No último mês, o empreendedor musical, jornalista e mestre em Empreendedorismo Criativo pela University of London, Leo Feijó[1] lançou o livro “Diversidade na Indústria da Música no Brasil: um olhar sobre a diversidade étnica e de gênero nas empresas da música”. A obra é o resultado de uma pesquisa quantitativa e qualitativa realizada em 2021, que buscou compreender a realidade da presença de negros no ecossistema da música e as barreiras e preconceitos no que se refere à presença feminina. A despeito de o Brasil possuir 56,10% de negros no total da população, apenas 26,5% dos cargos nas organizações do campo da música são ocupados por pessoas negras. Já as mulheres, apesar de maioria na população, são minoritárias em cargos de liderança, sofrem pela falta de reconhecimento profissional e, frequentemente, são vítimas de assédio sexual.
Leo Feijó, em entrevista concedida ao coordenador do ODC, Prof. José Márcio Barros, afirma que “identificar políticas de igualdade racial e diversidade de gênero na música é uma ação urgente”.
Observatório da Diversidade Cultural (ODC) – Sua pesquisa foi realizada junto a um mestrado em Empreendedorismo Cultural. Como você pensa a articulação entre diversidade cultural e empreendedorismo na área da cultura, de forma a promover a inclusão social e o enfrentamento da desigualdade social?
Leo Feijó – Cultura é um ambiente fundamental para promoção de diversidade e inclusão social. Além dos aspectos de identidade, memória, patrimônio e expressões artísticas de uma comunidade ou etnia, o aspecto econômico também é muito relevante.
Há críticas no Brasil ao modelo de empreendedorismo como um substituto aos direitos trabalhistas que merecem atenção, mas vejo ainda como algo positivo oferecer treinamento e mentoria para que jovens possam empreender na cultura e na economia criativa.
Há oportunidades não apenas em editais públicos e privados para projetos culturais, mas também é possível iniciar projetos por meio de financiamento coletivo e oferecer produtos e serviços que solucionem problemas do mercado.
Por fim, para ampliar as chances de empregabilidade acredito que é muito importante a oferta de bolsas de estudos para pessoas de baixa renda, residentes da periferia, especialmente mulheres e pessoas negras. É o nosso propósito na Escola Música & Negócios. Já concedemos mais de 300 bolsas em 2 anos.
ODC – Qual a importância de sua pesquisa para a atual realidade cultural do país?
Leo Feijó – Sabemos que o Brasil é um dos países com a maior desigualdade social no mundo. No Brasil, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total do País. Uma mudança estrutural nessa realidade sempre dependerá de políticas públicas, especialmente a partir do governo federal. É possível, contudo, trabalhar para promoção de acesso e maior igualdade racial e de gênero.
A música é uma manifestação cultural que está presente no cotidiano de todo o país. Estou olhando para o setor em que eu atuo e percebo que não há uma discussão no mercado da música sobre esses temas, em especial sobre igualdade racial no ambiente das empresas da música. Quando olhamos para a representatividade dos artistas, há maior peso de negros do que nos escritórios das corporações. A razão é justamente o racismo estrutural, porque esses jovens que desejam trabalhar na indústria não têm acesso às mesmas escolas ou ao mesmo círculo social.
Um dos argumentos sensíveis aos líderes empresariais pode partir do relatório que aponta 35% de desempenho superior quando a organização investe em diversidade, de acordo com McKinsey & Company (2018). Quanto mais plural, maior a produtividade. É um fator que beneficia funcionários, clientes, acionistas e toda a sociedade.
ODC – Você poderia apresentar e comentar os principais dados de sua pesquisa que evidenciam como a desigualdade racial e de gênero se faz presente na indústria da música e no ecossistema da indústria fonográfica?
Leo Feijó – A população brasileira é composta por 56,10% de negros, segundo dados oficiais do governo (IBGE, 2019), o que indica a imensa desigualdade. Os dados levantados na pesquisa para o livro indicam que, na maioria das organizações analisadas (62,5% empresas), menos de 5% dos cargos executivos são ocupados por pessoas negras.
Segundo o Instituto Ethos (2019), apesar da maioria negra da população no Brasil, essa realidade não se reflete no comando das empresas. Os afrodescendentes ocupam menos de 5% dos cargos executivos nas empresas com maior faturamento no Brasil. Quando se fala de mulher negra, o percentual é de apenas 0,4%.
