Entrevista com Lidiane Freire de Jesus, Presidente do Conselho Estadual de Economia Solidária do Rio Grande do Norte.
Texto: Tatiana Schwartz[1] e Vítor Costa[2]
O Observatório da Diversidade Cultural entrevistou Lidiane Freire, sobre Economia Solidária, discutindo o impacto da ECOSOL como instrumento de transformação da vida de trabalhadores e trabalhadoras pelo Brasil. Lidiane é Tecnóloga em Cooperativismo, com especialização em Economia Solidaria e Desenvolvimento Territorial pela UFRN. Educadora popular, Monitora Técnica de projetos em economia solidária, Presidente do Conselho Estadual de Economia Solidária e militante do movimento da Economia Solidária – Fórum Brasileiro e Fórum Potiguar de Economia Solidária.
Observatório:O quea Economia Solidária representa?
Lidiane: A Economia Solidária representa um ato revolucionário da classe trabalhadora, cansada e excluída dos meios de trabalho exploratório do sistema capitalista. Parece ideológico demais, não é mesmo? Pois bem, a ECOSOL é o resgate de valores e princípios baseados na ação autogestionária coletiva, cooperativada e solidária de trabalhadores e trabalhadoras, que relacionam prioritariamente o bem viver às dimensões do trabalho, social e política.
ODC: Com a associação entre trabalhadores e trabalhadoras, a autogestão dos empreendimentos de Economia Solidária e a divisão equânime dos ganhos, a Economia Solidária traz uma quebra de paradigmas que acaba construindo uma nova lógica na relação entre os cooperativados. Como você entende que isto impacta nas comunidades, e nas vidas das trabalhadoras e trabalhadores envolvidos com a Economia Solidária?
LF: Essa pergunta traz em seu contexto a afirmação de que as praticas da ECOSOL quebram paradigmas econômicos, construindo assim novas relações entre as pessoas. Eu concordo. O impacto dessa construção é perceptível no desenvolvimento social, político e econômico das pessoas envolvidas a partir da descentralização do capital, do direito, da participação, da democratização dos meios de produção e geração de renda. O impacto da ECOSOL nas comunidades depende diretamente do grau de auto-organização do Empreendimento Econômico Solidário, quanto mais estruturadomais envolve a comunidade em seu processo autogestionário e no desenvolvimento econômico local.
ODC: A Economia Solidária tem caminhado, junto com a agroecologia e a agricultura familiar, como forma de sustento das famílias de trabalhadores e trabalhadoras, além da conscientização sobre uso consciente de recursos naturais, perigos dos agrotóxicos e os problemas dos alimentos transgênicos. Quais os resultados deste trabalho conjunto nas cidades e regiões onde ele acontece?
LF: Quem produz agroecologicamente reconhece que o mercado/sistema capitalista contradiz o modo de produção onde o bem viver do ser humano e a relação harmoniosa com o meio ambiente é prioritário. Sendo assim, a ECOSOL tem sido a estratégia orientada para a organização da produção e comercialização da agricultura familiar, em especial a de base agroecológica. Tem sido incentivado a organização coletiva de agricultores e agricultoras com base nas práticas de cooperação, solidariedade, sustentabilidade, desenvolvimento local, no campo da comercialização e acesso a mercados institucionais, a exemplos de: Feiras Agroecológicas, Redes de Cooperação Solidária, circuitos curtos de comercialização fomentando o desenvolvimento da comunidade, e centrais/cooperativas territoriais para garantir a distribuição e periodicidade nas compras governamentais.
ODC: O feminismo é um instrumento de luta política das mulheres para combater as violências sofridas e ocupar mais espaços de poder que lhes garantam autonomia e protagonismo. Como você enxerga a introdução da pauta feminista nos Empreendimentos de Economia Solidária?
LF: A estratégia autogestionária, que comunga com a ECOSOL em seus primórdios e teoria, reconhece a necessidade de criação de espaços onde o ser humano possa exercitar e usufruir de direitos e justiça. Desse modo, possibilita, na sua construção e fortalecimento, a inserção de pautas e segmentos historicamente excluídos do sistema capitalista. E o feminismo é uma dessas pautas. Faz necessário os empreendimentos econômicos solidários pautar e por em prática a valorização e visibilidade do trabalho da mulher, considerando a dimensão da reprodução, dos cuidados e desmistificando a divisão por gênero do trabalho em seu processo de gestão e organização.
ODC: Quais as mudanças que as trabalhadoras da Economia Solidária têm conquistado após relacionar-se com o feminismo?
LF: Trata-se de um processo educativo e político que envolve sentimentos, relações de gênero, enfrentamento a relação de poder entre outros aspectos que implicam no cotidiano das mulheres. O autorreconhecimento da capacidade técnica e intelectual em desenvolver a gestão administrativa, produção e comercialização do seu empreendimento é um impacto bastante perceptível nos EES que pautam o feminismo. Bem como o aumento da autoestima, valorização do trabalho, visibilidade e incidência política na gestão e condução do grupo e sua inserção, contribuição na construção de políticas públicas que favorecem e fortalecem o trabalho por elas realizado.
ODC: Vivemos um momento delicado no país, em que a retração econômica e a opção por um programa neoliberal do Governo Federal coloca riscos aos avanços conquistados nos últimos anos. Como você enxerga esta conjuntura e quais os impactos para a Economia Solidária? Quais as alternativas para este contexto são de fato concretas e podem ser implementadas?
LF: Primeiro não concordo que a gestão federal atual tenha originalmente um projeto Neoliberal. O que vivenciamos hoje é reflexo de uma crise econômica internacional que se inicia no centro do capitalismo e hoje chega com força nos países em desenvolvimento e, no Brasil em especial, contamos também com um legislativo conservador que tem construído estratégias para dificultar avanços que fortalecem e desenvolvem a classe popular do país. Desse modo, o Brasil e toda a America Latina correm riscos de perdas e retrocessos principalmente nas ações e políticas sociais. Nos últimos 13 anos diante de uma gestão progressista, é perceptível avanços na construção de igualdade de direitos em diferentes áreas e segmentos, mas também muita resistência do capital. O movimento tem pautado para dentro da política de governo a economia solidária como projeto de desenvolvimento econômico social e sustentável, onde sua expressão é a auto-organização de trabalhadores e trabalhadoras, sendo também uma estratégia de inclusão e geração de renda diante da crise e do desemprego assolados pelo sistema capitalista, também aponta a necessidade de torná-la uma política pública que assegure o direito ao trabalho associado. Com a instabilidade econômica e política do governo, as ações de fortalecimento para uma política de economia solidária também são afetadas, no entanto há um reconhecimento da relevância e a defesa da permanência com avanços para sua consolidação enquanto política pública ajustada a realidade dos empreendimentos econômicos solidários.
[1]Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades com Área de Concentração em Relações Internacionais, na Universidade Federal da Bahia.
[2]Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades com Área de Concentração em Relações Internacionais, na Universidade Federal da Bahia.
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