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Os avanços na luta pelas políticas culturais – entrevista com Áurea Carolina

Em continuidade a série de entrevistas sobre o atual momento e os principais desafios para as políticas culturais no Brasil, O coordenador do ODC, Prof. José Márcio Barros, entrevistou a deputada federal (PSOL/MG), Áurea Carolina.

Áurea Carolina é mãe de Jorge Luz, deputada federal pelo PSOL Minas Gerais, cientista social e educadora popular, especialista em gênero e igualdade pela Universidade Autônoma de Barcelona e mestra em Ciência Política pela UFMG. Desde 2019 é membro titular da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.

Com trajetória em defesa das causas das mulheres, da negritude, das juventudes, dos povos e comunidades tradicionais e das pessoas que vivem nas periferias, Áurea também está atenta às lutas pela cultura viva e por segurança cidadã, além do enfrentamento à mineração predatória. Sua atuação tem sido pautada pelo enfrentamento às ameaças de retrocesso que avançam sobre os direitos da maioria da população.

 

Deputada Federal Áurea Carolina, membro titular da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. Foto: Reprodução.

 

Observatório da Diversidade Cultural (ODC) – Derrubado o veto à LAB 2 e LPG, qual é a pauta da cultura no Congresso Nacional?

Áurea Carolina – A luta em defesa da cultura está fortalecida no Parlamento brasileiro, como confirma a histórica derrubada dos vetos na última semana, somada à aprovação da Lei Aldir Blanc 1 em 2021. A intensa mobilização do setor encontrou eco no Congresso por meio de uma delicada articulação interna para a construção de um consenso, ainda precário, de que a cultura deve ser uma agenda suprapartidária. Em contraposição a tantos desmontes no âmbito do Poder Executivo, dentre eles, uma completa negligência quanto aos impactos da pandemia para a área cultural, agendas estruturantes para o setor têm se anunciado viáveis por meio do Legislativo e precisam seguir avançando. Entre várias iniciativas em tramitação, destacaria dois projetos de lei que, se aprovados rapidamente, podem instaurar novas bases para esse avanço, o PL 9.474/2018 que regulamenta o Sistema Nacional de Cultura e o PL 3.905/2021 que institui o Marco Regulatório do Fomento à Cultura.

ODC – Você poderia explicar a relação entre as duas leis, como se complementam e como serão implementadas?

Áurea Carolina – A Lei Paulo Gustavo, de autoria do Senador Paulo Rocha (PT), tem caráter emergencial e descentraliza para estados e municípios cerca de R$ 3,8 bilhões de recursos federais, advindos do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual. Por meio de editais públicos, esse orçamento será destinado ao fomento de diversos elos da rede produtiva da cultura e das artes nos anos de 2022 e 2023. Essa lei também possui mecanismos perenes – estrategicamente pouco divulgados para não não atrair a atenção dos inimigos da cultura que hoje governam o país. A Lei Paulo Gustavo determina, por exemplo, que em novas situações de emergência sanitária, como a que vivemos com a pandemia de Covid-19, ações emergenciais direcionadas ao setor cultural não tenham regras fiscais como empecilho para serem implementadas. A Lei também impede que novos superávits financeiros do Fundo Nacional de Cultura sejam utilizados para o pagamento da dívida pública. São conquistas importantes, que protegem o setor da sanha liberal que sempre mira nos parcos recursos da cultura.

Já a Lei Aldir Blanc 2, de autoria da Deputada Jandira Feghali (PCdoB), garante que R$ 3 bilhões de recursos federais, também advindos do superávit do Fundo Nacional de Cultura e de outras dotações, sejam repassados pelos próximos 5 anos a estados e municípios, tendo sua vigência iniciada no ano de 2023. Esse investimento deverá ser destinado à manutenção de espaços artísticos e ambientes culturais de diversas naturezas e também à editais públicos de fomento cultural definidos pelos entes.

ODC – Quais foram os avanços na formulação dos dispositivos da LPG e LAB 2 em relação à primeira edição da LAB?

Áurea Carolina – As leis trouxeram avanços que são fruto da experiência prática de implementação da Lei Aldir Blanc 1. Acreditamos que, além dos aprimoramentos técnicos, elas ampliam o alinhamento das ações aos planos de cultura dos estados e municípios, bem como a garantia da participação social na definição da destinação dos recursos, por meio de comandos muito explícitos quanto à necessidade de descentralização territorial e promoção do acesso de grupos sociais que ainda estão distantes das políticas culturais.

Isso porque, na LAB 2, 20% dos recursos devem ser destinados à iniciativas culturais em áreas periféricas, urbanas e rurais, bem como em áreas de povos e comunidades tradicionais. Já na Lei Paulo Gustavo, está assegurada a implementação de mecanismos que estimulem a participação e o protagonismo de mulheres, negros, indígenas, povos tradicionais – inclusive de terreiro e quilombolas -, populações nômades, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência.

ODC – Aprovar uma legislação com aplicação em um prazo maior de anos e por descentralização de recursos, como é a LAB 2 traz garantias formais para as políticas de cultura? Quais?

Áurea Carolina – A imprevisibilidade e a descontinuidade dos investimentos públicos em programas e políticas culturais são um dos grandes problemas enfrentados pelo setor cultural no país. A existência de uma legislação federal que destinará, ao mesmo tempo, um montante anual de verbas da União para estados e municípios certamente proporcionará aos gestores públicos mais eficiência para o planejamento da destinação desses recursos.

