Os anos cinquenta no Brasil foram excepcionais em vários aspectos. É verdade que vivíamos em uma democracia frágil, inclusive com o Partido Comunista na clandestinidade e os militares ameaçando constantemente o Estado de direito – o que deixou de ser ameaça e se transformou em fato com o golpe militar na década seguinte.
Mas tínhamos uma grande efervescência política, social e cultural que atravessou aquele período e alcançou os anos sessenta e setenta. Uma efervescência que nem mesmo a repressão pós-64 conseguiu exterminar de imediato: grandes mobilizações populares a favor das reformas de base, os debates e os embates do nacionalismo, as Ligas Camponesas, as organizações sindicais, o crescimento do movimento estudantil.
Na música, a bossa-nova rejeitada pelos puristas ganhou Ipanema e depois Nova Iorque. O cinema novo, com sua extrema criatividade compensando a falta de recursos e tecnologias, conquistou vários e importantes festivais mundo afora…
No campo da política institucional, o segundo governo Vargas e o seu suicídio, um dos fatos trágicos de nossa história, o desenvolvimentismo de JK e o populismo de esquerda de Jango são alguns desses momentos-chave para a compreensão da cultura política de nosso país ainda hoje. E em contato ora convergente, ora conflituoso com o nacionalismo, o Brasil entrava com mais força na ordem mundial.
O que se materializou com as montadoras automobilísticas que se instalam por aqui. Mas também, ou talvez até mais simbólico, a materialização da utopia modernista do urbanismo que foi Brasília. Le Corbusier jamais imaginaria que suas ideias se transformariam em cidade no centro da América do Sul pelas mãos de arquitetos e urbanistas brasileiros. A enorme quantidade de concreto gasto para construir a futura capital parece que influenciou nossa produção poética que com a poesia concreta e sua santíssima trindade Augusto, Haroldo de Campos e Décio Pignatari estabeleceram pontes com as vanguardas internacionais da época.
O peso do concreto e das linhas abstratas da arquitetura moderna marcaram também a fotografia e as artes visuais. Uma boa maneira de acessar esse diálogo é visitar a exposição “Moderna Para Sempre – Fotografia Modernista Brasileira na Coleção Itaú”, em cartaz no Museu de Artes do Rio Grande do Sul até 10 de outubro. E depois margear o rio Guaíba e aportar na Fundação Iberê Camargo onde se encontra a mostra “Desenhar no Espaço”, que vai até o dia 31 de outubro.
Na primeira, uma mostra rara de fotógrafos brasileiros ou aqui atuantes que optaram por uma experimentação abstrata em suas imagens, escapando da força que o fotodocumentarismo tem ainda hoje no país. São fotografias pouco vistas, algumas até inéditas para o público mais amplo. Artistas como Geraldo de Barros, Thomaz Farkas, José Yalenti e German Lorca que interferiam no negativo para obter o grau de abstracionismo desejado ou que fotografavam objetos e espaços geométricos para assim dar um sentido de “concretismo” em suas fotos.
Já em “Desenhar no espaço”, que reúne artistas abstratos brasileiros e venezuelanos presentes na coleção Patrícia Phelps de Cisneros, o público pode acessar artistas fundamentais do neoconcretismo, segundo nomeou o poeta Ferreira Gullar, uma espécie de teórico do movimento: Lygia Clark, Hélio Oiticica e Willys de Castro. A curadoria de Ariel Jiménez possibilita o paralelo dos movimentos abstratos no Brasil e na Venezuela, colocando em contato sempre as obras de dois artistas dos dois paises. Os artistas venezuelanos foram Carlos Cruz-Diez, Alejandro Otero e Jesús Soto.
Como afirmou certa vez Roberto Schawrz, naquele início dos anos sessenta o Brasil estava irreconhecivelmente inteligente. Um pouco daquela inteligência se encontra nestas exposições: das fotografias abstratas aos não-objetos neoconcretos, um país se desenhava e se abstraía. E se concretizava em sua contemporaneidade.
*Alexandre Barbalho é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e professor dos PPgs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC onde pesquisa sobre políticas culturais e de comunicação e sobre cultura das minorias. Autor e organizador de inúmeros livros entre os quais: Relações entre Estado e cultura no Brasil (1998); Comunicação e cultura das minorias (organizado junto com Raquel Paiva – 2005); Políticas culturais no Brasil (organizado junto com Albino Rubim – 2007) e Brasil, brasis: identidades cultura e mídia (2008).
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