Houve um tempo em que o mundo se dividiu em três: o primeiro formado pelos países capitalistas desenvolvidos; o segundo composto pelos países do bloco socialista situados no leste europeu e o terceiro pelo resto, países pobres ou remediados, basicamente no hemisfério sul: Ásia, África e América.
Em determinado momento, fazer parte do Terceiro Mundo poderia significar não um destino, mas uma opção política, uma alternativa entre os dois principais polos de poder comandados um pelos EUA, o outro pela URSS. Era a tentativa de algumas lideranças e intelectuais terceiro-mundistas de proporem uma visão de mundo que não passasse nem pela lógica do capital, nem pelo autoritarismo stalinista.
Existiu, inclusive, uma publicação denominada Cadernos do Terceiro Mundo. Foi criada na Argentina em 1974. Depois passou a ser editada no México em 1976 e em 1980 aportou no Brasil. Saía em três idiomas (português, inglês e espanhol) e chegava a mais de 70 países. O último número circulou em 2005. Um de seus fundadores foi Neiva Moreira, jornalista e escritor brasileiro, nascido em Nova Iorque, município do sertão maranhense.
O fim do bloco socialista e também da história (segundo alguns), o processo acelerado de globalização e mundialização, a imposição de um pensamento único liberal e de um único modo de produção (capitalismo) tornaram as divisões de mundo uma coisa do passado. Agora se fala em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ou seja, estamos todos no mesmo barco desenvolvimentista.
Por outro lado, as divisões simplistas, binárias, ficaram mais difíceis. O que é interessante. Por exemplo, a demarcação entre centro e periferia. Não é que os centros e as periferias deixaram de existir. Ao contrário, na realidade eles e elas aumentaram em número e tamanho. O que aconteceu é que os lugares fixos deles(as), de antes, implodiram e agora estão em toda parte.
A África tem seus centros e suas periferias; a África do Sul tem seus centros e suas periferias; a Cidade do Cabo tem seus centros e suas periferias. O mesmo acontece com a Europa, com a Inglaterra, com Londres. E assim podemos percorrer todos os continentes. Caminhe, por exemplo, em Saint-Denis, nos arredores de Paris.
Desça na estação do RER e siga pela rue Republique até a Basílica, onde estão enterrados os reis de França. Difícil encontrar alguém que corresponda ao estereótipo de um “francês legítimo”. As feições, as roupas, os sons, as lojas, as mercadorias nos remetem à África e ao Oriente, um pouco menos à América latina.
O terceiro mundo está ali. Inclusive como posição política contra as novas leis anti-migração, contra os preconceitos religiosos e étnicos, contra os preconceitos de classe. O terceiro mundo está ali, mesmo que não seja bem-vindo (vide o filme homônimo francês de Philippe Lioret, lançado ano passado). Mas lembrando que o pós-colonialismo não é mero artifício discursivo, mas a realidade concreta para milhares de pessoas.
INDICAÇÃO DE LEITURA:
Rego, Fausto. Bom Combate. Entrevista com Beatriz Bissio. Disponível emhttp://www.wooz.org.br/entrevistarits9.htm.
Wancquant, Loïc. Parias urbains: Ghetto, banlieues, État. Paris, la Découvert, 2006.
*Alexandre Barbalho é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e professor dos PPgs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC onde pesquisa sobre políticas culturais e de comunicação e sobre cultura das minorias. Autor e organizador de inúmeros livros entre os quais: Relações entre Estado e cultura no Brasil (1998); Comunicação e cultura das minorias (organizado junto com Raquel Paiva – 2005); Políticas culturais no Brasil (organizado junto com Albino Rubim – 2007) e Brasil, brasis: identidades cultura e mídia (2008).
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