Projeto Saúde e Alegria

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Projeto Saúde e Alegria: cultura, saúde e educação ambiental na região norte

Foto: Projeto Saúde e Alegria 

Uma das conversas ao vivo realizadas ao longo do mês de maio na Plataforma Youtube do ODC, no âmbito da programação dedicada à Diversidade Cultural, teve como tema a contribuição da cultura para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Dimensão Ambiental da Agenda 2030 das Nações Unidas. Um dos convidados do encontro foi Fábio Pena, representando o Projeto Saúde e Alegria, desenvolvido no Pará. O projeto contribui para o alcance de diversos ODS, como ele explica na entrevista que concedeu ao ODC:

Observatório da Diversidade Cultural – O que é o Projeto Saúde e Alegria e como ele atua?

Fábio Pena – O Projeto Saúde e Alegria é uma organização que historicamente atua na região Oeste do Estado do Pará, principalmente na bacia do rio Tapajós. O Projeto Saúde e Alegria começou com um trabalho focado na área da saúde, pois ele foi fundado por um médico, o Dr. Eugênio Scannavino que, no começo da década de 1980, se dedicou a cuidar das populações amazônicas, especialmente aquelas que estavam mais afastadas dos centros urbanos. A partir do trabalho dele, de atendimento às comunidades ribeirinhas e comunidades indígenas, foi sendo criado um jeito de trabalhar que unia o atendimento à saúde a metodologias lúdicas de promoção da saúde. Ou seja, no nosso projeto entendemos a saúde não só como “ficar doente e se curar da doença”, mas como um conceito mais amplo em que você pode trabalhar a promoção do bem-estar coletivo e individual, o que não depende só do indivíduo, mas de toda a comunidade. Quer dizer que a saúde é o resultado de toda uma comunidade, de toda uma sociedade. Se uma sociedade vai bem, as pessoas não adoecem ou adoecem menos. Então, esse é o conceito que o “Saúde e Alegria” desenvolve, trabalhando sempre com metodologias lúdicas e participativas. Por isso, nosso lema – que foi muito bem sintetizado por um palhaço educador que tínhamos na equipe, Magnólio de Oliveira – que a Saúde é a Alegria do Corpo, e a Alegria é a Saúde da Alma.

Nós somos um circo também, o Circo Mocorongo de Saúde e Alegria, que utiliza a linguagem do palhaço, a música e as expressões próprias das comunidades onde desenvolvemos o trabalho, para que os conhecimentos sejam apropriados da melhor forma possível pelas próprias comunidades, e que também essas comunidades possam expressar os seus saberes, os seus conhecimentos.

A ideia do projeto é sempre unir os conhecimentos técnicos, acadêmicos de sua equipe – e nós somos uma equipe de múltiplas formações: pedagogos, artistas, médicos, engenheiros florestais, biólogos, assistente social. Enfim, unir esses conhecimentos com os saberes das próprias comunidades. Ou seja, o que a comunidade já tem como conhecimento, que pode se unir com os saberes técnicos para resultar em uma melhor qualidade de vida e uma cidadania mais plena. Essa é a visão do nosso trabalho.

ODC – Gostaríamos que você nos falasse sobre as ações que o Projeto Saúde e Alegria realiza na área ambiental.

Fábio Pena – O Projeto Saúde e Alegria não cuida só da saúde. Trabalhamos em várias outras áreas, como a questão da geração de renda e a criação de meios para que a própria população possa se desenvolver também economicamente, mas mantendo a floresta em pé.  Podemos considerar que a região em que a gente vive é uma das últimas fronteiras do processo de ocupação predatória da Amazônia, porque ali, no Oeste do Pará, é a chegada da expansão do agronegócio que avança da região do Mato Grosso para o Norte do país, e Santarém é um polo porque temos ali a BR, a estrada que liga Santarém a Cuiabá, tem portos para o transporte de grãos, e muitas outras obras de infraestrutura.

