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“No Início do Mundo”, conheça o musical gravado na periferia da região metropolitana de Belo Horizonte – entrevista com o cineasta mineiro Gabriel Marcos

“Volto para o musical com ‘No Início do Mundo’, acredito, que na minha forma mais autêntica e honesta”

Gabriel Marcos, 26 anos, é um cineasta formado pela PUC Minas e reúne trabalhos como o musical “Entreaberto”,  e o mocumentário “Quarentena dia XXX”. Em 2023, com o incentivo da Prefeitura de Contagem (MG), lança “No Início Mundo“, exibido na Mostra Cine RMBH no dia 18 de maio. 

Nesta entrevista o cineasta, responsável pelo roteiro, direção e montagem, fala sobre o curta-metragem ambientado no bairro Nova Contagem, região periférica de Contagem (MG). Cita os desafios para a produção da obra, sobre a vida na periferia, sexualidade, aceitação e motivação. 

O filme conta a história de Vítor e Katlyn, jovens da periferia que buscam realizar seus sonhos em um ambiente onde as perspectivas para uma vida melhor são limitadas. É uma história envolvente capaz de gerar identificação com muitos jovens brasileiros. 

Ao final da entrevista você encontra os links para assistir ao trailer oficial do filme e conhecer mais sobre o projeto.

 

ODC – Como surgiu a ideia do filme? 

Gabriel Marcos – É inspirado na minha vivência e dos meus amigos enquanto crescíamos em Nova Contagem, em um ambiente religioso que pode ser, muitas das vezes, opressor. Então, estávamos ali enfrentando essa religiosidade que pode oprimir os desejos, a descoberta da sexualidade e também lidando com outras questões, como a ausência dos pais, o amadurecimento precoce das crianças e jovens da periferia, instabilidade financeira, falta de oportunidade, o racismo e todas essas coisas que o filme aborda.

Sempre tive o desejo de colocar Nova Contagem na tela de uma forma diferente do que acontece. Nova Contagem, geralmente, está enquadrada como um local de perigo e com uma conotação ruim, por isso, queria que Nova Contagem estivesse na tela da forma mais bonita, mas, ainda real.

Também tenho o desejo que a periferia se veja na tela e enxergue possibilidades. Quando eu estava no ensino médio, poucas pessoas queriam fazer faculdade, e das que queriam, eu era o único que ia para o campo das artes. Então, acho que precisamos nos ver com novas possibilidades para que a gente possa acreditar em si mesmo e dar um pontapé na vida a partir disso.

ODC – Conte um pouco sobre o processo de criação até a obra pronta.

Gabriel Marcos – O projeto inicialmente nasceu como uma série. Eu geralmente tenho umas ideias mirabolantes assim. Então, era uma série com vários núcleos, com vários episódios. Eu estava desenvolvendo o projeto durante um curso, e esse curso me fez refletir que assim como os personagens não têm oportunidades “de bandeja”, eu também não teria essa oportunidade de criar a série do nada. Portanto, eu precisava de uma prova de conceito, precisava mostrar que eu sabia lidar com as temáticas daquela série. Dessa forma, “No Início do Mundo” nasce como um prelúdio dessa série. Além disso, foi um filme que escrevi em um momento muito importante da minha vida, em que eu deixava para trás várias amarras pessoais e decidia ser verdadeiro comigo mesmo. Tanto cortando relações familiares, quanto de amigos, como também me aceitando e deixando esse peso religioso para trás. Eu queria muito escrever “No Início do Mundo” de forma honesta. Quando eu olho para os meus outros filmes, eu vejo essa necessidade de camuflar as coisas, e em “No Início do Mundo” eu tentei ser o mais verdadeiro possível.

Depois disso, com a base da história, foi o momento de escrever as músicas. Eu convidei uma parceira minha, que é a Sheilla Luiza. Crescemos juntos, já trabalhamos em outros musicais e a gente sempre compôs. Sempre tivemos esse “clique” para criarmos juntos. Tivemos dois encontros para escrevermos as músicas e foi muito desafiador, porque foi a primeira vez que trabalhamos com rap, que era um gênero que eu queria trazer, juntamente com algo puxado para o R&B. Anteriormente, em “Entreaberto”, tínhamos trabalhado com funk, MPB e reggae. Agora trouxemos esses dois novos gêneros para explorar, e acho que foi um resultado que fez eu me encontrar muito quando pronto.

ODC – O que foi mais desafiador?

Gabriel Marcos – Aí vem uma das partes mais difíceis, que é conseguir os recursos para fazer o filme. Eu tentei alguns editais antes, sem aprovação, sempre batendo na trave. Mas aí tentei o edital do ‘Movimento da Cultura’, da Prefeitura de Contagem, em 2021, e fomos selecionados (para a minha felicidade). Porém, houve um corte na verba – tínhamos pedido 50 mil reais e cortaram para 35 mil. Então, o projeto começou com esse desafio financeiro.

Para o projeto eu convidei Marina Soares, que é minha produtora e grande amiga de outros projetos. Ela nunca tinha produzido um musical antes, portanto, foi um desafio pra ela, mas não soltamos a mão um do outro em momento algum.

