REVISTA OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
Aos Leitores
José Márcio Barros, Editor
A importância e a atualidade do debate sobre a diversidade cultural são mundialmente reconhecidas e gravitam entre polos distintos. De um lado, uma visão crítica e pessimista, fruto da preocupação com a significativa incidência em inúmeros países de guerras e outras formas de violência, decorrentes de diferenças étnicas, religiosas, de gênero e raciais. Em pleno século XXI, vive-se o paradoxo de um mundo que produz intensamente diferenças, mas que, na mesma intensidade, mantém viva a intolerância com as mesmas. Não são poucas, e marcadamente sutis, as práticas de exclusão e violência inter e intrassociedades a partir da intolerância decorrente da relação entre as diferenças culturais e o poder.
Em outro polo reflexivo, aponta-se para o fato de a cultura estar, gradativamente, sendo alçada ao centro dos debates sobre a construção de modelos alternativos para o desenvolvimento humano. Aqui, as diferenças culturais são tomadas como pré-requisito para regimes de paz social, de garantia da cidadania, de desenvolvimento econômico e de novos modelos de produção, comunicação e compartilhamento das artes e do conhecimento.
Estamos diante de um complexo processo. As diferenças culturais tanto inauguram possibilidades de uma nova ordem social quanto nos remetem aos desumanos processos de exclusão. Quando não acompanhadas do valor da igualdade, as diferenças ameaçam a diversidade e impedem a construção do pluralismo e da interculturalidade.
A reconhecida importância da cultura para a consolidação de uma economia baseada no saber e na criatividade também consolida a expectativa de que a diversidade cultural, entendida como construção, possa assumir o papel de fonte de dinamismo social e econômico, capaz de enriquecer a condição humana no século XXI e suscitar novas relações entre a memória, a criatividade e a inovação.
O enfrentamento crítico da questão sugere que se vá além da postura que confina a diversidade cultural ao passado, às tradições ou às culturas populares. Demanda também a superação de uma curiosa prática, na qual, em nome de sua proteção, se vê reforçada a preservação de fundamentalismos de matizes as mais distintas. Conjugar a cultura com o direito, a igualdade com a diversidade pode apontar para possibilidades de reflexões e práticas transversais e abertas, que assegurem as identidades referenciais, mas que garantam as possibilidades de trocas e o reconhecimento das formas híbridas.
Por esses e tantos outros motivos, a diversidade cultural constitui, cada vez mais, um tema atual e complexo, a ser abordado nos campos da política, da comunicação, da educação formal e informal, dos projetos culturais e das formas associativas e de sociabilidade por meio da arte e da cultura.
As ideias e as atitudes em torno da diversidade cultural, o reconhecimento da importância de sua preservação e de sua promoção, como afirmada pela convenção da Unesco de 2005, as políticas e as práticas culturais em países como o Brasil e nos continentes sul-americano e europeu revelam como sua natureza é eminentemente dinâmica e histórica.
Este número temático da revista Observatório Itaú Cultural, em parceria com o Observatório da Diversidade Cultural e a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, do Ministério da Cultura (SID/MinC), busca mapear ideias e atitudes, trazer ao leitor visões e propostas, revelar realidades e sonhos em torno da importância antropológica, política, econômica e estética expressa pela diversidade cultural. Para tanto, parte do princípio de que a melhor forma de tratar a diversidade é praticando-a como linha editorial. Daí a estrutura da revista e seu mosaico de convidados e temáticas; uma tentativa de convocar a diversidade para se pensar a diversidade cultural.
Na primeira seção, publicamos o “Dossiê: convenção da Unesco, o Brasil e as políticas públicas”.
O texto “Para entender a convenção”, de Giselle Dupin, jornalista especializada em relações internacionais e assessora do Ministério da Cultura do Brasil, oferece uma clara e objetiva introdução ao significado e ao percurso histórico desse importante instrumento político e jurídico internacional, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, adotada pela Unesco em 2005.
Na sequência, Jurema Machado, arquiteta e coordenadora do Setor de Cultura da Unesco no Brasil, analisa os desafios para a efetivação da convenção, destacando que a agenda política por ela inaugurada em 2005 está apenas em seu começo. Os avanços já efetivados são visíveis, mas os desafios são igualmente reconhecíveis.
Albino Rubin, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e docente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da instituição, e Lia Calabre, pesquisadora-chefe do Setor de Estudos de Política Cultural da Fundação Casa de Rui Barbosa, afirmam que a sociedade capitalista em que vivemos não constitui um bom ambiente para a diversidade cultural e apresentam um conjunto de características necessárias para uma efetiva política pública para sua proteção e promoção.
Integra o dossiê o texto “Diversidade cultural e sociedade do conhecimento”, escrito por Alfredo Manevy, secretário executivo do MinC e doutor em cinema e vídeo pela Universidade de São Paulo (USP). O autor apresenta alguns exemplos da relação entre a diversidade cultural e a agenda política e institucional do governo federal.
Encerra a seção uma entrevista exclusiva com Américo Córdula, pesquisador das culturas populares, ator e secretário da Identidade e da Diversidade Cultural, do MinC. Em sua conversa, é destacada a importante e decisiva participação do Brasil no processo de construção e efetivação da convenção da Unesco, além das características dos programas desenvolvidos pela secretaria sob seu comando. Como exemplo concreto, é apresentado um balanço dos editais públicos de premiação de iniciativas culturais, analisando-os como ferramenta de política pública da SID/MinC.
