SUSTENTADA E ECONOMIA SOLIDÁRIA |
FOCO: Uma nova economia social efetiva que inclua as dimensões da Cultura |
Itens mais relevantes: Estímulo à profissionalização, Estímulo à economia solidária, Estímulo às cadeias envolvidas na economia da cultura. |
EIXO 7 – CULTURA, PLANEJAMENTO URBANO E ESPAÇO PÚBLICO |
FOCO: O Planejamento da cidade e seus territórios com consciência e sentido cultural |
Itens mais relevantes: Promoção dos aspectos culturais da territorialidade, Estímulo à distribuição dos serviços públicos nas diversas regiões da cidade, Identificação dos impactos culturais no ambiente urbano, promoção do uso do espaço urbano (nos aspectos de ocupação, mobilidade urbana, acessibilidade física). |
EIXO 8 – CULTURA, INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO |
FOCO: As tecnologias e a Comunicação contribuindo para a pluralidade e a construção da cidadania. |
Itens mais relevantes: Garantia de liberdade de expressão, de acesso a informação livre e pluralista, Estímulo à cultura digital, relação entre os processos culturais de base e a inovação social. |
EIXO 9 – GOVERNANÇA DA CULTURA |
FOCO: Para uma administração equilibrada e compartilhada de políticas culturais locais. |
Itens mais relevantes: Institucionalização da administração da cultura, orçamento público, Fortalecimento dos aspectos de gestão compartilhada, estímulo ao conhecimento do setor cultural e planejamento da intervenção pública no setor. |
Neste sentido, a proposição da CGLU encontra estreita relação com a perspectiva do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e pode contribuir para a visualização de formas práticas de formalização e execução dos sistemas municipais de cultura. Não se sobrepõe ao SNC, mas o complementa. O princípio de governança propõe os “quadros de governança multi-ator”, que aponta a importância de se envolver diversos níveis de governo e da sociedade para que os objetivos principais sejam atingidos, profundamente alinhado com as diretrizes do SNC. Os princípios se mantiveram, mas foi proposta uma nova organização, com visualização mais concreta, a saber:
Tais princípios formam a base do “kit de ferramentas” para a operacionalização e efetividade de ações. Em seu conjunto, são ferramentas que tem como objetivo consolidar a cultura como a quarta dimensão do desenvolvimento sustentável nas cidades e territórios. Com um modelo de autoavaliação, o instrumento auxilia os governos, as instituições da sociedade civil e os cidadãos a compreenderem quais aspectos estão intimamente ligados com cada eixo e quais os encaminhamentos mais importantes neles, tornando o acompanhamento mais objetivo.
O próprio nome pensado para o documento (Cultura 21: Ações) deixa claro o direcionamento de concretude que se quer dar a esta nova etapa. Outro elemento importante foi a definição do termo “compromissos” para se referir a cada elemento proposto, reforçando ainda mais a característica orientadora de perspectivas práticas do que se fazer a partir dos 09 eixos.
Os governos locais são incentivados a aplicar este quadro em suas respectivas comunidades, através de processos orientados para a prática aberta participativa. Os processos de autoavaliação locais resultam num gráfico que descreve o grau que cada um se encontra em sua cidade. Da junção dos gráficos de diversas pessoas envolvidas compõe-se um grande gráfico analítico da situação atual na cidade. Tal gráfico deve ser atualizado em períodos regulares para se identificar os avanços e os desafios a serem superados pelas cidades. O acompanhamento direto e visual que as pessoas podem fazer torna-as mais comprometidas com os resultados. O documento final afirma que os eixos propostos
[…]contribuem para um novo conceito da coisa pública, baseado na ideia de “compromissos” entre o estado (no nosso caso, os governos locais) e os diferentes atores da sociedade. Estes nove compromissos sintetizam a dimensão cultural de uma cidade sustentável. Cada um deles incorpora várias ações específicas, que orientam o trabalho dos governos locais aderidos à Agenda 21 da Cultura, permitindo-lhes auto avaliar o grau de cumprimento dela e favorecendo uma melhor implantação das políticas e estratégias públicas. (CGLU, 2015, p. 16)
A CGLU montou um painel[2] a partir das contribuições de 34 especialistas de diversas partes do mundo, os quais participaram de uma primeira rodada de autoavaliações. Do Brasil participaram dois especialistas (José Oliveira Junior e Ana Carla Reis). O gráfico gerado pode ser conferido ao lado. Segundo o panorama resultante deste painel, considerando as diferenças regionais, há variados graus de desenvolvimento em cada um dos compromissos e eixos estabelecidos. É possível delinear que o eixo mais evoluído é “Memória, Diversidade e Criatividade” e o que precisa mais atenção, segundo os especialistas, é “Cultura e meio ambiente”.
Como não é uma corrida ou maratona onde “alguém vence e outros correm atrás”, cada cidade pode dar seu próprio ritmo e ainda facilitar a visualização, acompanhamento e monitoramento por parte da sociedade civil e órgãos de controle social. Quem tiver interesse pode acessar o link, preencher o formulário de autoavaliação[3] e conhecer melhor o processo. As cidades interessadas em integrar o grupo de cidades da Agenda21 da Cultura ou mesmo as que quiserem somente utilizar o “kit de ferramentas” da nova Agenda21 da Cultura podem acessar o site http://www.agenda21culture.net/ ou contactar a coordenação do programa através do e-mail coordination@agenda21culture.net. Se houver interesse em compreender melhor o processo pode ainda entrar em contato com a equipe da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, responsável pelo programa cidade líder da Agenda21 por meio do email cinter.fmc@pbh.gov.br.
Referências
CGLU. Cultura21: Ações – Compromissos quanto ao papel da cultura nas cidades sustentáveis. CGLU, 2015.
[1] Comunicador, Mestrando em Comunicação Social pela PUC Minas, pesquisador do Observatório da Diversidade Cultural e consultor especial da Agenda21 da Cultura da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte no ano de 2015. E-mail: juniorbh1@uol.com.br
[2] Disponível em http://www.agenda21culture.net/images/a21c/nueva-A21C/panel_cities/Experts_ENG.pdf
[3] https://docs.google.com/forms/d/1srs7H1UmYyr6XEXXH4VeqUFlxGfBplMESJA6marpA5A/viewform
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Muito interessante a proposta de revisão – agora mais factível – da Agenda 21 Cultura. Ótimo também o texto sintetizar as frentes e itens mais relevantes. Obrigada!
Fiquei com uma dúvida – após esse momento exaustivo de revisão e proposição das Ações e Compromissos – como se dá o acompanhamento das cidades que oficialmente aderem ao grupo de cidades da Agenda 21?