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A importância das Conferências Municipais de Cultura – Entrevista com Gabriel Portela

Há quase 10 anos não é realizada a Conferência Nacional de Cultura, momento importante para a sociedade organizada e representantes do governo, avaliarem, debaterem e proporem políticas, programas e ações no campo das políticas públicas culturais. Por isso, a realização da Conferência Municipal de Cultura, apesar da ausência de convocação nacional ou estadual, é fundamental para fortalecer as instituições democráticas e a própria democracia, além de permitir que as diretrizes políticas da cultura na Prefeitura de Belo Horizonte sejam estabelecidas em diálogo com a cidade.

O coordenador do ODC, Prof. José Márcio Barros, entrevistou Gabriel Portela que explicou sobre a importância das Conferências de Cultura em Belo Horizonte.

Gabriel Portela é gestor cultural e mestrando em Economia pela UFRGS. Atual Secretário Municipal Adjunto de Cultura de Belo Horizonte, foi chefe da Assessoria Especial do Ministério da Cultura entre 2015 e 2016, coordenador de novos negócios da Spcine – Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo (2016-2017) e assessor especial da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (2014). Coordenou projetos na área de economia criativa na Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras – CERTI e foi pesquisador em políticas culturais pelo Observatório da Realidade Organizacional da UFSC.

Observatório da Diversidade Cultural (ODC) – Por que é tão importante realizar uma Conferência Municipal de Cultura e em especial, qual o seu sentido na atual conjuntura das políticas culturais no Brasil?

Gabriel Portela – Nas democracias contemporâneas, há a premissa fundamental da ideia de igualdade intrínseca, em que todas as pessoas devem ser consideradas iguais nos assuntos coletivos. Nesse sentido, a participação social fortalece as democracias e é necessária para a manutenção, legitimação e aprofundamento democrático. A participação direta é, portanto, a melhor maneira de se expressar preferências e, quanto mais ampla, maior a possibilidade de que as mais diversas preferências estejam manifestas nos processos, aumentando a legitimidade das decisões e contribuindo para o pleno desenvolvimento dos indivíduos como seres políticos em uma dada sociedade. É neste contexto que as conferências contribuem para a disseminação da cultura de participação e controle da gestão; a orientação do Estado pela sociedade; e o aumento da qualidade da ação estatal.

Entretanto, a última Conferência Nacional de Cultura foi realizada em 2013, ou seja, há quase dez anos não há um momento de encontro da sociedade organizada e representantes do governo, com o objetivo de avaliar, debater e propor políticas, programas e ações no campo das políticas públicas culturais. Na atual conjuntura, com o ataque à arte e a cultura, com o desmonte de políticas culturais estruturantes e com o esvaziamento dos espaços participativos e de diálogo com a sociedade, a realização da Conferência Municipal de Cultura, apesar da ausência de convocação nacional ou estadual, foi fundamental para fortalecer as instituições democráticas e a própria democracia, além de permitir que as diretrizes políticas da cultura na Prefeitura de Belo Horizonte sejam estabelecidas em diálogo com a cidade.

ODC – Essa é a sexta edição de uma conferência municipal de cultura de BH, você poderia traçar um breve histórico de temas centrais de cada uma, importância delas e seus desdobramentos?

Gabriel Portela – A Conferência Municipal de Cultura é uma das ações estratégicas do Plano Municipal de Cultura, instituído pela Lei Municipal Nº 10.854/2018, e também é um dos elementos do Sistema Municipal de Cultura, que integra o Sistema Nacional de Cultura – SNC, em conformidade com os arts. 215 e 216 da Constituição Federal, que estabelecem o papel do Estado no desenvolvimento da cultura. Em Belo Horizonte, já foram realizadas até o momento seis Conferências:

  • A primeira Conferência Municipal de Cultura em Belo Horizonte foi realizada em 2005. O tema foi “Belo Horizonte: a cultura da cidade” e buscou iniciar o diálogo com a cidade sobre as políticas culturais e aprovou 240 diretrizes para o órgão gestor da cultura na cidade.
  • A segunda Conferência foi realizada em 2009, com a temática “Cultura, Diversidade, Cidadania e Desenvolvimento” e foi uma preparação para a II Conferência Nacional de Cultura, que foi realizada no ano seguinte, em 2010.
  • A terceira Conferência Municipal de Cultura também foi uma etapa preparatória para a III Conferência Nacional de Cultura, ambas realizadas em 2013, e teve o tema “Cultura em Belo Horizonte: avanços e desafios”.
  • Em 2015, a IV Conferência Municipal de Cultura debateu o tema “A Cultura na vida do Cidadão” e buscou atualizar as diretrizes políticas na perspectiva da garantia dos direitos culturais.
  • A V Conferência Municipal de Cultura abordou a temática “Cultura, Território e Democracia” e ocorreu em 2018, com foco na discussão sobre os territórios e a cidade no âmbito das políticas culturais.
  • No último ano, 2021, realizamos a VI Conferência Municipal de Cultura, com a temática “Culturas em Tempos de Pandemia”, visando à elaboração de um plano emergencial, tendo como referência as deliberações das conferências anteriores e com a priorização de estratégias para as políticas culturais diante dos impactos causados pela pandemia.

