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Para além das migrações

Créditos: Brasilpost

Créditos: Brasilpost

Bruna Acácio[1]

 Manchetes de jornais do mundo inteiro estampam a crise de migrações na Síria, com milhões de pessoas refugiadas e outras  milhares ainda em deslocamento, sofrendo violações de direitos humanos, conforme denunciam organismos como a ONU e a Anistia Internacional.[2]

As migrações forçadas, porém, não são a única perversidade engendrada pelos conflitos na região. A supressão de identidades culturais, por meio da eliminação de símbolos históricos, tem sido uma das estratégias utilizadas pelo Estado Islâmico (EI) para o domínio de territórios e populações no Oriente Médio.  O grupo radical sunita já destruiu sítios arqueológicos e outros monumentos, sobretudo na Síria e no Iraque, em regiões ocupadas pelo autoproclamado Estado. São relatados também assaltos a museus – as peças saqueadas alimentariam o lucrativo mercado do tráfico de antiguidades, financiando a guerra.

Apenas nos últimos três meses, Palmira, cidade síria titulada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, sofreu ataques a seus principais monumentos. Os templos “Bel”, datado do século I d.C., e “Baal Shamin”, considerado um dos mais belos do Oriente, foram reduzidos a escombros. Também foram derrubadas três das mais bem conservadas torres funerárias, que caracterizavam a arquitetura da cidade. A Associação para Proteção da Arqueologia Síria calcula que mais de 900 monumentos ou jazidas arqueológicas foram danificadas ou destruídas no país, em quatro anos e meio de guerra.

Os ataques a esses patrimônios são apenas um capítulo de um imbróglio mais profundo – que vai além do Estado Islâmico e acarreta consequências em toda geopolítica atual. Diante de conflitos que já geraram milhares de mortes, há quem questione a preocupação com ruínas. “Estamos horrorizados com o enorme sofrimento humano, mas também pela perda de laços com o passado” pondera James Gelvin, professor de História do Oriente Médio na Universidade da Califórnia, em entrevista ao El País. “O vandalismo do Estado Islâmico é uma metáfora para os horrores que está perpetrando”, analisa o pesquisador.

Esses patrimônios carregam acontecimentos e suscitam memórias que integram as raízes das identidades de muitos povos do Oriente e até mesmo atuam na noção de unidade nesses territórios – o que, por si, já justificaria a atenção. Além disso, como pontua o historiador e escritor Tom Holland, os monumentos ali presentes representam uma herança comum: “[a destruição] é terrível, também, porque o Oriente Médio é o lugar onde a cultura urbana nasceu e, quando essas antiguidades são demolidas, também se destrói o patrimônio mundial da humanidade”, comenta ao El País.

Em publicações na internet, líderes do Estado Islâmico definiram os sítios atacados como “manifestações do politeísmo”. No entanto, não só monumentos com conotação religiosa estão na mira dos jihadistas. “Agora é uma destruição arbitrária”, advertiu Maamoun Abdulkarim, chefe do setor de antiguidades da Síria, em depoimento à agência Reuters. “Os atos de vingança não são mais ideológicos porque eles agora estão explodindo construções sem nenhum significado religioso.”

A partir de uma visada mais ampla, especialistas entendem esse movimento como parte integrante das estratégias do EI e de outros grupos extremistas da região. Em entrevista ao Le Monde, o historiador Gabriel Martinez-Gros pontua que o Estado Islâmico está em construção: “a partir dessas destruições, assim como através de programas escolares, eles tentam impor uma verdade à escala do pequeno califado que pretendem criar”. Nesse processo, tudo aquilo que não cabe na moldura projetada deve ser apagado – numa postura contrária à diversidade cultural.

A resistência, frente a um grupo que executa aqueles que são contrários, não é elementar. Em depoimento dado ao Le Monde, o sírio Samir Abdulac, secretário-geral do Conselho Internacional dos Museus e dos Sítios, contou que alguns “sacrificam a sua vida para defender o seu patrimônio”, a exemplo de uma iraquiana chamada Sabrina que protestou no Facebook e “foi capturada e decapitada”.

Para Irina Bokova, diretora-geral da Unesco, “esta tragédia é mais do que um assunto cultural. É uma questão de segurança vital e vemos bem como os terroristas usam a destruição do patrimônio como estratégia de terror, para desestabilizar e manipular populações e garantir a sua dominação.” Declarações públicas de repúdio aos ataques, como essa, são frequentes por parte da Unesco. Segundo o órgão, estão sendo feitos esforços para a mobilização dos principais ‘stakeholders’ mundiais, em uma coalizão global para proteger o patrimônio – incluindo especialistas em patrimônio e restauração, que atuam em conjunto para mitigar danos.

A Unesco aposta ainda na apropriação dos patrimônios pelos povos locais como medida de contenção às destruições. No início do ano, a organização lançou a campanha Unite4Heritage[3], centrada principalmente (mas não exclusivamente) em países árabes, “em resposta aos recentes ataques à diversidade cultural e ao patrimônio da região.”

A proposta é que a tag #Unite4Heritage, assim como sua equivalente em árabe, sejam utilizadas, em especial por jovens árabes, em redes como Facebook, Twitter e Instagram, para o compartilhamento de fotos e histórias sobre a temática do patrimônio.

A justificativa para o foco nas mídias sociais é de que os extremistas usam notadamente esse tipo de mídia para promover o ódio e uma “limpeza cultural”, buscando cooptar sobretudo jovens. A campanha pretende, então, contrariar essa propaganda de ódio e sectarismo, com mensagens que enfatizem a união, a tolerância e a solidariedade.

Além dessa, outras campanhas da Unesco atuam localmente na Síria e no Iraque[4], estimulando ações de conscientização e proteção ao patrimônio histórico.

[1] Cursa a Especialização em Gestão Cultural na Universidade do Estado de Minas Gerais e é graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, instituição em que trabalha como relações públicas.

[2] https://anistia.org.br/direitos-humanos/publicacoes/siria-abandonados-ao-relento/

[3] http://www.unite4heritage.org/

[4] http://www.unesco.org/new/en/culture/themes/illicit-trafficking-of-cultural-property/emergency-actions/iraq/

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