COLUNAS

Slamize-se quem puder

O slam brasileiro revela uma potência poética que desafia os centros culturais e conquista novos públicos

Por Alexandre Barbalho

 

Outubro de 2023. Na laje do Museu de Arte do Rio (MAR), abria a exposição “Gira da poesia: 15 anos de slam no Brasil”. A curadoria de Roberta Estrela D’Alva, Luiz Romão e Júlio Ludemir dava a ver parte do acervo do Núcleo Bartolomeu e da Festa Literária das Periferias (FLUP). No andar imediatamente baixo, já nas salas de exposição do MAR, estava em cartaz “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade”. Com curadoria da equipe do museu e mais Taísa Machado e Dom Filó, e a colaboração de Deize Tigrona, Celly IDD, Tamiris Coutinho, Glau Tavares, Sir Dema, GG Albuquerque, Marcelo B Groove, Leo Moraes, Zulu TR, a mostra trazia um pouco do universo do funk carioca.

Situado na praça Mauá, zona portuária no centro da cidade do Rio de Janeiro –  vizinho do sítio arqueológico do Cais do Valongo, principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil –, o MAR parecia à vontade para receber as duas exposições e seus públicos, a despeito da imponência dos prédios que lhe constituem: um palacete eclético e um edifício modernista.

Julho de 2024. A mesma gira chega ao Instituto Tomie Ohtake como parte de um projeto mais amplo, o festival “Poesia em presença – Entre cenas, slam, spoken word e rap”. Com curadoria de Dani Nega, o festival, além da exposição, proporcionou oficinas, debates e performances, com a presença de importantes slams brasileiros: Slam Coalkan, ZAP! Slam, Menor Slam do Mundo, Slam da Guilhermina, Slam das Mulé e o Slam do Corpo. Na parte de baixo do Tomie, uma exposição reunia dois clássicos modernistas: Calder+Miró.

Margeando a avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro e comercial de São Paulo, o Instituto recebeu públicos poucos usuais nesses dias de festival.  Pelo prédio projetado por Ruy Ohtake com formas geométricas e suas cores – que se destaca de seus vizinhos austeros, mais adaptados ao humor do mercado –, passaram pessoas que nunca imaginaram (ou quiseram), até então, quebrar a barreira simbólica que impedia o seu acesso gratuito àquele espaço expositivo.

Essa passagem do slam da rua para dentro de instituições consagradas e consagradoras no campo das artes é, talvez, a face mais visível para quem mora nas partes nobres das urbes, de um movimento potente de produção poética situado fora do centro literário brasileiro. Nas margens, nas periferias das cidades em todo o país a poesia corre solta!

Se o Rio sedia a FLUP e São Paulo a Cooperifa, em Fortaleza, como exemplo para sair do eixo, ocorrem saraus em bairros onde não chega a elite cultural da cidade. A exemplo do Sarau da B1 que acontece desde 2015 na praça da avenida Bulevar 1, no Conjunto São Cristóvão, parte do Grande Jangurussu – na “Rampa do Jangurussu”, por vinte anos, se depositou todo o lixo produzido na capital cearense, sem qualquer tipo de tratamento.

A cada mês, a leitura reúne dezenas de poetas e interessados/as em poesia, a maioria jovens, que vêm de diferentes territórios para a praça do bairro, tornada uma “quebrada”. O acontecimento é realizado pelos Poetas de Lugar Nenhum e lá, como informa o Mapa Cultural do Ceará, “se encontram várias matizes, vários credos e classes. Lá não se fala em preconceito, a não ser para combatê-lo. Poetas de estilos variados. Pessoas com sede do novo. Sarau da B1 é da comunidade pra comunidade. Lá a poesia salva!”

Francisco Silva, Geovani Jacó de Freitas, Claudiana Nogueira de Alencar e Kaciano Barbosa Gadelha falam dessa presença coletiva que faz da B1 um “lugar-encontro um espaço de festa, poesia, luta e afetos”. Trazendo seus poemas, seja decorado, seja lendo da publicação na internet, do digitado no celular ou escrito no papel, “cada poeta é uma poema, um arquivo-vivo de territórios perecíveis – por ser da ordem da transmutação, a fumaça que se transforma em outra coisa antes de queimar. Entre o dentro e o fora, a Poeta é uma caminhante, um griot que tem [e está sendo] no corpo escrituras de luta e sonhos germinando”.

É por aí, pelas quebradas, por meio do microfone aberto – tomando emprestado a imagem mobilizada por Rômulo, Geovani, Claudiana e Kaciano – que vai se dando essa gira poética. Quem quiser, é só chegar junto.

 

Referência:

Francisco Silva, Geovani Jacó de Freitas, Claudiana Nogueira de Alencar e Kaciano Barbosa Gadelha. Microfone Aberto. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 62, p. 337-350, 2023.

 

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