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Inserções de Cildo no Circuito Ideológico

A primeira metade dos anos setenta foi difícil. Talvez os anos mais pesados de nossa história! Puro chumbo! A ditadura militar tinha radicalizado seus procedimentos de extermínio com o AI-5 no final da década anterior e alcançava o máximo de seus requintes perversos no governo Médici (1969-1974). Junto com o “milagre” econômico, do Brasil grande que vai para frente, campeão mundial de futebol, iam desaparecendo “magicamente” homens, mulheres, jovens militantes socialistas, democratas. Ou simplesmente quem estivesse no lugar errado, na hora errada.

Não havia Congresso, os direitos e os mandatos políticos estavam cassados, o habeas corpus suspenso, tribunais militares julgando presos políticos, atuação desenfreada da censura, enfim, o Brasil estava em estado de sítio. Em um regime de exceção onde todos os brasileiros eram potencialmente vida sem qualidade, que poderia ser eliminada sem maiores consequências. Bastava um passo em falso. Diante desse quadro, o que fazer?

No dia 24 de setembro de 2010, no Teatro de Arena no centro da capital paulista, Moacir dos Anjos, um dos curadores da 29ª Bienal de São Paulo ao lado de Agnaldo Farias, conversou com o artista Cildo Meireles. A conversa faz parte de um projeto associado do CAPACETE à Bienal que se iniciou no dia 10 de março com a palestra de Henri Sala e segue até 10 de novembro na presença de Ducha & Jarbas.

Moacir trouxe alguns trabalhos de Cildo para animar o debate. Entre os quais uma de suas obras da série “Inserções em Circuitos Ideológicos”, que começou a desenvolver em 1970 e foi exposta pela primeira vez naquele ano na mostra Information no Museu de Arte Moderna de Nova York. O numero 1 das inserções foi o Projeto Coca-Cola: impressão em garrafas de Coca de mensagens contrárias à lógica mercantil ou à lógica política dominante, como por exemplo, “yankees, go home”. Acontece que essas garrafas eram inseridas no circuito comercial e provocavam curtos-circuitos. O sujeito ia matar sua sede e se deparava com uns escritos que lhe colocavam em xeque.

Mais especificamente, Moacir mostrou e comentou para o público que lotou o pequeno teatro o Projeto Cédula: impressão por meio de serigrafia ou carimbo em cédulas do dinheiro nacional (na época, o cruzeiro) de mensagens críticas à ditadura militar. A mais conhecida foi “Quem matou Herzog?”, em alusão ao jornalista Vladimir Herzog “suicidado” na sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna) em São Paulo no ano de 1975. Vlado estava morto, mas a nota que perguntava sobre a identidade de seus assassinos circulava de mão e mão, entre um troco e outro, questionando os porões do regime onde os seus zeladores menos esperavam.

Cildo Meireles, na conversa daquela noite chuvosa de São Paulo, afirmou que sua obra como um todo não é política. Moacir, seguindo a risca e o risco do recorte curatorial desta nova Bienal, que privilegia as relações entre a arte e a política, defendia que sim, que muitos de seus trabalhos diziam respeito a temas marcados pelas disputas de poder, pelo político. Afinal, estas suas inserções claramente iam contra o controle social naqueles anos contaminados.

Em tempos de poucos possíveis, Meireles mostrava uma das formas de dizer algo, de respirar, de interferir! Trinta anos depois, vivemos um momento raro de nossa democracia, mas nem por isso: outras inserções nos circuitos ideológicos continuam fundamentais para abalar nossas convicções. Isto é fazer política. Aprendemos com Cildo.

*Alexandre Barbalho é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e professor dos PPgs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC onde pesquisa sobre políticas culturais e de comunicação e sobre cultura das minorias. Autor e organizador de inúmeros livros entre os quais: Relações entre Estado e cultura no Brasil (1998); Comunicação e cultura das minorias (organizado junto com Raquel Paiva – 2005); Políticas culturais no Brasil (organizado junto com Albino Rubim – 2007) e Brasil, brasis: identidades cultura e mídia (2008).

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