Em um ponto os rios Itacaiúnas e Tocantins se encontram. Nesse território entre margens surge Marabá, que em Tupi significa “filho da mistura”. Uma das narrativas sobre o nome da cidade diz ele que veio do poema homônimo de Gonçalves Dias: “Eu vivo sozinha; ninguém me procura!/Acaso feitura/Não sou de Tupá?/Se algum dentre os homens de mim não se esconde,/— Tu és, me responde,— Tu és Marabá!” Daí ser conhecida como “cidade poema”.
Na página oficial da prefeitura na internet se lê que a história da cidade também é narrada em poesia. Que o diga “Eh Marabá”, um dos poemas da guerrilha do Araguaia que foram publicados no jornal Resistência, em fevereiro de 1979:
Eh Marabá
um canto rebelde a teus fuzis!
um canto global
cheirando a ar de madrugada
um canto dessa gente brasileira
de arrastão arrastando rede
barcaça subindo e descendo rio
um canto de enxada e suor na terra
aboio dolente ninando a noite
um canto
dessa gente apressada das cidades
poluído com fumaça
chaminé e sirenes de fábricas
Eh Marabá
norte, bússola, bandeira
estrela da manhã
carta de marear
o teu povo se integra em ti!
Eh Marabá
do fundo da noite
da impotência do braço
longos anos te esperamos!
Mas hoje sabemos
que o teu braço de oprimido
é maior que o Empire State
que o clarão de mil napalms
devastando o matagal
Norte, bússola, bandeira
estrela da manhã
carta de marear
Eh Marabá
Os oprimidos aprendem o caminho!
Marabela é o que diz o grafite visto de quem vem da praia do Tucunaré, a praia do rio Tocantins na ilha que fica em frente à Marabá velha. Mas a beleza da cidade tem muito de trágico que se expressa pelo fato de ser cortada pela Transamazônica, parte do projeto de “integração nacional” do Regime Militar, e em seus ciclos socioeconômicos.
No Museu Municipal Francisco Coelho, nome do fundador oficial do município, aprende-se, de forma ufanista, sobre os tais ciclos que marcaram a cidade: o ciclo da borracha extraída do caucho (e não resta mais essa árvore); o ciclo da castanha (e hoje já não há mais castanheiras); o ciclo da mineração, que permanece até hoje (e a imagem do formigueiro humano que foi Serra Pelada e o que restou dele, um imenso lago contaminado por mercúrio, diz tudo); e o ciclo da agropecuária (e a destruição da mata nativa para virar pasto que o criatório extensivo demanda, também diz tudo).
A I Bienal das Amazônias, que ocorreu em Belém no ano passado, começou sua itinerância em versão reduzida pelo espaço amazônico e a primeira parada está sendo em Marabá. Um dos trabalhos expostos, “Sinergia Provisória”, é uma instalação feita com ganchos de ferro, do tipo que é utilizado para pendurar as reses abatidas pelos grandes frigoríficos, como os que existem em Marabá. O sudeste do Pará é a região que concentra o maior número de rebanho paraense e dos oito frigoríficos habilitados para exportação um está em Marabá.
Marcone Moreira, autor da obra, nasceu em Pio XII, Maranhão, vive e trabalha em Marabá. Como situa Pedro Lima, Moreira trabalha com materiais distintos e diretamente relacionados à cidade. Para tanto, “coleta pedaços de embarcações, carrocerias de caminhões e outros meios de transporte, isopores de ambulantes, engradados de garrafa, telhados, todos encontrados no município, e expõe esses objetos a partir da seleção de um fragmento. O resultado são fragmentos de madeira, ferro e nylon, com superfícies irregulares, cobertas por pinturas desgastadas”. Ainda segundo Lima, “ao trabalhar com fragmentos dos objetos que elege, na maior parte das vezes Marcone amplia o processo de desacoplamento desses com seus usos originais. Novas informações e sentidos são incorporados, sem que se percam as informações dos usos anteriores”.
A sinergia apresentada por Moreira em sua obra funciona como uma espécie de síntese da força das commodities em Marabá. Mateus Nunes chama atenção para o fato de que os ganchos que sustentam a carne fazem analogia “ao corpo humano perfurado, estigmatizado por práticas violentas de exploração” e, ao mesmo tempo, “endereça essas questões ao viver próximo a Carajás, no sudeste do Pará, onde se situa a maior mina de minério de ferro do mundo”.
O trágico é que essa sinergia não parece ser provisória, mas bastante consolidada naquele e em outros pedaços da Amazônia. Acontece que a vida e a arte continuam pulsando. Vide o documentário Adeus capitão, de Vincent Carelli e Tatiane Almeida que retrata a luta do povo indígena Gavião que vive na região de Marabá para manter sua memória e sua cultura (obrigado Cezar Migliorin e André Brasil, por me falarem desse filme).
Referências:
Ivania da Silva Pereira de Melo. Os poemas da guerrilha do Araguaia: uma poética da resistência. Narrares Journal, v. 1, n. 2, p. 97-115.
Mateus Nunes. Rotas diaspóricas, rotas migratórias. Disponível em https://www.sp-arte.com/editorial/rotas-diasporicas-rotas-migratorias/.
Pedro Ernesto Freitas Lima. A travessia de Marcone Moreira por estradas, rios e memórias marabaenses. Revista Poiésis, v. 17, n. 28, p. 161-178, 2016.
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