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A articulação entre a internet e as praças ocupadas

Manuel Castells aposta que uma articulação entre internet e praças reocupadas pode reinventar democracia e sociedades

Às vésperas de lançar seu livro ‘Redes de Indignação e Esperança’, Manuel Castells aposta que uma articulação entre internet e praças reocupadas pode reinventar democracia e sociedades. É este desafio que o professor catalão – expulso da Espanha pelo franquismo e da França por ser considerado articulador dos movimentos de 1968 – parece estar disposto a encarar. A seguir, uma edição feita pelo site ‘Outras Palavras’ da entrevista que Castells concedeu ao jornalista Francisco Guaita, da rede de TV internacional da Rússia RT.

Francisco Guaita – Você costuma dizer que o poder não está na Casa Branca, nem nos mercados financeiros, mas em nosso próprio cérebro. Por que este é um segredo das elites?
Manuel Castells –
Bem, é porque se eles nos contarem isso, perdem o poder. O poder real não é o poder da polícia ou do exército: estes só são utilizados em último caso, quando as coisas estão muito mal para o interesse dos poderosos. O mais importante, se você quiser ter poder sobre mim, é conseguir que eu pense de uma forma que favoreça o que você quer, ou que me resigne. Aí está o poder! Portanto, o essencial é o poder que está na mente, e a mente se organiza em função de redes de comunicação e neurológicas no nosso cérebro que estão em contato com as redes de comunicação em nosso entorno. Quem controla a comunicação controla o cérebro e, dessa forma, controla o poder.

Francisco Guaita – Movimentos como o Occupy tentam se apoderar das praças e das ruas para dizer que isso não funciona, querem que o poder venha das pessoas. Essa é uma demanda que, para muitos, não terá nenhum resultado na política ou na economia. O que você acha sobre isso?
Manuel Castells –
Depende do que você entende como resultado. Se você quer dizer que disso sai um partido político que ganhe as eleições nos próximos dois anos, não é possível ter certeza. Todos esses movimentos colhem frutos em longo prazo. O slogan mais difundido dos indignados e das indignadas é ‘Vamos devagar, porque vamos longe’. Vamos longe para onde? Uma mudança na mente dos cidadãos, depois de algum tempo, se converterá em mudança social.

Os dados mostram que na Espanha aproximadamente 70% dos cidadãos concordam com as críticas dos indignados. A maioria dos cidadãos também pensa que não poderá mudar as coisas em curto prazo. As duas coisas são compatíveis. As pessoas pensam que o movimento tem razão, mas não tem os instrumentos.

Francisco Guaita – Se é uma grande maioria, por que não houve transformações?
Manuel Castells –
Não, por que não há em quem votar. O próprio movimento não quis criar um partido para não reproduzir a velha política. Existe um abismo tão grande entre o que seus integrantes pensam e o sistema político real que não há uma expressão política capaz de representá-los. Por exemplo, se o Partido Socialista tivesse sido capaz de prever que um movimento assim poderia revitalizá-lo, haveria um caminho. Mas os socialistas envolveram-se totalmente com a especulação financeira. Eles geriram o Banco de España e foram totalmente incapazes de supervisionar o sistema financeiro, porque isso não lhes interessava. Há uma grande lista de motivos pelos quais os indignados desaprovam os socialistas e os socialistas nunca fizeram nada para mudar.

As elites políticas de todos os países optaram por este rumo. Pensaram que não havia problema e seguem com seus negócios, pois o que conta são os votos a cada quatro anos, com uma lei eleitoral que os grandes partidos fizeram para que só eles mesmos pudessem ganhar. Nos Estados Unidos, se você não é democrata ou republicano não tem nenhuma chance. Além disso, se você não tem dinheiro, simplesmente não pode ganhar. Não se consegue voto se não se compra a campanha com dinheiro. As críticas, em todo o mundo sugerem que este tipo de democracia não é suficiente. Em consequência, sob essas regras do jogo, gastar toda a energia para fazer a política formal é uma operação sem sentido. Reproduz os velhos esquemas dos grupos de esquerda trotskistas, marxista-leninistas, de todos os tipos, que sempre estiveram nas instituições, mas nunca chegaram a nada. Ou que tentaram a revolução armada – o que ninguém quer, porque é um movimento claramente não-violento. Então, têm que fazer outra coisa. Eles vão por esse longo caminho da transformação das consciências para que em algum momento os cidadãos possam tomar outras decisões, e daí possam surgir novas forças políticas.

