Por Daya Barros*
Será que existe um futuro em que as pessoas não cozinhem para si? De acordo com declaração feita pelo CEO do iFood, Fabrício Bloisi, ao Jornal Folha de S. Paulo, em dez anos, ninguém vai mais cozinhar em casa. Mas, se esse for o caso, será que essas mudanças aniquilarão o senso de identidade e o entrelaçamento cultural que permeia nossos hábitos alimentares? Será que não perderemos nossa autonomia e poder de escolha ao tentarmos nos adaptar a tempos mais modernos e tecnológicos?
O ato de cozinhar nunca foi apenas uma tarefa, além de englobar dimensões culturais, ambientais, sociais, econômicas e políticas, é um meio de conexão entre o campo e a mesa, capaz de promover autonomia, saúde e bem-estar. Não cozinhamos apenas por sobrevivência, cozinhamos porque isso nos humaniza, e cada refeição se torna uma possibilidade de nos conectarmos ainda mais com o planeta e àqueles com quem o dividimos.
De acordo com o antropólogo Claude Lévi-Strauss, poder cozinhar o alimento e modificá-lo do cru para o cozido é o que levou o homem de sua condição biológica para a social. Sendo assim, o cozinhar pode ser visto como uma forma de comunicação, envolvendo diversos símbolos e significados, que compreendem além de técnicas, a doação pessoal. A comida é inegavelmente uma expressão da nossa identidade, e cozinhar é uma prática social legítima capaz de expressar nossa cultura imaterial.
Temos recomendações relacionadas ao ato de cozinhar dispostas em documentos oficiais brasileiros, como, por exemplo, o Guia alimentar para a população brasileira, que deixam claro que, ao cultivarmos uma relação mais harmoniosa com a comida e com o ato de cozinhar, acabamos por fazer dos alimentos in natura e minimamente processados a base da nossa alimentação, sendo esse o melhor caminho para garantirmos o consumo de alimentos mais saudáveis.
Assim, não se trata apenas do que você come, mas de como você se alimenta, sendo a comida algo que vai além da satisfação de nossas necessidades físicas. Nós somos o que comemos. Portanto, será que vale a pena delegarmos a função ao invés de nos apropriarmos de nossas escolhas?
Afirmações generalistas como a de Fabricio Bloisi apenas apontam para uma tentativa de apropriação mercadológica do ato de cozinhar, e nesse momento saber preparar uma comida caseira e saudável se torna revolucionário. Precisamos sempre repensar nossas escolhas e práticas para que nossa alimentação seja a expressão do que queremos ver no mundo, fazendo da comida de verdade o nosso afeto diário e a perpetuação de nossos costumes.
Para escutar:
A sociedade da caixa preta chegou na cozinha. O que a cultura tem a ver com isso?
O antropólogo Michel Alcoforado aborda assuntos do cotidiano, e nesse episódio comenta a fala de Fabrício Bloisi (CEO do iFood) sobre o fim do ato de cozinhar em casa. Afinal, quem tem tempo para cozinhar arroz e feijão todos os dias no século 21? Nossos tão tradicionais hábitos culinários estão se tornando incompatíveis com os modos de viver dos dias atuais. Será que realmente vamos abandonar o fogão para priorizar o delivery?
Disponível no Spotify: https://open.spotify.com/episode/63DAvyD7A0ODCZ38HfoIHC?si=UKLMYEp1RRCXDSiJ9SpqUQ
Para assitir:
Cooked (2016) – Direção Michael Pollan
A série Cooked é baseada no livro “Cozinhar, uma história natural da transformação”, e mostra o quanto os alimentos estão ligados a aspectos culturais de um povo e o quanto eles têm o poder de transformá-los. Será que o pão que é vendido no mercado tem os mesmos ingredientes que você pode utilizar em casa para fazê-lo? Certamente não, e talvez esse seja o nosso grande problema alimentar atual.
Disponível na Netflix: https://www.netflix.com/br/title/80022456
*Daya Barros é formada em Nutrição pela UNI-BH, pós-graduada em Nutrição Clínica Funcional pela VP Consultoria, pós-graduada em Oncologia pelo Instituto Israelita de Estudo e Pesquisa Albert Einstein. Possui formação em Terapeuta Ayurvédica pela Associação Brasileira de Ayurveda – ABRA. Possui experiência em nutrição clínica, nutrição funcional, nutrição oncológica e terapia ayurvédica. Estudou dança moderna em escolas como 1º Ato, Núcleo Artístico e o Corpo. Instagram: @dayabarros
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