Na segunda seção da revista, publicamos um conjunto de textos resultado de estudos e apontamentos realizados por jornalistas e pesquisadores brasileiros a convite do Observatório da Diversidade Cultural. Ulrike Agathe Schröder, doutora em comunicação social pela Universität Essen-Gesamthochschule e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta as singularidades e as semelhanças do rap no Brasil e na Alemanha. O jornalista e poeta Bráulio Tavares aborda a rica e curiosa linha poética e histórica que aproxima e une o rap e o repente, a poesia falada e o verso feito na hora; o Brasil, a África e os Estados Unidos.
Em “Trânsitos intermidiáticos e diversidade cultural”, Tailze Melo, Renata Alencar e Geane Alzamora, professoras e pesquisadoras da área de comunicação e cultura, discutem o espaço relacional da cidade, o tipo de experiência que temos na atual configuração urbana e a mediação tecnológica de que nos valemos para singularizar e registrar nosso estar no mundo.
Por fim, o meu texto procura relacionar o debate sobre a proteção e a promoção da diversidade cultural com a questão da gestão cultural. A pergunta central do texto é: ao definir o pluralismo cultural como a resposta política à realidade da diversidade cultural, como pensar a gestão cultural no singular?
Na seção “Olhares sobre a diversidade cultural”, três jovens e talentosos jornalistas e fotógrafos, Humberto Pimentel, Luan Barros e Rafael Munduruca, procuram desvendar a tênue fronteira que separa e une as práticas de afirmação identitária e a alteridade. Os pomeranos no Espírito Santo, a comunidade Yuba em São Paulo, o movimento de
transgêneros na Bahia, a comunidade negra dos Arturos em Minas Gerais, os árabes em Mato Grosso do Sul e os povos indígenas de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, formam um rico painel das possibilidades de convivência e cooperação entre os iguais e os diferentes.
No roteiro de leituras, preparado pelas pesquisadoras Fayga Moreira e Paula Ziviani, o leitor encontrará sugestões de livros e textos capazes de subsidiar buscas para o alargamento e o aprofundamento da compreensão da diversidade cultural e de seus temas conexos.
O músico e compositor Marcelo Yuka, um dos fundadores e ex-integrante da banda O Rappa e atualmente dirigente da ONG F.U.R.T.O., participa da revista com uma inédita letra de sua autoria.
Na ultima seção, especialistas e pesquisadores de seis diferentes países foram convidados a produzir diferentes abordagens sobre a temática da diversidade cultural.
No primeiro artigo, o argentino Néstor García Canclini, professor da Universidad Autónoma Metropolitana, do México, aborda a relação entre a diversidade e os direitos no contexto dos processos de interculturalidade global. Para o autor, o debate sobre a diversidade cultural deve considerar as conexões entre as tecnologias digitais, a globalização e a informalização da vida social e política, de tal forma a compreender os novos cenários e os novos sujeitos que emergem.
Já para Jésus Martín-Barbero, professor e fundador do Departamento de Ciências da Comunicação na Universidad del Valle, na Colômbia, a questão da diversidade cultural adquiriu novos sentidos, que superam a mera afirmação da “pluralidade” e passam a significar a simultaneidade entre alteridade e interculturalidade. Com um olhar focado na questão da memória coletiva, Martín-Barbero reflete sobre a emergência, em diferentes países sul-americanos, do desafio de pensar o patrimônio cultural como expressão da diversidade cultural.
No artigo “Os direitos culturais finalmente na linha de frente?”, Patrice Meyer-Bisch, membro da Cátedra Unesco para os Direitos do Homem e a Democracia, da Universidade de Fribourg, na Suíça, volta a analisar as relações entre o direito à cultura e a diversidade cultural, estabelecendo uma rica conexão com a problemática do desenvolvimento. A pobreza cultural é debatida como o processo de restrição ao pleno exercício dos direitos culturais, que impede a experiência com e na diversidade.
Para o professor da Universidade Carlos III, de Madri, e coordenador do Observatório de Cultura e Comunicação da Fundação Alternativas, Luis Albornoz, o mundo contemporâneo é fortemente marcado por processos de mediação centrados de forma excessiva em poucos agentes, o que traz uma grande ameaça à diversidade cultural. A convenção da Unesco de 2005 e a Carta Cultural Ibero-Americana, de 2006, são analisadas como importantes instrumentos de enfrentamento aos riscos de empobrecimento cultural.
José Machado Pais, pesquisador e professor da Universidade de Lisboa e presidente do Observatório de Atividades Culturais em Portugal, discute como os processos crescentes de migração transformaram a União Europeia num território da diversidade cultural.
Entretanto, os desafios para a superação dos preconceitos e das práticas discriminatórias são pré-requisitos para a construção de uma coesão social por meio da diversidade.
Por fim, o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia Luiz Mott pergunta: “O que seria educar para a diversidade tanto no contexto formal quanto no informal da educação e da cultura”, especialmente numa cultura ainda marcada pela homofobia e pela discriminação aos segmentos LGBT?
Como afirmado no início, o conjunto de abordagens aqui organizadas expressa a certeza de que somos tanto mais diversos quanto mais plurais e tanto mais plurais quanto mais capazes de estabelecer interações entre nossas diferenças.
Boa leitura.
CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024 A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]
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