Então, o nosso trabalho também é ver como é que a gente pode desenvolver alternativas econômicas que gerem emprego para a população local, porque sim, a população local precisa melhorar a sua renda, precisa ter trabalho digno, mas isso não precisa ser feito destruindo o meio ambiente. E também, nós não precisamos importar um modelo de desenvolvimento, o que historicamente – como já está mais do que provado – só prejudicou a nossa floresta e os modos de vida das nossas populações tradicionais, desde a época da ditadura militar, com a ideia de desmatar, “integrar para não entregar” e vários outros slogans que o Brasil foi criando, sempre olhando a Amazônia como o almoxarifado do país, como se a Amazônia fosse um armazém onde você pode ir pegar recursos naturais, pegar o minério, pegar madeira – inclusive madeira extraída de forma ilegal –, gerar energia com grandes usinas hidrelétricas para abastecer o país, sem se preocupar com o impacto ambiental para a população local. Então, essa visão desenvolvimentista que vê a Amazônia como o almoxarifado do país tem que acabar e, na nossa visão, é preciso desenvolver estratégias para que isso mude, e que comece com as próprias populações locais.

Portanto, trabalhamos com o manejo sustentável da floresta, aproveitando os potenciais para o ecoturismo, para o artesanato e para o manejo de sementes nativas e óleos, que podem não só gerar mudas para o reflorestamento, mas podem também, através da extração dos óleos e das essências, gerar cadeias produtivas que favoreçam a criação de renda para a população local.

Outra área que trabalhamos muito é a da educação. Temos a educação ambiental como um eixo transversal, porque aqui na Amazônia, a gente considera que a educação ambiental e a identidade cultural são eixos estratégicos e devem andar juntas. Porque todos os conhecimentos tradicionais, seja das populações indígenas, seja dos povos ribeirinhos, quilombolas, caboclos, pescadores, esses conhecimentos refletem a forma como a população maneja os recursos naturais e explica os sentidos da vida. Ou seja, por que uma população indígena ou uma população ribeirinha não destrói a floresta, tirando dela seu sustento de forma harmônica, sem desmatar? Porque eles entendem como a floresta funciona e sabem manejar os recursos naturais. Então, a gente trabalha muito nessa ligação entre educação ambiental e identidade cultural para promover um tipo de educação que seja mais contextualizada para a população local. Temos trabalhado junto às escolas propostas de adaptação do currículo escolar, porque muitas vezes o currículo que chega para as nossas comunidades é um currículo pensado em uma dimensão urbanocentrica, que chega em uma comunidade pequena lá do interior da margem do rio Tapajós, ensinando a ler e escrever a partir de referências do centro urbano e não da realidade prática que a criança e o adolescente vivem.

ODC – Você poderia nos falar sobre o projeto Escola da Floresta Ativa, que vocês desenvolvem?

Fábio Pena – A Escola da Floresta Ativa é uma experiência educacional para a formação das novas gerações, por meio da oferta de cursos no próprio espaço que nós temos em parceria com outras organizações comunitárias, que é o CEFA – Centro Experimental Floresta Ativa. Agora estamos implementando o projeto em uma escola localizada na reserva extrativista Tapajós Arapiuns. O objetivo é criar referências e apoiar as escolas da região na melhoria das suas abordagens educativas, do seu currículo, das suas formas de ensinar. Inclusive, é um projeto que tem apoio da Unesco, por meio do Programa Criança Esperança. É uma experiência que está sendo bem interessante. Infelizmente, a pandemia prejudicou muito a continuidade do projeto, mas a gente espera estar retomando em breve.

Sobre experiências pedagógicas, você pode perguntar para a comunidade: “como o saber comunitário pode dar sabor à escola?”. E aí você começa a trabalhar metodologias e processos em que você valoriza os saberes da comunidade nos processos de ensino. Então, esse é o nosso sonho.

