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Transtempo (ou o que há de Galego em nós)

Em Santiago de Compostela, um prédio de fins do século XVII, onde funcionava um convento, abriga hoje o Museu do Povo Galego. O acervo retrata em várias salas múltiplos aspectos dessa cultura da qual, segundo defendem os galegos, se originou a língua portuguesa. As artes e os ofícios ligados ao mar, ao campo, à cidade, os trajes, a música, a arquitetura e seus interiores, arqueologia e obras de arte – são vários os objetos que conduzem o visitante ao uma viagem pela Galícia de outros tempos.

Em uma das salas, a da música, entre os instrumentos tradicionais da região se inclui a gaita de fole, aquela mesma que é símbolo da Escócia – o que se explica pela presença celta entre os antigos ocupantes daquelas terras da península ibérica. Também é possível escutar algumas músicas e uma delas remete à melodia dos cantadores ainda muito comuns nas feiras nordestinas. Ou dos mestres rabequeiros que vagam pelo sertão Brasil afora.

Defronte ao Museo do Pobo Galego, encontra-se o Centro Galego de Arte Contemporânea (CGAC): as pedras escuras do prédio de inícios da era moderna dialogam com as brancas do prédio contemporâneo traçado por Álvaro Siza. Desde sua inauguração em 1993, o CGAC se constitui em importante centro de formação e apreciação das linguagens artísticas, com destaque para as artes visuais, produzidas em todo o mundo. Por exemplo, a exposição que está, agora, em processo de montagem é a da artista brasileira (nascida na Itália) Anna Maria Maiolino.

Entre as exposições em cartaz, a de fotografias de Cristina García Rodero, intitulada “Transtempo”, reunindo dezenas de imagens que a artista foi recolhendo ao longo de três décadas em andanças pelos interiores da Galícia. Considerada uma referência da produção fotográfica contemporânea na Espanha, foi a primeira fotógrafa de seu país a ser admitida como membro de pleno direito na agência Magnum. Recebeu, entre outros, o Premio Nacional de Fotografía (2006), o Bartolomé Ros de PHotoEspaña (2000) e o World Press Photo (1993, 1997 e 2008).

Para um visitante brasileiro, além, claro, da descoberta das paisagens, gentes e costumes singulares, há o espanto com as semelhanças. Uma espécie de déjà vu diante de fotografias que retratam as festas populares (incluindo o carnaval com bonecos que fazem inveja aos de Olinda), os cortejos religiosos, os pagadores de promessa, os ex-votos. A exposição funciona, para nós, habitantes deste lado de cá do Atlântico, como um dispositivo que sobrepõe tempos e espaços, passado e presente, noroeste da Espanha e nordeste brasileiro – um “transtempo”, mas também um “translugar”. Não é de se estranhar que três músicos galegos, Abe Rábade, Guadi Galego e Ugía Pedreira, tenham feito um disco intitulado “Nordestinos”.

Uma das fotos de Cristina García Rodero, intitulada “El arrebato”, mostra uma grande quantidade de pessoas dispostas uma ao lado da outra no meio-fio da rua como se estivessem vendo um desfile. Destacando-se dessa fileira e ocupando o lugar central da imagem, um senhor flexiona as pernas com muito esforço, segurando a mão esquerda de uma mulher que, poderia dizer, é a própria “passista de escola de samba brasileira”. Seu movimento é o de beijar a mão daquela passante vestida em mínimos trajes sob olhares, risos e aplausos de toda a platéia. É o beijo da Galícia no Brasil, símbolo de sua presença em nós.

*Alexandre Barbalho é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e professor dos PPgs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC onde pesquisa sobre políticas culturais e de comunicação e sobre cultura das minorias. Autor e organizador de inúmeros livros entre os quais: Relações entre Estado e cultura no Brasil (1998); Comunicação e cultura das minorias (organizado junto com Raquel Paiva – 2005); Políticas culturais no Brasil (organizado junto com Albino Rubim – 2007) e Brasil, brasis: identidades cultura e mídia (2008).

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