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Por que dizemos #elenão

Reprodução: Revista Cult

Por Tarso Melo

A força de duas mobilizações recentes nas redes sociais contra a candidatura à presidência do PSL tem dado outra cara para as eleições de 2018. Refiro-me ao grupo “Mulheres unidas contra B…” e à campanha #elenão, que começou como uma hashtag, projetou-se para os primeiros lugares e, daí, tem se desdobrado numa série de vídeos e em manifestações públicas convocadas para o próximo sábado (29).

Há poucos meses, era uma aposta comum dizer que essa eleição presidencial seria resolvida entre dois candidatos da direita, um representando a coalizão em torno do golpismo (MDB e PSDB à frente) e o outro seria o candidato do PSL, alimentado também pelo golpe, mas com uma mistura entre ternos e fardas que excita uma parcela da sociedade que tem muita saudade da ditadura. Com a prisão de Lula, então, esse quadro parecia definido de uma vez por todas. No entanto, a duas semanas das eleições, não apenas as pesquisas, mas as ruas vão desenhando uma possibilidade que muitos de nós tínhamos descartado: tanto o candidato indicado por Lula, Fernando Haddad (PT), quanto o outro candidato ligado ao governo Lula e bem à esquerda do golpismo, Ciro Gomes (PDT), estão em melhores condições que todos os candidatos pertencentes aos partidos do golpe e claramente ameaçam a liderança do candidato do PSL.

A que se deve essa “virada” na corrida pela presidência? São diversos fatores, sem dúvida, que explicam a ascensão de Haddad (que só assumiu a chapa em 11/9) e o fato de que ele e Ciro, juntos, somem hoje mais intenção de voto do que o candidato do PSL. Muita água ainda vai passar debaixo da ponte… mas considero que as duas mobilizações a que me referi ajudam a entender a estagnação que algumas pesquisas já indicam quanto ao candidato do PSL e, assim, as novas possibilidades que começam a ganhar forma para o primeiro e também para o segundo turno.

Minha hipótese é de que os movimentos “Mulheres unidas contra B” e #elenão deram forma concreta ao “teto” que os cientistas políticos apontavam para o eleitorado de um candidato declaradamente racista, machista, misógino, homofóbico e que cada vez menos consegue esconder o seu péssimo histórico como parlamentar (pelo que fez de errado, pelo que não fez) e o projeto econômico predatório que se esconde por trás de seu discurso violento. Tais mobilizações, por isso, surgiram com caráter suprapartidário, unindo os eleitores de Haddad, Ciro, Boulos e Marina, mas pega também eleitores dos candidatos mais à direita. Até o Cabo Daciolo diz #elenão!

Campanhas como a #LulaLivre já apontavam para alguma possibilidade de acordo acima das bandeiras dos partidos, mas apenas dentro do campo da esquerda. O acordo em torno do #elenão, entretanto, transcende esse campo e, a meu ver, atrai até mesmo quem aplaudia sem restrições a influência da Lava Jato sobre as eleições. Agora, quem está dizendo #elenão é um grupo de pessoas que percebem riscos para – digamos – o mínimo de conquistas civilizatórias, se for eleito um candidato que não tem nada mais do que um discurso violento e discriminatório a oferecer. Isso, de fato, não é uma causa exclusiva da esquerda e pode dar consistência à rejeição na casa dos 50% arrastada pelo candidato do PSL, que tende a aumentar bastante (creio e espero) na reta final, justamente por causa do sucesso dessas mobilizações.

E por que tanta gente está aderindo ao #elenão? Na dinâmica das redes sociais, as frases proferidas pelo candidato durante sua carreira são um prato cheio para memes, cartazes, pequenos áudios e vídeos. Pela quantidade e pela “qualidade”, porque são décadas se destacando pela capacidade de repetir, com orgulho e sarcasmo, afirmações bizarras sobre mulheres, negros, gays, violência, ditadura, serviços públicos etc.

Com a projeção que a eleição deu a suas “ideias”, creio que a ameaça de um presidente da República capaz de discursar naqueles termos e, mais que tudo, colocar em prática as discriminações e violências que fazem parte do seu discurso ficou mais clara para uma parcela crescente da sociedade, que sabe que pode ser atingida pelos infinitos disparos – verbais, por enquanto – do candidato e de seu vice.

Na verdade, é fácil entender porque tantas pessoas não querem ver sua imagem associada à do candidato do PSL e seus eleitores mais entusiasmados. Reduzindo sua plataforma eleitoral a um questionário, o eleitor do #elenão teria que lidar com respostas afirmativas às seguintes perguntas: você concorda que uma família sem pai é fábrica de desajustados? Você concorda que negros sejam tratados como animais e pesados em arrobas? Mulheres devem receber salários menores que homens porque engravidam? Você acha que alguém é gay porque não levou porrada? Você acha que não terá uma nora negra porque educou seus filhos? Você acha que a ditadura matou pouco? Que o erro da ditadura foi ter apenas torturado e não matado? E por aí vai.

Essas questões, entre tantas outras que poderíamos formular a partir de frases ditas com assertividade pelo candidato e, agora, pelo seu vice, montam uma figura tão bizarra em nossa mente que até nos sentimos exagerando ao repeti-las, talvez porque seja mais confortável para nosso “humanismo” acreditar que não é possível que a disputa pela presidência, em 2018, tenha que passar por esse nível. Lamentavelmente, a disputa não apenas passa por aí, como percebemos, com tais mobilizações contra #elenão, que há muita gente disposta a acentuar a agressividade contra “a esquerda” (porque ainda acham que é apenas à esquerda que há resistência a um candidato fascista) para defender que o Brasil precisa de um “mito”.

É claro que existem eleitores que se filiam sem reservas às “ideias” do candidato do PSL, cujo “programa de governo é, na prática, um pacote rombudo de autoritarismo, violência institucional, homofobia, racismo e golpismo explícito”, na síntese precisa de Paulo Roberto Pires. Mas a hashtag #elenão não se destina a converter quem acha que o país precisa dessas medidas, tampouco quem está disposto a acreditar nas “verdades” que circulam nessa fatia do eleitorado (não houve holocausto; se houve, é porque o nazismo era de esquerda; não houve ditadura; se houve, só matou “bandido”; Marielle Franco foi morta porque tinha relações com o tráfico; todos os jovens negros mortos pela polícia são “bandidos”; Marisa fingiu morrer para morar na Itália; Lula nunca foi fotografado dentro da cela porque, na verdade, não está preso…).

Do outro lado do espectro eleitoral, normalmente fraturado entre posições que também se atacam duramente, a grande exposição da campanha do candidato do PSL talvez tenha contribuído, de modo importante, ainda que involuntário, para surgir, se não uma frente antifascista, algum acordo em torno de posições que não podem ser deixadas de lado em qualquer ideia de sociedade democrática. Pessoas que, até então, em razão das últimas contendas eleitorais, achavam que jamais estariam do mesmo lado em qualquer debate político, agora se unem sob a hashtag #elenão.

E não é pouca coisa saber que somos muitos os que dizemos #elenão. Porque, em grande parte, quem diz #elenão está mostrando sua distância em relação a eleitores obcecados por violência, que veem como solução um governo que distribua mais violência para todos os níveis da sociedade (polícias mais violentas nas ruas, tratamento mais violento aos “bandidos”, armas nas mãos da população, censura a opiniões, controle sobre a educação, a cultura etc.). Quem diz #elenão quer ficar longe dessas “ideias”: não se confundir com quem as defende, deixar claro que está do outro lado e, tomara, lutar contra quem tente impor algo assim. Portanto, #elenão.

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