Foto: Federa莽茫o das Organiza莽玫es聽de聽Base聽(FOB)
Por聽Marcelo Bones
O m锚s de abril de 2025 me reservou intensas surpresas e reflex玫es. Quero compartilhar aqui um pouco da minha aventura mexicana, atravessada por descobertas, encontros e desafios significativos. Antes, creio importante situar-me neste contexto da Cultura Viva. H谩 tempos me dedico ao Pol铆tica Cultura Viva, especialmente pela inser莽茫o do Grupo Teatro Andante, do qual sou fundador, na Pol铆tica Nacional Cultura Viva. Sempre defendi que o Andante, que聽 tem mais de 30 anos de estrada como in煤meros outros grupos no Brasil, opera verdadeiramente como um Ponto de Cultura, produzindo pesquisa, forma莽茫o, redes, pedagogias sofisticadas e projetos art铆sticos complexos, fortalecendo uma cultura viva e comunit谩ria, ampliando o conceito de territ贸rio geralmente entendido pelo por esta Pol铆tica.
Nesses meus movimentos, fui contemplado pela convocat贸ria do Programa IberCultura Viva, destinado a formar uma delega莽茫o brasileira de oito pessoas para o VI Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunit谩ria, realizado na cidade aut么noma de Cher谩n, Michoac谩n, M茅xico, de 11 a 15 de abril. Esse edital tamb茅m nos possibilitava participar antecipadamente do Semin谩rio Internacional Cultura Viva Comunit谩ria: uma Escola Latino-Americana de Pol铆ticas Culturais, realizado pelo Instituto Latino-Americano de Cultura Viva Comunit谩ria e pela Rede de Gestores Culturais 鈥 RGC, na Cidade do M茅xico, de 08 a 10 de abril.
Participei parcialmente do Semin谩rio, sobretudo no 煤ltimo dia. Ali j谩 percebi uma forte tens茫o entre os grupos organizadores do Semin谩rio e do Congresso. A palestra de encerramento, conduzida por C茅lio Turino, refer锚ncia importante do Cultura Viva no Brasil e Am茅rica Latina, n茫o escamoteou as vis玫es diferentes e algumas cis玫es internas no movimento. Esse Semin谩rio, a meu ver com uma vis茫o muito acad锚mica, me deixou impressionado com a intensidade das diverg锚ncias continentais e a profundidade das quest玫es pol铆ticas e organizacionais n茫o resolvidas.
Seguindo para Cher谩n, enfrentei uma experi锚ncia ainda mais intensa e reveladora. Cher谩n 茅 uma cidade singular: em 2011, as mulheres lideraram uma revolta contra madeireiros, narcotraficantes e o pr贸prio Estado, expulsando a todos estes, e estabelecendo um modelo aut么nomo baseado em assembleias comunit谩rias e conselhos locais. Essa autonomia n茫o 茅 romantizada: a seguran莽a comunit谩ria 茅 uma preocupa莽茫o constante, o que ficou explicitado j谩 na cerim么nia de abertura do Congresso, onde membros da Ronda Comunit谩ria fortemente armados estavam presentes junto 脿s autoridades locais, refor莽ando simbolicamente o compromisso com a autodefesa e controle territorial.
Outro elemento central da experi锚ncia em Cher谩n 茅 a aboli莽茫o dos partidos pol铆ticos, vistos pela comunidade como fontes hist贸ricas de divis茫o e corrup莽茫o. As decis玫es s茫o tomadas por usos e costumes, num processo de democracia direta, efetiva e transparente, frequentemente citado como uma alternativa vi谩vel 脿 representa莽茫o partid谩ria tradicional.
Contudo, o Congresso propriamente dito aconteceu sob um clima de evidente tens茫o e conflitos internos j谩 estabelecidos dentro do movimento Cultura Viva. A decis茫o de limitar drasticamente a participa莽茫o, permitindo apenas cerca de dez representantes por pa铆s, dos 13 presentes (contra os 500 participantes da 煤ltima edi莽茫o no Peru) gerou mal-estar. Chegamos, muitos de n贸s selecionados pelo edital IberCultura Viva, “caindo de paraquedas” em meio a disputas e debates antigos. A situa莽茫o piorou com a recusa de entrada de figuras hist贸ricas do movimento, como Eduardo Bal谩n, da Argentina, o que gerou um mal-estar desnecess谩rio, provocado inclusive por ele, que sabia previamente das restri莽玫es 脿 sua entrada no Congresso for莽ando, equivocadamente, uma situa莽茫o j谩 delicada.
Quest玫es fundamentais, como diferen莽as geracionais, o papel dos governos e as tens玫es pol铆ticas internas entre organizadores e participantes do movimento internacional, estiveram constantemente presentes, ainda que nem sempre explicitadas. A assembleia final foi conduzida de forma acelerada e precipitada, resultando em decis玫es importantes tomadas sem nitidez suficiente sobre suas implica莽玫es.
Sobre essa quest茫o, a Comiss茫o Nacional dos Pontos de Cultura do Brasil (CNPdC) publicou uma carta manifestando indigna莽茫o pelos crit茅rios restritivos e antidemocr谩ticos adotados na organiza莽茫o do Congresso, reiterando que n茫o reconhecia o evento como inst芒ncia leg铆tima para decis玫es sobre o futuro do movimento continental. N贸s, participantes brasileiros selecionados pelo edital, publicamos uma nota apoiando as cr铆ticas da Comiss茫o, esclarecendo nossa posi莽茫o de absten莽茫o nas decis玫es, j谩 que n茫o est谩vamos legitimados para representar os pontos e pont玫es de cultura brasileiros. Creio que 茅 muito importante fazer uma avalia莽茫o cr铆tica do pr贸prio edital do IberCultura Viva.
