Pofessor da UFRJ, Muniz Sodré, discute cultura e comunicação como espaços de produção de sentido
Cultura e comunicação, conceitos ambíguos. A cultura percorre da totalidade de sentido à ideia de representação; à comunicação não faltam contradições, ora associada à busca da democracia, mas, não raro, à ideia da transmissão de informações que, embora antiga, não reflete a etimologia da palavra. Para o pesquisador e professor da UFRJ, Muniz Sodré, que realizou a palestra “Cultura, Comunicação e Vida Social”, no dia 29 de março, na PUC Minas, o processo interativo tem como dimensão importante um modo ampliado de realizar a difusão cultural a serviço da produção cultural; ao engendrar poder é, portanto, da ordem do interesse do capital.
Já a cultura, explicou o professor, antes um processo de reflexão estética sobre a produção, expandiu-se através dos processos comunicacionais, em cenário marcado pela influência dos dispositivos comunicacionais que somam, hoje, sete bilhões de unidades, superando a quantidade de pessoas no planeta. Também por meio dessas tecnologias comunicacionais, a economia globalizada opera intenso fluxo econômico, financeiro e administrativo que ancora a ideologia da financeirização, conferindo velocidade de saída e entrada de capitais. Capitais velozes, como lembrou Sodré, que preocupam, inclusive, o governo brasileiro, pela força da especulação que não vem alimentar a produção nacional, mas buscar no país juros favoráveis a seus interesses.
Valores
Enquanto o plano da comunicação funcional busca a eficácia, conforme argumentou Sodré, os valores são convocados para atuar na contramão da funcionalidade dos processos. Trata-se do acionamento da comunicação normativa que diz respeito à vontade de compreensão mútua como horizonte da comunicação. Por isso, o professor enfatizou que a sociedade da informação convive com a chamada sociedade da comunicação, não se configurando aí duas instâncias distintas: “Quando a informação predomina, apela-se para a comunicação normativa para acalmar temores e angústias”, afirmou Sodré, ao problematizar: “Parece desaparecer o sentido orgânico da cultura como produção de sentido, para cultura como modo de gerenciar o social”.
Mediações tradicionais parecem desaparecer, segundo ele, quando a evidência da cultura funciona por repetição e instrumentalização. Mas não se trata, para o professor, de processos de “reificação” ou “coisificação do espírito”. Ele segue a trilha do filósofo Rousseau que identificava os elementos constitutivos do fazer humano, ou seja, constitutivos da dimensão cultural, na natureza (órgãos), homens (usos do natural) e coisa (aquisição de experiência que temos com os objetos com os quais sempre aprendemos).
“Na verdade, o homem é tão cultivado pelos objetos quanto se supõe tenha influência sobre eles. Sempre fomos técnicos”, afirmou, identificando o hábito e a técnica como segunda e terceira naturezas do homem, respectivamente: “A técnica aumenta espessura do envoltório protetor, amplia o espaço”. Nesse contexto, a questão que se discute é se “a chegada do objeto ao primeiro plano” – este visto, antes, sob pleno domínio do homem – consiste na morte da cultura. “Não se trata de demonizar ou rejeitar a técnica, mas, de integrar humanamente a técnica na vida social”, respondeu Sodré.
Educação
De acordo com Sodré, a interação da técnica com a vida social implica, primeiramente, a sua integração na dimensão humana da educação, como processo de incorporação intelectual e afetiva, pelos indivíduos, dos princípios e forças que estruturam o bem da vida social. A noção de bem associada, assim, à preservação da vida para continuação da comunidade humana, através da construção de códigos, leis, costumes e instituições, por exemplo.
“Educar é inscrever alguém no ordenamento social e criar condições cognitivas pra que o indivíduo até mesmo rompa essa lei. É socializar individualizando”, disse Sodré, ao destacar que a tecnologia da comunicação não pode ser fundada fora da dimensão da educação. Um exemplo da importância da mediação tecnológica é a interface da tradição com o moderno, possível, hoje, através da educação mediada por uma leitura plural, heterogênea, “solidária”. “A tecnologia deve ser vista como pretexto histórico para se repensar as formas de dominação que sempre vieram com a escrita”, defendeu o pesquisador.
Nesse contexto, a inclusão digital passa, necessariamente, pela questão da educação, “do professor, não de inserção das tecnologias que não representam um fim em si mesmo”, como afirmou. O estatuto escolar deve se integrar como agente ativo de instrução num circuito pedagógico liderado pelo docente. “A tecnologia oferece, impõe, redefine operações docentes em função do filtro de informação e conhecimento que o professor deve ser”, destacou. Para o pesquisador, a adequação dos processos educacionais é estratégica quando o excesso de informação pode tornar os indivíduos “ignorantes da história”, já que “sob as aparências do novo, confirmam-se estereótipos sociais”.
Música e corpo
Outro exemplo importante como mediação que reabilita o espaço contemporâneo, na opinião de Sodré, é a presença da música nas redes sociais, que “estimula o poder de expressão do corpo até o ponto de produção de imagens próprias”. De acordo com Sodré, “a música está no centro da transformação juvenil e, dos anos 60 pra cá, atinge sua posição de supremacia com as novas tecnologias”. Ele citou a música pop no Egito e Argélia, vinculada ao desejo de libertação, mediado por canções de revolta que chegaram ao Egito pela rede social Youtube. Também os grupos de música Tuareg, população que vive no deserto de Saara, que exportam, por meio das redes, a aliança entre ritmos tradicionais que fazem arranjos com rock e blues e geram sonoridade nova e dança calcada no ritmo do camelo, construindo um “ritmo revolucionário”.
Essa forma de atuação em rede relaciona-se ao que Sodré chama de “potência de automodelagem”, referindo-se ao sentido aristotélico de jogo: “Como ocupação agradável por e para ela mesma e isso só se faz por comunicação e sociabilidade”. Nessa perspectiva, a cultura remete ao campo da produção de sentido e não como gestão do social e atua como busca de um novo modo de tratamento da experiência do cotidiano que valoriza as virtualidades do pluralismo cultural. “Culturas são plurais e heterogêneas e é preciso inscrever essas pluralidades nas experiências de cultura e comunicação”, argumentou o pesquisador. Um desafio à universidade, em especial, que precisa se abrir à vida comunitária, possibilitando o contágio e a diversidade cultural. “A cultura precisa redescobrir isso. Cabe à universidade redescobrir o jogo, essa é a tarefa da conexão”, enfatizou o professor.
Vínculo
Muniz Sodré realizou ainda a palestra “Aspectos da constituição da comunicação como campo científico”, desta vez, para os alunos do curso de Mestrado em Comunicação Social da PUC Minas. Ele falou sobre o início dos estudos da Comunicação, quando, nos EUA, os investimentos em pesquisas na área surgiram para atender aos interesses do governo – em contexto de guerra – e, por isso, as pesquisas focaram o paradigma dos efeitos das mensagens. A Comunicação foi, também, inicialmente estudada a partir de um ponto de vista técnico e das engenharias, que analisa o percurso matemático da mensagem.
Sodré colocou em questão o que é o objeto da Comunicação hoje. Para ele, o vetor da comunicação é por em crise o objeto das outras ciências sociais. De acordo o professor, com o desenvolvimento tecnológico e usos diversos de todas as ferramentas disponíveis, pensar em vínculo social é tratar não apenas do vínculo do homem com o homem, mas também do homem com o seu entorno. Para ele, o homem, hoje, é o homem que dialoga com a máquina.
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