Sérgio de Azevedo [1]
O município de São José dos Campos, SP (688.597 habitantes[2]), situado na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (distante cerca de 90 km da Capital) aderiu, em janeiro de 2013, por meio de Acordo de Cooperação Federativa, ao Sistema Nacional de Cultura. Como parte do processo de adesão, o órgão gestor da área, a Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), elaborou plano de trabalho que norteou aelaboração e consolidação dos principais componentes de seu Sistema Municipal de Cultura: manutenção da FCCR como órgão gestor exclusivo do setor cultural;institucionalização do Fundo Municipal de Cultura (aprovado em 2013, conta com recursos próprios para o fomento da área); realização de Conferências Municipais de Cultura – a última foi realizada em 2015; aprovação do Sistema Municipal de Cultura por meio de lei específica (atualmente em tramitação); e elaboração e aprovação do Plano Municipal de Cultura (já aprovado pelo Conselho Municipal de Política Cultural, a ser encaminhado para a Câmara).
O desenvolvimento das políticas culturais em São José dos Campos permitemuitas análises, as quais poderão ser empreendidas em outros textos. Aqui, tratarei de algumas escolhas relacionadas à estruturação do Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais (SMIIC).
A primeira: o convênio com um instituto da iniciativa privada. O SMIIC de São José dos Campos, lançado em 2015, foi desenvolvido por meio de convênio assinado entre a FCCR e o Instituto TIM. A aproximação entre as duas instituições surgiu depois da experiência da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo no desenvolvimento do SP Cultura[3].O referido convênio possibilitou à FCCR desenvolver a plataforma colaborativa “Lugares da cultura[4]”. Importante destacar que o convênio prevê, dentre outros aspectos, que “a gestão do software caberá à FCCR de forma autônoma e independente” e que as informações coletadas “serão de uso da Fundação”. Coube ao Instituto TIM o desenvolvimento do software livre “Mapas culturais”. Segundo informações do próprio instituto, trata-se de “um software livre desenvolvido com as tecnologias PHP (a linguagem livre mais popular entre desenvolvedores brasileiros e que é adotada pela Coordenação-Geral de Tecnologia da Informação do Ministério da Cultura), PostgreSQL (sistema de gerenciamento de banco de dados, considerado o mais robusto de todos) e AngularJS (framework JavaScript que foi desenvolvido pelo Google com base no que há de mais atual em framework web).[5] Esta primeira escolha permitiu ao órgão gestor desenvolver um sistema sem a necessidade de investimento de recursos próprios.
A segunda escolha: o desenvolvimento da plataforma foi coordenado pela FCCR em parceria,por meio de um termo de voluntariado,com um ex-aluno de oficinas culturais da cidade, atual integrante do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Culturae do Conselho Deliberativo da FCCRe profissional da área de tecnologia da informação, Rafael Henrique Cruz de Sousa. Coube ao profissional o apoio, implantação e acompanhamento da plataforma “Lugares da cultura”, desenvolvendo, dentre outras, as seguintes atividades: (1)implantação da plataforma nos servidores de dados da instituição; (2) adequação do conteúdo da plataforma às necessidades e realidade da Fundação; (3) treinamento de funcionários e estagiários na gestão da ferramenta e (4) colaboração em acordos de cooperação com entes públicos, universidades e instituições da sociedadecivil para fomento e desenvolvimento da plataforma.Cabe destacar quea FCCR contou, portanto, com um profissional que conhecia tanto as especificidades do município (nele residiu e participou de ações culturais durante um tempo significativo) quanto os instrumentos tecnológicos relacionados à implementação de uma plataforma digital.
O terceiro aspecto a ser destacado, pactuado com o Ministério da Cultura: a plataformaé livre, gratuita e colaborativa. Possui, portanto, dados abertos, o que permite quequalquer cidadão tenha acesso ao uso, apropriação e redistribuição de informações. Além disso, os avanços na implantação da plataforma em São José contribuem para o desenvolvimento do sistema como um todo, como foi o caso da mudança do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC). A partir da experiência realizada em São José dos Campos e em outros municípios (como Sobral e São Paulo), o SNIIC foi reformulado e passou a ter o mesmo suporte dos ”Mapas culturais”. Vale destacar que o Sistema Nacional, de acordo com o que preconiza a Lei Federal 12.343[6], é responsável pelo monitoramento das metas do Plano Nacional de Cultura.