Estamos tentando desenvolver essas experiências, mas não é fácil, pois existem barreiras burocráticas, do próprio sistema público, enfim… Acho que o papel de uma ONG, o papel do terceiro setor é superar esses desafios e encontrar possibilidades de fazer as coisas darem certo. Inclusive, para depois poderem ser referência para as políticas públicas que possam melhorar a realidade da nossa população. Como a gente sempre fala, nós não queremos assumir o papel do Estado; nós queremos ajudar a criar referências para que as políticas públicas melhorem e para que elas sejam mais acessíveis para a nossa população. Educação e cultura é um eixo do nosso projeto. Se a gente vai fazer um trabalho na área de produção, por exemplo, de agricultura, tudo a gente envolve a cultura na metodologia, nas formas de fazer as coisas.

ODC – Qual o impacto do projeto na região e nas comunidades envolvidas?

Fábio Pena – O Saúde e Alegria é uma organização que já tem 30 anos, atuando nos territórios, e já temos várias gerações formadas – vamos dizer assim – que participaram dos projetos e tiveram aprendizados. Na verdade, eu sou um deles, pois participei quando adolescente das atividades de educomunicação e foi daí que eu peguei o gosto por essa área do ativismo social, do empreendedorismo social e da educação. E, assim como eu, há várias gerações de jovens e de pessoas nem tão jovens assim, que tiveram a oportunidade de construir seus projetos de vida, de melhorar sua própria vida, e que hoje também atuam para melhorar a vida de outros, como no meu caso, que trabalho para criar oportunidades para mais crianças e adolescentes terem essas experiências educativas.

De outras áreas do projeto, temos vários resultados, como por exemplo muitas comunidades com acesso a água e saneamento básico graças ao trabalho de construção de tecnologias sociais que o projeto desenvolveu, fazendo essa união de saber técnico com saber comunitário para que a população tenha melhor condição de água potável. E a gente sabe que as políticas públicas demoram a chegar. Nas cidades, já demora, imagine nas comunidades rurais!

Na área da saúde, por exemplo, conseguimos desenvolver um modelo de atendimento básico à saúde através de barcos hospitais. Começamos esse projeto em 2006 e fomos desenvolvendo, experimentando e criando tecnologia. De 2010 em diante, esse modelo passou a ser uma referência para o Ministério da Saúde criar uma política pública de funcionamento de barcos hospitais, de unidades básicas de saúde da família por via fluvial, em que o governo passa a comprar os barcos para os municípios e enviar os recursos necessários para o seu funcionamento, na Amazônia e no Pantanal. Então, calculamos que hoje existem cerca de 60 barcos hospitais funcionando no interior, nos municípios da Amazônia, graças a esse modelo que foi desenvolvido dentro daquela perspectiva que eu falei, de que a função de uma ONG e do terceiro setor é ajudar a construir tecnologias sociais, não para assumir o papel do Estado, mas para construir referências que possam melhorar essas políticas públicas. Porque, se não for a sociedade civil questionando, as coisas do Estado são lentas para fazer chegar benefícios para a população que precisa. Então, a gente tem sempre que estar ali, empurrando as coisas para que elas funcionem. Mesmo agora, em que a gestão desse barco hospital – no caso nosso, é o barco hospital Abaré – ainda exige um grande esforço da sociedade civil, da gente mesmo, com o controle social das organizações comunitárias, dos sindicatos, dos conselhos municipais de saúde, para que ele funcione de forma adequada.

Finalmente, como impacto, temos também vários outros benefícios na área de geração de renda para a população.

Mais informações sobre o Projeto Saúde e Alegria:  https://saudeealegria.org.br/ ou @saudeealegria ou https://www.facebook.com/saudeealegria/

Link para a live do ODC sobre Cultura e Proteção Ambiental: https://www.youtube.com/watch?v=eq8DYoG_vOI&t=3888s

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