COLUNAS

Colapso dos editais e a urgência de um novo modelo de fomento – Parte II

Os limites da avaliação por pareceristas

Por Marcelo Bones

 

Este texto é uma continuidade da reflexão iniciada anteriormente sobre a falência do modelo de editais como principal ferramenta de fomento à cultura. Se, no primeiro texto, destaquei o esgotamento desse mecanismo – incapaz de estruturar o setor e garantir sustentabilidade aos trabalhadores da cultura –, agora, aprofundo uma análise, ainda que de forma introdutória, sobre um dos aspectos mais problemáticos desse modelo: o sistema de avaliação por pareceristas.

Não é minha intenção, de forma alguma, desmerecer esse trabalho, que, quando bem-feito, é fundamental e pode, sim, contribuir significativamente para o processo de avaliação dos editais. Falo a partir de uma experiência concreta. Ao longo de 45 anos de atuação na cultura, tenho transitado por diversas funções – artista, gestor público, coordenador de programas culturais, proponente e, nos últimos anos, parecerista. Pretendo continuar atuando profissionalmente como parecerista e conheço de perto a complexidade do trabalho de análise de projetos. Reconheço sua importância, muitas vezes sendo realizado sob grande pressão, com prazos exíguos e remuneração insuficiente. Sei também dos desafios desse processo, especialmente no que diz respeito à assistência, capacitação e orientações oferecidas aos pareceristas por parte dos contratantes. Já vivenciei experiências muito bem conduzidas em avaliações das quais participei, mas também testemunhei falhas significativas em outras. No entanto, a forma como os pareceristas vêm sendo utilizados nos editais da PNAB MG e em outros processos no Brasil expõe uma fragilidade estrutural que compromete a transparência e a justiça na distribuição dos recursos.

Uma das principais fragilidades desse modelo é a falta de clareza e transparência sobre o recrutamento, capacitação e metodologia de trabalho dos pareceristas. Esses profissionais são selecionados por meio de processos muitas vezes questionáveis, com critérios pouco transparentes e sem uniformidade entre os diversos credenciamentos realizados. Em muitos casos, não há garantias de que suas análises seguirão um padrão técnico minimamente coerente. Esse grau de incerteza gera desconfiança e abre brechas para avaliações arbitrárias, incoerentes e contraditórias.
Outro ponto crítico é o isolamento do parecerista no processo de avaliação. Modelos mais robustos, como aqueles baseados em comissões julgadoras formadas pela sociedade civil e pelo poder público, garantem que as propostas sejam debatidas coletivamente, permitindo múltiplas perspectivas e maior equilíbrio na tomada de decisões. Claro que há o desafio do volume de propostas. No caso de Minas Gerais, foram mais de dezoito mil inscrições, o que torna o processo ainda mais complexo. No entanto, não podemos normalizar uma avaliação em massa, quase industrial, que impede uma análise criteriosa e aprofundada das propostas. No modelo atual, um ou dois pareceristas atribuem notas sem qualquer possibilidade de diálogo ou revisão coletiva. Isso reduz drasticamente as chances de uma avaliação mais justa e plural, submetendo os projetos à visão unilateral de um avaliador, que pode ter critérios subjetivos ou simplesmente não compreender o contexto específico de cada proposta.

Outro agravante é que, em alguns casos, há uma completa ausência do Estado no processo avaliativo, delegando integralmente aos pareceristas a responsabilidade pela seleção, em alguns casos, sem qualquer mecanismo de acompanhamento, mediação ou controle de qualidade.

A falta de transparência se acentua na etapa dos recursos. Há pouca clareza sobre quem revisa os pedidos (se são os mesmos pareceristas da primeira avaliação ou novos avaliadores) e sobre qual metodologia é aplicada nessa reanálise. Essa imprecisão fragiliza o sistema e o torna suscetível a injustiças, reforçando a percepção de que a distribuição dos recursos pode resultar num processo pouco democrático e pouco estruturado.

Os recentes editais da PNAB MG explicitam essas falhas: reclamações volumosas de pontuações incoerentes, avaliações contraditórias, gerando muita insegurança para os proponentes, que não conseguem explicar critérios de pontuação variados dentro do mesmo edital sem justificativa clara. Esse tipo de erro mina a credibilidade do processo e aprofunda a precarização do setor, transformando os editais em um jogo de sorte, em vez de um instrumento de fortalecimento da cultura.

O que está em jogo aqui não é apenas a necessidade de ajustes pontuais, mas a urgência de repensar o modelo de fomento à cultura no Brasil. Os editais, da forma como existem hoje, não conseguem dar conta da complexidade do setor e da diversidade das expressões culturais. Precisamos avançar para políticas de financiamento estruturantes, contínuas e democráticas, que garantam não apenas a sobrevivência dos artistas e produtores culturais, mas também a sustentabilidade e o crescimento da cultura brasileira.

Se não encararmos essa discussão de frente, seguiremos reféns de um sistema que nos coloca uns contra os outros, concorrentes em uma disputa desigual por recursos escassos, enquanto a cultura segue sendo tratada como um setor secundário.

Temo que estamos criando um sistema caótico e bagunçado!

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