Francisco Guaita – Não é preciso mudar as regras?
Manuel Castells –
Um dos grupos do movimento espanhol – porque não é o movimento, mas uma galáxia – pediu que eu fizesse uma proposta de reforma da lei eleitoral. Eu fiz com um amigo especialista nesse tema. É uma proposta de voto proporcional, de limitar o poder dos grandes partidos e fazer com que no parlamento as pessoas que não votam estejam presentes – inclusive visualmente, não como representantes, mas com espaços vazios. Se 30% dos cidadãos não votam, esses 30% devem estar marcados, e as maiorias de decisões de governo devem se constituir sobre o conjunto de cidadãos, não apenas sobre os que votaram.

Há uma série de coisas que poderíamos conseguir, mas há nas instituições políticas e nos partidos uma enorme resistência em ser realmente democráticos. Entre outros motivos, porque é um modo de vida, são profissionais da política. Em todos os países, a profissão que está nas posições mais baixas na lista de reputação é a da classe política. Na Itália, incluíram também prostitutas e mafiosos numa sondagem e eles ficaram em uma posição melhor que os políticos. As pessoas alegavam: “Pelo menos, estes dizem o que fazem”.

Existe uma crise de confiança em todo o mundo em relação à classe política. Se isso continuar, em algum momento irão se romper as relações na sociedade, e isso seria muito grave. Na Espanha, há uma situação relativamente calma e pacífica. É sorte que com 22% de desemprego, 48% entre os jovens, não haja muitos problemas nas ruas. Este movimento canaliza os debates e protestos, oferece uma esperança, principalmente aos jovens, de que podem começar a se organizar e vamos ver o que acontece. Mas se a situação continuar assim, esse movimento necessariamente vai se radicalizar.

Francisco Guaita – Por que as instituições se separaram tanto das pessoas? Por que o abismo foi se expandindo?
Manuel Castells –
Primeiro, porque as elites financeiras detêm o poder econômico e montaram um sistema no qual, em vez de emprestar para produzir, o que fazem é vender dinheiro para criar dinheiro artificial e montar uma pirâmide em que tudo é fictício, em nível global. Aumentaram artificialmente os preços dos imóveis e das ações e concederam empréstimos às pessoas, mesmo que não quisessem, porque o negócio era vender dinheiro e empréstimos em qualquer condição. Isso foi feito de forma totalmente irresponsável do ponto de vista da economia, mas de maneira muito interessante para os grandes executivos que agora estão deixando os bancos com indenizações milionárias. Para eles, tudo funcionou muito bem.

Francisco Guaita – Quando a justiça vai ganhar nestas regras do jogo que você propõe reconstruir?
Manuel Castells –
Quando os cidadãos tiverem capacidade de mudar os políticos. Sim, as pessoas podem votar. Mas primeiro, podem fazê-lo apenas a cada quatro anos. Segundo, estão sob regras muito desiguais e por isso é muito complicado mudar algo através do voto.

A maior parte dos políticos é gente mais ou menos honesta. Não é verdade que sejam todos corruptos. Mas qual o objetivo central de um político? Conservar o posto. Esse é o aspecto mais importante. Para a maioria, é uma profissão. Se não fizerem isso, terão que trabalhar como todo mundo. Se mantiverem o poder terão melhores cargos, até porque a maioria não tem nível profissional muito alto.

Então a classe política se reproduz. Para entrar em um partido, você tem que começar aderindo a um dos grupos internos. É todo um mundo fechado em si mesmo, e esse mundo não tem ar. A novidade é que com a internet abriram-se janelas. Os políticos e banqueiros, juntos, controlam os meios de comunicação – mas não controlam os jornalistas que, por sorte, são a linha de resistência –  mas orientam os proprietários dos meios de comunicação e, portanto, suas linhas editorias. Por consequência, temos o controle dos meios, das finanças (e, portanto, da economia) e o controle do Estado através de uma classe política que se reproduz.