ODC – Nessa sexta edição, houve alguma inovação na metodologia? Como se deu a participação social?

Gabriel Portela – Nessa VI Conferência Municipal de Cultura, os eixos temáticos foram alinhados aos eixos que estruturam o Plano Municipal de Cultura e o Plano de Metas da Gestão: fomento e economia da cultura; acesso, democratização e diversidade; patrimônio cultural e memória; artes; formação e educação cultural; participação e fortalecimento institucional; contribuindo para o alinhamento dos instrumentos de planejamento às esferas de participação. Além disso, a Conferência foi organizada em quatro etapas: Encontros temáticos, Pré-Conferências, Núcleos Estruturantes e plenárias finais da Conferência, como forma de ampliar as possibilidades de participação, debate e deliberação. Complementarmente foi realizada, em parceria com a UFMG, uma pesquisa quantitativa-qualitativa que buscou identificar os impactos socioeconômicos da pandemia para as e os trabalhadores da cultura em Belo Horizonte, bem como recolher proposições de retomada do campo cultural na cidade, que auxiliaram nos processos de debate, formulação e deliberação das metas para a cultura.

Considerando as restrições sanitárias necessárias durante o contexto pandêmico, foram realizados os encontros temáticos como atividades preparatórias para as Pré-Conferências e para a VI CMC, com o formato de seminários com convidados/as para discutir os eixos temáticos.

Já as Pré-Conferências tiveram como foco elaborar o acúmulo e a sistematização de propostas das discussões de cada eixo trabalhado nos Encontros Temáticos e tirar delegados e delegadas para a VI CMC.  As/os inscritos receberam previamente um Caderno de Referências, elaborado pela Comissão Organizadora da VI CMC, com um diagnóstico para auxiliar as proposições, contendo informações sobre o monitoramento do Plano Municipal de Cultura e dados secundários com informações sobre o impacto da pandemia no campo cultural.

Além disso, ocorreu a tiragem de delegados/as, com paridade de gênero e ⅓ de negros/as, além da reserva de vagas para LGBTQIA+, comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, povos indígenas, e quilombolas. Ao todo, 534 pessoas se inscreveram para participar das pré-conferências. Em seguida, foram realizados os Núcleos Estruturantes, que tiveram como como atribuição sistematizar e sintetizar as proposições apresentadas nas Pré-Conferências e recebidas pela Comissão Organizadora

Por fim, a Conferência contou com a abertura no dia 05/11/2021, Dia Nacional da Cultura, com a participação de Boaventura de Sousa Santos e Conceição Evaristo na Mesa “Democracia e Culturas em Tempos de Pandemia”, além da apresentação dos dados da pesquisa Impactos da Pandemia no Campo Cultural em Belo Horizonte, somando mais de 1800 visualizações. Em seguida, nos dias 06 e 07/11/2021, ocorreram as seis plenárias finais da Conferência em regime híbrido, em que os 56 delegados/as votaram três propostas por eixo temático no âmbito municipal, uma para o âmbito estadual e uma para o âmbito federal, além das moções.

ODC – Por que convocar uma CMC com o objetivo de elaborar “um plano emergencial, tendo como referência as deliberações das conferências anteriores, e que aponte a priorização de estratégias para as políticas culturais diante dos impactos causados pela pandemia, reforçando  os princípios de democratização e participação na construção da política cultural de Belo Horizonte.” A pesquisa sobre o impacto da pandemia na cultura em BH, foi encomenda da SMC? Como ela subsidiou os debates? Foi divulgada antes da Conferência? 

Gabriel Portela – Em 2020, os impactos da pandemia da Covid-19 e as necessárias medidas de isolamento social para conter a disseminação do vírus foram sentidas em todos os setores. Na cultura não foi diferente, gerando graves impactos entre os e as profissionais que atuam no ramo – um dos primeiros a interromper suas atividades e um dos últimos que poderá retomá-las. Desde artistas até às equipes de backstage, sofreram intensamente com a paralização das atividades presenciais.

Segundo estudo realizado pelo Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural, houve 49% de queda dos postos de trabalho ligados às atividades culturais durante o primeiro semestre de 2020. A FGV Projetos calculou uma perda de R$ 46,5 bilhões e um encolhimento de 24% no setor da cultura e das indústrias criativas nacionais durante o contexto pandêmico.