Além disso, em mais de 46% das organizações da música brasileira, a presença de negros é de 0% a 15% em relação ao total de empregados. Já no que diz respeito aos cargos no quadro total de funcionários, apenas 26,5% são negros.
Relatório da USC Annenberg mostra que as posições de liderança nos EUA ainda favorecem esmagadoramente os homens brancos (apenas 13,9% dos executivos pertenciam a grupos raciais sub-representados, 4,2% eram negros; as mulheres configuram 13,9% dessas funções).
Sobre a questão de gênero: de acordo com o Ecad, entre os 100 compositores com maior receita, há apenas duas mulheres.
A pesquisa exclusiva para o livro indica que em 41,1% das empresas, as mulheres ocupam 51% ou mais das posições disponíveis, porém não necessariamente em cargos de liderança, sofrendo com casos frequentes de assédio e falta de reconhecimento profissional.
Identificar políticas de igualdade racial e diversidade de gênero na música é uma ação urgente, como apontam os profissionais entrevistados e lideranças do movimento negro.
ODC – Considerando a atuação de gravadoras, editoras, distribuidoras, agências de marketing e promoção e as companhias ligadas ao negócio da música gravada, quem discrimina mais? Quais “atores” desse ecossistema desenvolvem ações de superação da discriminação?
Leo Feijó – Essa primeira etapa da pesquisa não avançou em números por segmento, como já fez a USC Annenberg. Estou planejando essa segunda pesquisa, em âmbito nacional, e buscando recursos para isso.
Como citamos no livro, o relatório da USC Annenberg descobriu que as mulheres eram particularmente sub-representadas em organizações de rádio e música ao vivo. “O caminho para a influência na música parece muito diferente para mulheres brancas e mulheres negras,” concluíram as coordenadoras da pesquisa (Smith and Lee).
ODC – Você poderia citar boas práticas de superação da desigualdade racial e de gênero na área da música no Brasil?
Leo Feijó – Algumas companhias do setor musical iniciaram ações importantes de promoção de acesso. A Sony Music Brasil criou uma área de Diversidade e Inclusão no Departamento de Recursos Humanos. Essa área está lançando um programa de treinamento para jovens de periferia no Rio de Janeiro. Eles terão aulas com professores universitários e executivos da indústria. Depois, poderão participar de processos seletivos na própria Sony.
ODC – Você afirma que há diversidade, mas que a questão da representatividade e da equidade não se efetivam. Isso não contribui para uma espécie de redução da ideia de diversidade a uma espécie de mosaico de diferenças que convive e reforça a desigualdade?
Leo Feijó – A indústria da música é formada por muitos segmentos. Se olharmos para as listas dos artistas mais tocados, encontramos uma realidade com mais negros e mulheres. Quando olhamos para a direção executiva das empresas, o quadro de diversidade cai muito. É preciso analisar de forma individual, porém de uma forma mais ampla, e partir do que afirmam os entrevistados, a diversidade hoje é maior do que há 10 anos e muito maior do há 30 anos.
O movimento negro aponta essa questão da representatividade. Não basta ter uma pessoa negra em uma equipe de 30 pessoas e tudo estará resolvido. O problema é histórico e estrutural, portanto é preciso avançar mais.
ODC – Ao final de sua pesquisa você apresenta 12 iniciativas que poderiam diminuir essa realidade? De quem, na sua opinião, é a responsabilidade por implementa-las?
Leo Feijó – Na minha opinião é preciso que as organizações do setor abracem essa causa. Associações empresariais, sobretudo, podem publicar diretrizes e metas, estimulando seus associados a adotar novas posturas, gerando uma nova cultura em todo o ecossistema.
[1] Leo Feijó é empreendedor musical, jornalista e mestre em Empreendedorismo Criativo com ênfase em Indústria da Música pela Goldsmiths, University of London. Foi Subsecretário de Cultura no Governo do Estado do Rio. É diretor da Escola Música & Negócios, no Instituto Gênesis da PUC-Rio. Já produziu mais de 2 mil shows. Criou espaços como Teatro Odisseia, Cinematheque e Casa da Matriz. A convite do British Council, viajou ao Reino Unido para workshops e rodadas de negócios. Visitou feiras como SxSW (EUA) e Womex (Europa). É autor de “Diversidade na Indústria da Música no Brasil” (Dialética), e “Rio Cultura da Noite” (Leya, com Marcus Wagner).
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