Fora disso, só há a internet. E foi justamente a partir da internet que se construíram redes de debates, de organização, de ação. Mas para agir sobre a sociedade, as pessoas têm que sair de casa, ir às ruas. Foi quando a internet, como espaço livre de comunicação, combinou-se com a ocupação dos espaços públicos, transformados em ágoras, o jogo começou a mudar. Mas o movimento ainda não se traduziu em grandes mudanças na política, porque o sistema está fechado.

Francisco Guaita – Quão distante está o cidadão da realidade retratada nos meios de comunicação?
Manuel Castells –
Depende do aspecto. Na Espanha, os meios de comunicação repetiram milhares de vezes, durante dois anos, as afirmações do presidente do Banco Central. Disseram que os bancos nacionais eram os mais seguros do mundo e não havia nenhum problema com os bancos espanhóis. Nenhum meio contestou isso. Ou são tontos e não têm capacidade de análise ou a cada vez que alguém sério tentava dizer algo havia um problema com a linha editorial.

O resultado é que os bancos espanhóis já devem 250 bilhões de euros ao Banco Central Europeu e agora dizem que vão pegar mais dezenas de bilhões. A dívida, portanto, é impagável, pois os bancos espanhóis estão quebrados. Significaria dizer aos cidadãos que seu dinheiro está em perigo e não sabem o que fazer. Há o risco de que o euro, no mínimo, se desvalorize ou até mesmo acabe. O governo não pode aconselhar os cidadãos a se desfazerem da moeda, mas deve tornar disponível a informação sobre o que está acontecendo, e os meios de comunicação também devem fazer isso.

Francisco Guaita – A internet abriu a janela, mas os meios de comunicação tradicionais ainda têm muitos leitores da rede. Os cidadãos podem se comunicar, mas não são figuras de referência, comparáveis às que aparecem na mídia. Como podemos aprender nos autoinformar?
Manuel Castells –
Você tem razão. Mas começam a surgir saídas. Primeiro, as pessoas montam seu próprio jornal ou meio de comunicação on-line. Não lemos ‘El Paí’s ou ‘El Mundo’ ou ‘La Vanguardia’ inteiramente. Lemos um artigo aqui e outro lá, comparamos com outras fontes da imprensa estrangeira, ouvimos o que nossos amigos nos dizem. Fazemos um mosaico de informações. Não somos prisioneiros de um meio.

Francisco Guaita – Mas costuma-se dizer que o leitor procura reforçar o que pensa e não se informar por outras vias.
Manuel Castells –
Você está certo. O que sabemos é que as pessoas buscam principalmente o reforço para suas opiniões, mas isso porque têm pouquíssima possibilidade de serem cidadãs, ativas. Reduzem-se a consumidores passivos. Não estão acostumadas a abrir suas próprias janelas. Se sua opção é entre os meios de comunicação que já existem, a atitude provável é: “Vou ver ou ler aquilo de que gosto mais”.

Outra lógica se abre quando as pessoas entram em um espírito mais crítico, desconfiam dos meios. Aí começa outra atitude, que é a wiki-informação: eu informo meus amigos, meus amigos me informam, vamos discutindo e assim se organiza um grande debate na internet do qual saem coisas. Em função desse espírito crítico em rede, examina-se o que os diferentes meios estão dizendo. E esse espírito crítico reconstrói todos os mecanismos de informação, que passam a seguir um novo fluxo – de muitos para muitos – ao invés de todos receberem uma mensagem com muito poucos emissores.

