COLUNAS

Quem é você no rolê das eleições municipais?

Por Fayga Moreira*

Em tempos de tanta indiferença com a política, a democracia representativa – tal qual a conhecemos – ainda é uma solução viável para melhorar a qualidade de vida nas cidades? Pesquisadores alertam que, para boa parte da população, tanto faz quem esteja no poder, já que as mudanças não são sentidas em um curto prazo.

Mas será que tanto faz mesmo? Eu gosto muito da provocação que este quadrinho[1] traz. Aliás, acredito mesmo na capacidade das ilustrações, desenhos, memes, cartoons (e da arte, de modo geral) de tocar onde a racionalidade não alcança.

Esse desdém com a capacidade da política de transformação tem a ver não só com a própria institucionalidade dos governos (municipais, estaduais e federais), cada vez mais distantes do povo. O que carece em nossa sociedade, também, é de uma educação para participação democrática. Os conselhos foram o modelo adotado institucionalmente para garantir o envolvimento das cidadãs e cidadãos na formulação e implementação de políticas públicas.

Quanto mais conselhos esvaziados, quanto mais baixa a participação popular, quanto menor for a compreensão sobre o processo democrático (para além do voto), quanto menor a fiscalização, a pressão e o diálogo com os vereadores e prefeitos que escolhemos para nos representar, maior a sensação de “tanto faz”, de descrédito, de despolitização da sociedade.

Como podemos, então, fazer das eleições uma aposta no processo democrático, insistindo no seu fortalecimento? Me alinho muito com o que a cientista política belga, Chantal Mouffe, propõe: um processo democrático em que a participação social seja de alta intensidade, o que ela chama de “democracia plural e radical”[2]. Para a pesquisadora, essa é a única forma de escaparmos do horizonte para o qual estamos caminhando: sociedades politicamente democráticas (no sentido formal), mas socialmente fascistas (em que direitos humanos, sociais, culturais, deixam de ser reconhecidos como parte intrínseca da democracia).

 

Por isso, pergunto: quem é você no rolê das eleições municipais?

Aquela pessoa que considera as eleições um momento ótimo pra gente depositar nas urnas o respeito às diferenças como valor inegociável?

Aquela que usa seu voto como forma de combate a posturas conservadoras que não respeitam o estado laico?

Aquela que faz do voto útil uma estratégia para diminuição de riscos e danos?

Aquela que dialoga com respeito, apresenta sua divergência, sem perder a firmeza e convicção, no grupo da família?

Aquela que só faz post nas redes sociais e evita debater com outras pessoas para não gerar tretas?

Aquela que acompanha todas as propostas da sua vereadora durante todo o mandato?

Aquela que vota e nem se lembra depois quem foi mesmo que escolheu para ocupar o cargo?

Aquela que ataca, ridiculariza ou despreza o posicionamento político da outra, partindo do pressuposto que só há um lado certo na democracia?

Aquela que entende que democracia é conflito de ideias, ideais, princípios, propostas, mas não hostilidade, agressão física ou verbal?

Aquela que vota com paixão ou aquela que vota só por obrigação?

Aquela que lê todo o caderno de propostas dos candidatos e, só então, decide para quem vai seu voto?

Aquela que só vota na legenda?

Aquela que veste a camisa? Aquela que vai neutra, no dia da eleição, para não causar?

Aquela que participa ativamente de um conselho e não terceiriza o processo de decisão apenas para os governantes eleitos?

Aquela que participa de todas as consultas públicas?

Aquela que manda sugestões para o Prefeito (a) de melhoria do seu bairro?

Aquela que participa da associação de bairro, de coletivos, de sindicatos, de qualquer forma de associação que contribua para alargar a democracia, tornando-a mais plural?

Aquela pessoa que vai a todas as manifestações, participa de greves, sobe no palanque para discursar? Ou aquela faz cara de nojinho para qualquer ativista ou militante de alguma causa?

Aliás, você tem uma causa? Se sente parte da democracia ou só excluída dela?

Essas são perguntas que me faço, enquanto cidadã que deixa muito ainda a desejar na participação política coletiva. E você, como se sente?

Termino com o depoimento de um remanescente de quilombola, que li numa reportagem da EBC há algum tempo: “tem muito que melhorar ainda, tem. Mas já tem mais que meio caminho andado”. E é esse “mais que meio caminho andado” que precisamos defender para não perdermos o rumo da democracia. Ela que é precária, anda cambaleante, mas ainda é a forma mais possível que a humanidade encontrou de aproximar as demandas populares do exercício do poder.

[1] https://www.instagram.com/cristirinhas/

[2] https://revistacult.uol.com.br/home/chantal-mouffe-e-a-filosofia-politica/

 

*Fayga Moreira, jornalista, pesquisadora, produtora cultural, professora universitária, escritora e mãe.

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