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Bora bubuiar – Coluna Alexandre Barbalho 16/07/2024

Por Alexandre Barbalho

Um rio caudaloso sai carregando com sua força muito do que está pelas margens, inclusive blocos de terra que, jogados na correnteza, viram pequenas e efêmeras ilhas. São conhecidas por marapatá ou periantã. Elas seguem o fluxo da água junto aos diversos outros actantes. Um deles, o/a ribeirinho/a, que vai no mesmo rumo em sua canoa. Ora, quando ele ou ela cruza com uma periantã, de pronto já conecta sua embarcação em algum galho, raiz, pedaço de tronco remanescente. Desse modo, vai no resto de sua jornada de bubuia, sem remar, se deixando levar por sua companheira. Ambas, canoa e ilhota, no ritmo fluvial.

Ir de bubuia, bubuiar. O poeta e pensador João de Jesus Paes Loureiro ouvia esse termo quando criança em Abaetetuba, município paraense situado na margem direita da foz do Rio Tocantins. Transformou em uma espécie de conceito, dibubuísmo, para dizer da relação fenomenológica entre o homem, a mulher, as crianças e a natureza nas amazônias. Autor de uma obra reconhecida para além de fronteiras, a exemplo do livro de poesia Romance das três flautas ou de como as mulheres perderam o domínio sobre os homens, Paes Loureiro diz que bubuiar é um usufruto da natureza, o uso de seus frutos, a partir do que ela oferece, sem agressão.

Bubuiar é o exercício do acontecimento, do intempestivo. É, nas palavras de Paes Loureiro, o “aproveitamento das circunstâncias do meio ambiente em benefício do descanso do corpo, enquanto a imaginação trabalha em suas oficinas do imaginário”. Mas, como ressalta, não se trata de busca do tal “ócio criativo”, no fim das contas vampirizado pelo mercado das criatividades. Nem de preguiça, como gostaria o estereótipo colonizador-racista, sempre atualizado. Trata-se, sim, “de uma forma de atitude produtiva e formadora assumida estrategicamente pelo homem da terra, conceitualmente aplicável ao mundo extra local, de relação funcional entre o homem e a natureza como realidade exterior, em benefício da liberação do corpo de seu esforço físico, disponibilizando o espírito para os trabalhos prazerosos do devaneio”.

Não tem como não seguirmos de bubuia com o poeta-pensador: “Quando o corpo descansa, o espírito trabalha. Fusão dialética e ultrapassadora e sem maniqueísmo da alegórica fábula da cigarra e a formiga. Porque não se trata de um devaneio gratuito em oposição ao trabalho, mas dos acréscimos de construções do imaginário, de complexa elaboração e constituidor de um dos relevantes fatores de configuração do que entendo por amazônico do imaginário cultural na Amazônia”.

Ano passado, Belém sediou, entre 4 de agosto e 12 de Novembro, a I Bienal das Amazônias, reunindo 121 artistas e coletivos atuantes nos nove países que constituem o território amazônico, ou a Pan-Amazônia: Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e Brasil. Com curadoria realizada por um coletivo de mulheres autointitulado Sapukai (do Tupi: grito, clamor ou canto) e homenageando a fotógrafa paraense Elza Lima, o tema da primeira edição não poderia ser outro: Bubuia: Águas como Fonte de Imaginações e Desejos. Se referenciando na noção de dibubuísmo, a premissa curatorial se organizou quatro eixos: 1. Fontes vitais cambiantes; 2. cisão como contraponto; 3. poder de compartilhar; vidas linguagens; e 4.clima(x) t(r)emor; e encontro de desejos. – nessa passagem tem uma parte em itálico que não estava no original e colocar “em” depois de “se organizou”

Em junho desse ano, ligada a uma periatã, a Bienal começou sua itinerância, aportando primeiro em Marabá.  A atividade que abriu a mostra foi a roda de conversa com curadoria e artistas “Tocantins e Itacaiúnas: encontro cósmico de rios”. Mas Marabá e a Bienal itinerante são temas de outra conversa, em breve. Até lá, vamos ficar como o canoeiro e Paes Loureiro, de bubuia, livre para “pensar na vida” e elaborar as narrativas do nosso imaginário.

 

Referências:

João de Jesus Paes Loureiro: Mundamazônico: do local ao global. Revista Sentidos da Cultura, v. 1, n. 1, p. 31-40, 2014.

I Bienal das Amazônias: https://www.instagram.com/bienalamazonias/

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