Francisco Guaita – Você diz que vivemos na sociedade da informação, mas estamos desinformados, com uma educação muito pobre e, além disso, temos medo – uma ferramenta fundamental em todo esse mecanismo. Como funciona o medo, para que as regras do jogo não mudem e para que as mesmas pessoas sigam comandando as estruturas de poder?
Manuel Castells –
Em primeiro lugar, a educação é pobre, mas comparando historicamente, estamos mais bem formados do que antes. Se há uma variável que se repete em todos os novos movimentos do mundo é o fato de serem constituídos por gente educada. Isso não quer dizer que ganham mais dinheiro. O ativista típico é o profissional recém-graduado, ou de uns 30 anos, com um trabalho muito precário ou desempregado. Essas pessoas podem passar a ter uma atitude mais crítica, apostando em uma mudança de mentalidade.

Por exemplo, os direitos da mulher. Há quarenta anos, nenhum partido majoritário falava sobre eles como tema principal. Hoje, se não falam disso, têm um problema. Há trinta anos a ideia de desenvolvimento sustentável, de que é preciso defender um modelo ecológico, de que é preciso integrar a natureza à cultura e ao consumo, era coisa de radicais, nenhum partido sério colocava isso no programa. Hoje, precisaram se pintar de verde, pelo menos um pouco, porque se não o fazem, são rechaçados.

Muitas ideias não são de um partido ou de um líder. São formas de conceber nossa vida em sociedade. Essas grandes mudanças na mentalidade demoram. Precisam de tempo, de debates, de ir além dos líderes.

Francisco Guaita – Dentro desses direitos, entra o tema da internet livre. Está se tornando um ponto essencial como foi o desenvolvimento sustentável e os direitos da mulher.
Manuel Castells –
Você tem muita razão. Nesse momento, defender a liberdade na internet é a base para defender a liberdade em todos os sentidos. Como os poderes estabelecidos cada vez mais desconfiam da internet, odeiam-na. Se pudessem acabar com ela fariam como os chineses que permitem a conexão para os negócios e educação e nada mais. Mas não é tão fácil.

Existem tantas ameaças à liberdade na internet que os jovens estão criando uma série de partidos e de movimentos que vão criar muitos problemas aos que tentarem restringir a liberdade. Pouco a pouco, o velho sistema está se consolidando em partidos de direita ou de esquerda que estão de acordo em um ponto essencial: resistir a novas formas de representação democrática. Daí, duas coisas podem acontecer: ou eles realmente se abrem e aceitam redefinir o jogo democrático ou não se abrem, e essa é uma perspectiva muito pessimista. Não acredito nas revoluções violentas, mas em situações de tensão que vão se multiplicar e em uma situação de catástrofe econômica e de não-representatividade política, com as pessoas conscientes e críticas e um sistema cada vez mais pressionado, que começa a se defender.

Francisco Guaita – Você tem esperança?
Manuel Castells –
Sempre. Mas porque os movimentos têm esperança. Meu novo livro, que será publicado em breve, chama-se ‘Redes de indignação e esperança’, dois sentimentos que existem no movimento. A indignação foi fundamental para superar o medo, porque o medo é a emoção que todas as sociedades impõem para não mudar nada. As pessoas têm medo de que, se fizerem algo que não está dentro das normas do sistema, no mínimo perdem o emprego. Como se supera o medo? As próprias experiências neurocientíficas mostram que é com a indignação. Quando se sente muito indignado, você não se importa com o que pode acontecer. Isso acontece.

Mas se não se transforma em um sentimento positivo, se a indignação é pura raiva, isso leva a um enfrentamento. Qual é o sentimento positivo? A esperança. A esperança de que algo irá mudar. Como se constrói a esperança? Quando as pessoas se reúnem. Por isso, o lema na Espanha é: ‘Juntos, podemos’. É a ideia de que eu não posso sozinho, e que você não pode sozinho, mas muitos juntos, sim, podemos.

E juntas, não apenas as pessoas que estão na Puerta del Sol, em Madri, mas em outros países também. A vitalidade desse movimento não é apenas em função da internet, a vitalidade é necessária para poder seguir fazendo algo aparentemente impossível, que é reconstruir a democracia a partir dos cidadãos.

Esse texto foi anteriormente publicado em Outras Palavras.

Fonte: Nós da Comunicação

Transcrição e tradução: Daniela Frabasile

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