Retornei ao Brasil com sentimentos amb铆guos. Por um lado, maravilhado pela pot锚ncia inspiradora da experi锚ncia aut么noma de Cher谩n, um testemunho vivo de outro mundo poss铆vel. Por outro, preocupado com as profundas divis玫es e a desorganiza莽茫o revelada no 6潞 Congresso. Torna-se evidente que o Movimento Cultura Viva Latino-americano precisa urgentemente promover uma pacifica莽茫o interna e realizar um debate mais transparente e inclusivo. Deixei o M茅xico esgotado, por茅m esperan莽oso, consciente dos desafios que temos pela frente e com a certeza de que a experi锚ncia em Cher谩n precisa ser conhecida, discutida e transformada em uma pr谩tica coletiva mais coerente para o futuro.
Cher谩n: um outro mundo ainda 茅 poss铆vel (e j谩 come莽ou!)
Em tempos de desesperan莽a e de governos que confundem seguran莽a p煤blica com espet谩culo militarizado, h谩 lugares no mundo que resistem 鈥 n茫o como utopia 鈥 mas como pr谩tica. Cher谩n, no cora莽茫o do estado de Michoac谩n, M茅xico, 茅 um desses lugares. Uma cidade de 25 mil habitantes e que, em 2011, decidiu dizer: basta!
N茫o foi um movimento articulado por partidos, nem por ONGs internacionais. Foram as mulheres. Elas disseram: chega de madeireiros ilegais destruindo nossa floresta! Chega de narcotr谩fico aterrorizando nossas fam铆lias! Chega de Estado ausente ou, pior, c煤mplice! Elas acenderam a fogueira no cruzamento das quatro principais ruas da cidade, como quem diz: aqui se acende outra forma de viver!
E acenderam mesmo. Expulsaram os invasores 鈥 os armados, os coniventes, os representantes 鈥渓eg铆timos鈥 do sistema 鈥 e instauraram algo profundamente revolucion谩rio: a autogest茫o comunit谩ria.
Desde ent茫o, Cher谩n vive sem partidos pol铆ticos. Os representantes s茫o escolhidos por usos e costumes. As decis玫es v锚m das assembleias. N茫o h谩 prefeito, nem vereadores. O poder 茅 descentralizado e, vejam s贸, funciona. O que h谩 茅 uma estrutura comunit谩ria baseada em conselhos. E, pasmem: a cidade se tornou mais segura, mais verde, mais igual.
O que Cher谩n fez 鈥 e faz 鈥 n茫o 茅 um conto buc贸lico de aldeia alternativa. 脡 um grito latino-americano, ancestral e atual, dizendo que democracia n茫o 茅 s贸 votar a cada quatro anos, mas construir o cotidiano com as pr贸prias m茫os. E que mulheres camponesas e ind铆genas, muitas vezes vistas como as 煤ltimas da fila, podem, sim, abrir o caminho.
Talvez o que mais espante os observadores externos (e internos tamb茅m) seja isso: funciona. E porque funciona, incomoda. E porque incomoda, 茅 silenciado. Pouco se fala sobre Cher谩n nas manchetes do mundo. Mas quem pisa ali, sente: h谩 um outro modo de viver. Um modo que recusa o cinismo do 鈥渘茫o tem outro jeito鈥.
Talvez uma das reflex玫es provocadas seja sobre os limites e possibilidades de replica莽茫o da experi锚ncia pol铆tica de Cher谩n em outros contextos e escalas. A autogest茫o comunit谩ria, a descentraliza莽茫o do poder e o protagonismo das assembleias populares constituem um modelo potente, mas que nos desafia a pensar: seria poss铆vel aplicar princ铆pios semelhantes em cidades maiores? Ou estamos diante de uma experi锚ncia que, apesar de inspiradora, carrega em si as marcas e as condi莽玫es muito espec铆ficas de um territ贸rio ind铆gena e profundamente conectado 脿s suas tradi莽玫es?
脡 preciso tamb茅m tensionar dois pilares do modelo de Cher谩n: a elimina莽茫o dos partidos pol铆ticos e o foco central na seguran莽a. Por mais que em Cher谩n essas medidas fa莽am sentido no contexto da luta contra o narcotr谩fico e a corrup莽茫o partid谩ria, n茫o se pode simplesmente transpor esses elementos para outras realidades sem uma an谩lise cr铆tica.
Cher谩n 茅, ao mesmo tempo, reflex茫o, den煤ncia e an煤ncio. Den煤ncia de um mundo onde o lucro vale mais que a vida. E an煤ncio de outro, onde a comunidade, a floresta e a dignidade t锚m nome, rosto, corpo e hist贸ria. 脡 respirar o imposs铆vel tornado real. 脡 ouvir, no sil锚ncio das montanhas pur茅pechas de Michoac谩n, a frase batida, mas que teima em sobreviver: sim, outro mundo 茅 poss铆vel. E, 脿s vezes, come莽a por uma fogueira acesa por mulheres cansadas de esperar.
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