Depois começamos a buscar os profissionais para compor as outras áreas do filme e também o casting, o que era muito desafiador, porque precisávamos de pessoas que encaixassem na descrição dos personagens fisicamente, e também que cantassem e atuassem. Na minha cabeça, eu coloquei uma divisão bem clara: precisava que a Kaitlyn fosse uma atriz primeiro e uma cantora em segundo plano, e que o Vítor fosse um artista de rua, do rap primeiro, e um ator em segundo plano. Assim, o Hynoto e a Júlia Mattos caíram do céu para os papéis. Eles tiveram muita intimidade, e ‘clicaram’ desde a primeira audição. Parece algo que foi escrito nas estrelas pra ser os dois.

Por ser um musical, o filme tem um processo diferente. Então começamos trabalhando nas músicas, pois, durante as gravações precisamos das demos e das músicas em si tocando no set de filmagem. Fizemos a produção das músicas em Ribeirão das Neves (MG), com o DEF (Contramão Records) e a Helena Gaspar, e só então começamos a etapa de ensaio e gravação. Tivemos alguns contratempos durante as gravações e, por isso, precisamos aumentar o tempo da etapa de filmagem. Foi um pouco desesperador, mas, no final deu certo. Claro que algumas coisas saem fora do planejado, mas para todas as pessoas que entraram no projeto eu disse: “você está aqui não para contar a minha história, mas para que possamos contar uma história juntos”. Então, todo mundo foi convidado a criar e eu não fiz muitas imposições. Cada diretor do seu núcleo teve a liberdade de criar em cima do escopo da história. 

Feita a gravação, eu mesmo editei o filme e, enfim, chegou a etapa mais difícil: a distribuição. Temos essa lacuna muito aberta no cinema nacional e, para mim, como realizador, é muito difícil entrar na área de distribuição, já que não é minha especialidade. Porém, quando falamos de cinema independente em Minas Gerais, em Contagem, temos que botar a cara a tapa e tentar por que, além de não ter muitos profissionais nessa área (de distribuição), as oportunidades são pequenas. É um trabalho bem árduo que ainda não dominei, mas estou dando o meu máximo para fazer a melhor distribuição que eu posso, até que algum distribuidor, que é o responsável por esse papel, olhe com carinho para o filme e o abrace.

ODC – Por que sua opção pelo musical? 

Gabriel Marcos – Sou apaixonado por musicais, tanto aqueles que os personagens levantam do nada e começam a cantar, quanto aqueles em que os personagens só cantam no plano real. Mas, para os meus musicais, tanto no cinema, quanto no teatro, eu sempre fui mais da música entrelaçada com a realidade daquele universo. Então, se tem um momento lúdico, ele começa a partir da música e não o contrário, o momento lúdico começa primeiro junto com a música. É algo sempre crescente, e acho que isso permite que as pessoas que tenham estranhamento, ou receio de musicais, se sintam mais abertas ao filme e agrada quem já gosta de musicais. Levando em consideração também as nossas limitações, tínhamos orçamento para o filme, mas, não para trilha sonora, para coreografia e atos musicais. Tínhamos um grande desafio e demos o nosso melhor. Talvez, com mais dinheiro o filme seria mais musical. Mas é isso, gosto de tratar musical de uma forma mais perto do real, se posso assim dizer.

ODC – O que você espera que o filme provoque nas pessoas? 

Gabriel Marcos – Para ser bem sincero, tem várias mensagens que quero passar nesse filme, mas, a principal é que quero que as pessoas assistam o filme e saiam com um “quentinho no coração”. É uma coisa muito empírica que não dá pra descrever, mas é uma sensação que gosto de ter ao assistir filmes, e que quero passar para as pessoas, é um agridoce, não é um final feliz e não é um final triste, mas um final de possibilidades, assim como é nossa vida. Para mim, a beleza da vida é quando encontramos felicidade nos momentos tristes, então, tem um pouco disso.

Além disso, tem a questão da imagem de Nova Contagem, que quero que as pessoas vejam um pouco diferente, e também a questão das possibilidades que o favelado, a pessoa da periferia, pode tudo. Quero passar essa motivação para a pessoa se ver no filme, e se sentir motivada a buscar seus sonhos, entender que a falta de oportunidade não é do local, você não está no fim do mundo, a culpa não é sua, é de coisas além do seu controle. Mas isso não pode nos fazer desistir porque temos uma chance, uma vida pra tentar.

Tem também o tópico da sexualidade da Katlyn. Pode soar meio estranho, mas a gente vê um movimento da comunidade para a gente se aceitar, não se esconder e levantar nossas bandeiras – o que eu super concordo e sou a favor – mas temos que entender que tem pessoas em situações diferentes, e na periferia nem sempre o ambiente é acolhedor. Deste modo, às vezes você precisa esperar, engolir um pouco quem você é, até que tenha condições de ser quem você realmente é. Falo em relação às condições financeiras, mesmo porque você se assumir e não ser aceito, ser jogado na rua, talvez não seja a melhor escolha. Então tem a questão de esperar o momento certo para se assumir.

 

Não perca a oportunidade de conferir, o filme será exibido na Rede Minas na próxima sexta-feira 26/05 a partir das 23h: http://redeminas.tv/aovivo/

Assista ao trailer oficial:

Conheça mais sobre o projeto:

https://www.noiniciodomundo.com/

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1 Comentário para ““No Início do Mundo”, conheça o musical gravado na periferia da região metropolitana de Belo Horizonte – entrevista com o cineasta mineiro Gabriel Marcos”

  1. Avatar Super fã disse:

    É lindo tudo isso e muito real. Com certeza um filme mais do que necessário para todos nesse momento. Maravilhoso, parabéns.

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