O processo de institucionalização da plataforma configura-se como o quarto aspecto a ser destacado. Por meio de uma Portaria da Presidência da FCCR, o processo de cadastramento digital de agentes e prestadores de serviços foi institucionalizado. Dessa forma, a participação em editais do Fundo Municipal de Cultura e outros instrumentos de credenciamento e transferência de recursos exige que os agentes culturais e artísticos do município se cadastrem na plataforma “Lugares da cultura”. Além disso, a FCCR mantém campanha de comunicação para estimular o cadastro de agentes, bem como firmou parceria com importantes entidades da cidade como o SESC, SESI e Jornal O VALE visando motivar parceiros, outros interlocutores a acessarem e se cadastrarem no sistema.Assim, em pouco mais de seis meses em operação, o SMIIC já conta com 1427 agentes, 444 espaços e 78 projetos cadastrados.
Por fim, a participação social e cidadã. Uma ação pública da FCCR para gerenciar e publicar dados, informações e indicadores para a área da Cultura, configura-se como uma demanda registrada em diversos documentos de encontros de participação social ocorridos de 2006 em diante. Dessa forma, a ação também foi uma forma de atender as demandas para a área da Cultura. Por fim, a proposta da plataforma passou, assim como outras ações das políticas culturais locais, por uma avaliação da sociedade civil durante as audiências públicas e Conferência Municipal para elaboração e validação do Plano Municipal de Cultura (PMC) 2016-2025 do município. E o resultado é que a plataforma, para a qual foram sugeridos alguns aprimoramentos, foi reconhecida como um avanço na gestão e monitoramento das políticas culturais locais. Dessa forma, o projeto de lei que institui o PMC de São José dos Campos, já aprovado pela Comissão Elaboradora e pelo Conselho Municipal de Política Cultural, reconhece, em um dos artigos, que a“Plataforma Digital Lugares da Cultura é, no município de São José dos Campos, a ferramenta de mapeamento cultural colaborativo, desenvolvida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo com base no software livre Mapas Culturais e lançada em maio de 2015, sendo estabelecida como o Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais auxiliando no processo de divulgação do monitoramento e transparência do PMC”.
Acredito que a experiência em São José dos Campos (SP) pode ser, preliminarmente, considerada exitosa por reunir os aspectos anteriormente elencados: (1) a assinatura de um convênio que possibilitou o desenvolvimento de seu sistema próprio com o apoio da iniciativa privada e a manutenção do protagonismo do Órgão Gestor durante o processo; (2) a participação de agentes locais no processo de desenvolvimento do sistema; (3) A interatividade local e nacional (SNIIC); (4) o incentivo do órgão gestor para tornar a ferramenta parte das políticas culturais locais; (5) a participação social e, por fim, (6) a institucionalização da plataforma digital por meio de artigo específico no projeto de lei do Plano Municipal de Cultura.
A parceria com a iniciativa privada, o uso e a apropriação da plataforma para o desenvolvimento das políticas culturais locais e nacionais poderão ser avaliados posteriormente, uma vez que a iniciativa ainda é muito recente para sejam apresentadas conclusões. No entanto, pude perceber, tanto do ponto de vista administrativo, quanto técnico e operacional, que a iniciativa é, preliminarmente, positiva – principalmente porque representa um avanço em relação à primeira versão do SNIIC (que tinha muitos problemas – mais do que, em minha opinião, virtudes).
Lugares da Cultura, como o SMIIC de São José dos Campos permitiu, por exemplo, que os investimentos do Fundo Municipal dos últimos anos possam ser avaliados na perspectiva territorial – o que se configura como uma novidade que pode colaborar muito com o desenvolvimento das políticas locais.
Trata-se, portanto, de uma experiência que merece ser acompanhada.
Referências:
[1] Artista-gestor-educador. Doutorando da Faculdade de Educação da Unicamp. Professor na Escola de Teatro da Fundação das Artes. Docente na Faculdade de Artes da FAAP-SP. Foi Assessor Técnico na elaboração do Plano Municipal de Cultura de São José dos Campos, SP. Integrante do Laborarte (Laboratório de Pesquisa em arte, cultura, educação e políticas culturais da Unicamp/SP) e Observatório da Diversidade cultural (Grupo de Pesquisa UEMG e PUC Minas).
[2] IBGE. Disponível em http://cod.ibge.gov.br/2328R. Acesso em dezembro de 2015.
[3]PREFEITURA DE SÃO PAULO. Disponível em <http://spcultura.prefeitura.sp.gov.br/>. Acesso em dezembro de 2015.
[4] Lugares da cultura está disponível no endereço <http://lugaresdacultura.org.br/>. O vídeo institucional, elaborado para lançamento da Plataforma pode ser acessado em <https://www.youtube.com/watch?v=A3VqOx96mtg>
[5]INSTITUTO TIM. Disponível em <http://institutotim.org.br/solucoes/mapasculturais/>Acesso em dezembro de 2015.
[6]BRASIL. Lei Federal n. 12.343. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12343.htm>
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Oi Sergio, parabéns pelo artigo. Muito bom e importante pra todos nós de São Jose dos Campos e um exemplo para outras cidades. Mande notícias, sempre.
Obrigado e abraços.