Outra dimensão importante que essa experiência coletiva pode desencadear é a troca de práticas e processos entre gestores estaduais e municipais. Essa articulação poderá promover o fortalecimento do setor e o aprimoramento dos mecanismos de fomento viabilizados por meio da Política Nacional Aldir Blanc.

Acreditamos também que os espaços de controle social e acompanhamento das políticas trarão legados estruturantes, que podem mudar paradigmas na gestão e na execução das políticas públicas de cultura em nosso país.

É importante alertar que tanto a Lei Paulo Gustavo quanto a Lei Aldir Blanc 2 não condicionam o recebimento dos recursos federais a uma contrapartida financeira de orçamento direto dos entes a ser investido na área cultural. Esse fato demandará constante acompanhamento e mobilização do setor para que, ao longo do tempo, estados e municípios não deixem de cumprir suas obrigações com o fomento à cultura, reduzindo investimentos e dependendo exclusivamente das verbas da União para realizarem suas políticas culturais.

ODC – As propostas legislativas anteriores e mais estruturantes como a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, a PEC dos recursos para a cultura e a alteração da lei Rouanet ainda não tramitaram. Por que esse descompasso no legislativo brasileiro no que se refere ao campo da cultura? Como essas questões podem avançar realmente na casa?

Áurea Carolina – Essa legislatura trouxe para os mandatos de oposição pouquíssimos espaços para pautas propositivas e estruturantes, nas mais diversas áreas. A resistência e a denúncia aos desmontes promovidos pelo governo Bolsonaro deram a tônica de nossa atuação que, a duras penas, conseguiu pautar o debate público e dar visibilidade para as violações de direitos.

Nas agendas relacionadas ao setor cultural não foi diferente. Com a extinção do Ministério da Cultura, o retorno da censura como política institucional e o aparelhamento das instituições federais de cultura, entre tantos outros ataques, junto com a crise socioeconômica, também resultado da pandemia, fizeram com que a defesa da vida em todos as suas dimensões, inclusive a dimensão cultural, nos exigisse dedicar ainda mais esforços à resistência democrática. As Leis Aldir Blanc 1 e 2 e a Lei Paulo Gustavo são resultado dessa luta.

A derrota deste governo nas urnas e a eleição de mais parlamentares comprometidas com os direitos sociais, entre eles a cultura, é imperativa para que essas importantes agendas do setor voltem a avançar no Legislativo federal.

ODC – O Plano Nacional de Cultura, de caráter decenal, teve sua vigência prorrogada duas vezes. Não há nenhuma sinalização de que esteja sendo feito esforço para sua execução, nenhuma ação minimamente consistente para seu monitoramento ou avaliação. Qual o papel do congresso nacional nesta fiscalização e por qual motivo o legislativo não pautou a questão com a gravidade que ela exige?

Áurea Carolina – É tarefa do Poder Executivo implementar, monitorar e avaliar o cumprimento das metas do Plano Nacional de Cultura – ao Legislativo cabe a fiscalização se essa atribuição vem sendo cumprida ou não. Como denunciamos por diversas vezes, o governo Bolsonaro ignorou por completo esse importante instrumento e, quase ao apagar das luzes de sua gestão, queria realizar uma Conferência Nacional de Cultura e reformular o Plano. Felizmente, os membros do Conselho Nacional de

Política Cultural não permitiram mais esse ataque. Com o apoio da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovaram o adiamento da Conferência e da revisão do Plano para 2023. Nossa esperança é que a democracia brasileira seja restaurada a partir das próximas eleições. Só depois disso, poderemos voltar a acreditar em espaços e instrumentos verdadeiramente dedicados à participação social.

ODC – Há previsão de alguma ação efetiva do congresso nacional e assembleias legislativas para atuação articulada de suporte e apoio aos legislativos municipais para as formalizações necessárias à execução das leis recentemente aprovadas no congresso Nacional?

Áurea Carolina – A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, da qual nosso mandato é integrante desde 2019, juntamente com parlamentares autores e coautores das Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, já está elaborando materiais informativos e ações formativas para gestores públicos e agentes culturais que vão contribuir para a implementação das normas.

ODC – Muitos artistas, técnicos e membros de comunidades e grupos tradicionais não conseguiram acessar a LAB por causa dos entraves legais e exigências burocráticas no país. A proposta do Marco regulatório que está tramitando no congresso pode contribuir para resolver e ser o maior avanço pós formalização do SNC. Qual a perspectiva que essa proposta seja aprovada no curto prazo e não caia no vácuo legislativo, como diversas outras?

Áurea Carolina – Nesse momento, todos os esforços de nosso mandato estão reunidos na aprovação do PL 3905/2021, que institui o Marco Regulatório do Fomento à Cultura e tem nossa autoria juntamente com a deputada Benedita da Silva e o deputado Túlio Gadelha.

Acreditamos que a proposta reúne um acúmulo histórico de gestores e agentes culturais e será fundamental para a democratização no acesso ao fomento à cultura em nosso país. Por meio do site www.marcodacultura.com.br é possível conhecer em detalhes o projeto e colaborar com sua construção. Ele tramita na Câmara dos Deputados em caráter conclusivo nas comissões, ou seja, não precisará ser aprovado pelo Plenário. O Marco da Cultura já foi aprovado na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público e agora segue para a Comissão de Cultura. Depois, será analisado em outras duas comissões. Nossa expectativa é de que até o final de 2022 ele chegue para apreciação do Senado Federal. Mas sabemos que, em período eleitoral, a aprovação pode levar mais tempo.

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