Ressalta-se, ainda, a redução do fomento do Estado em determinadas áreas como fator estimulante à descontinuidade das ações culturais nas comunidades tradicionais e periféricas. Associado a isso, houve o fortalecimento das indústrias culturais mais hegemônicas, direcionando o mercado e a indústria de patrocínio a alguns setores específicos. Em um país que tem como uma das principais marcas da sua cultura a diversidade, essa dinâmica exclui artistas que precisam dessa visibilidade, padroniza tendências de pensamento e de comportamento na sociedade e limita o acesso do público a novos pontos de vista narrativos no universo da cultura.

Dessa forma, reforça-se a cultura como um direito que impacta diretamente na saúde, aproximando a ação cultural da realidade social. Há, ainda, a possibilidade de retomada do desenvolvimento econômico pela Cultura, com a potencialização de novas racionalidades econômicas, como a economia criativa e a engenharia social, a partir do entendimento de que a arte e a cultura são um caminho para a reorganização das sociedades pós-pandemia, em diferentes aspectos.

Considerando o contexto descrito, aponta-se o reposicionamento e reconhecimento do papel do poder público para o enfrentamento da pandemia e também nos processos culturais, tornando-se ainda mais necessária a construção da VI Conferência Municipal de Cultura de Belo Horizonte, para ampliar o diálogo com o campo cultural da cidade, para a elaboração de metas e ações para o próximo período de forma participativa e democrática.

Em relação à pesquisa sobre os impactos da pandemia no campo cultural, foi uma iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura em parceria com o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR, da UFMG, para o desenvolvimento de pesquisa visando a elaboração de um diagnóstico das atividades artístico-culturais em Belo Horizonte, antes e durante a pandemia da Covid-19, buscando identificar o impacto da pandemia sobre essas atividades e contribuir para formulação de políticas públicas mitigadoras desses efeitos e de retomada do setor em Belo Horizonte.

O levantamento de dados foi realizado através de formulário online e contou com 546 respondentes válidos. Os resultados demonstram que os coletivos, artistas e grupos da cultura perderam significativamente a renda, no período de pandemia, sendo que, 87% diminuíram sua renda e, entre esses, 59% perderam mais da metade da renda. Entre os entrevistados que tiveram acesso a recursos de editais públicos de incentivo e fomento durante a pandemia, a maioria foi beneficiada por editais municipais (80%), patamar muito superior ao acesso a editais estaduais (27%) e federais (12,5%). Dessa forma, a representatividade dos esforços da PBH é demonstrada na execução de 99% dos recursos da Lei Aldir Blanc em 2020, com a distribuição de mais de R$ 15.660.000,00 para contemplar mais de 1.200 agentes culturais e cerca de R$24 milhões de reais através da continuidade dos editais de fomento da Secretaria Municipal de Cultura. Os resultados foram apresentados na abertura da VI Conferência Municipal de Cultura e há o planejamento para a publicação integral da pesquisa.

ODC – O documento final da Conferência apresenta 18 metas, como a FMC fará para cumpri-las? Além disso, apresenta 12 recomendações para os governos estaduais e federais, como essas recomendações são tratadas e encaminhadas politicamente? Além disso, as moções aprovadas fazem críticas à própria FMC/SMC, como a instituição absorve e operacionaliza tais moções?

Gabriel Portela – As dezoito metas foram deliberadas pela cidade em um espaço legítimo de participação, dessa forma, caberá ao órgão gestor da cultura cumpri-las. Para isso, as metas foram inseridas nos processos de planejamento interno da política municipal e estabelecidos indicadores para monitoramento. Em relação às recomendações para os governos estaduais e federais, apesar da ausência de convocação de Conferência Nacional e Estadual de Cultura, o processo de planejamento da Conferência Municipal de Cultura de Belo Horizonte, através da sua Comissão Organizadora composta por representantes do poder público e da sociedade civil, avaliou que deveriam ser deliberadas as metas a serem cumpridas no âmbito federativo municipal, mas que a cidade deveria recomendar aos demais entes diretrizes para as políticas culturais de suas respectivas competências. Os resultados da Conferência foram publicados em espaços de transparência e apresentados ao Conselho Municipal de Política Cultural.

Em relação às moções, foram apresentadas pelos delegados/as e votados pelo pleno da Conferência. Entendemos que um procedimento participativo deliberativo ideal deve ser livre, baseado na troca de razões, igualitário no sentido formal e substancial, dessa forma cabe à SMC e a FMC avaliar tais críticas e seguir intensificando as esferas de diálogo e participação para a superação destes desafios.

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